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Educação e Tecnologia

Curso técnico faz gente ganhar mais que graduado e agro lidera oportunidades

Veja como se tornar um técnico com cursos de baixo custo ou gratuitos do Sistema S e Sindicato Rural

Caroline Maldonado | 02/03/2022 08:44
Técnica em agropecuária Natália Samudio Chudecki, que trabalha na Shark Tratores. (Foto: Arquivo Pessoal)
Técnica em agropecuária Natália Samudio Chudecki, que trabalha na Shark Tratores. (Foto: Arquivo Pessoal)

Foi a época em que era preciso fazer primeiro um curso de graduação para ter uma carreira com bom salário e chances de crescimento. Os cursos técnicos abrem as portas do empreendedorismo ou do emprego em empresas de vários setores e colocam você para trabalhar ao lado de um graduado, que pode ter salário semelhante ou até mais baixo do que o seu. Em Mato Grosso do Sul, estado cujo carro chefe da economia é o agronegócio, o setor lidera as oportunidades que transformam a realidade de famílias inteiras.

Essa é a realidade e não significa que faculdade é ruim, mas que o mercado dita as regras e, muitas vezes, talvez pela burocracia ou uma questão cultural, o mundo universitário não acompanha o ritmo frenético das empresas que se transformaram com a tecnologia e nunca mais serão como antes, no Brasil.

Para entender melhor essa reviravolta que nem é tão nova, mas ainda impressiona, especialistas e gente que está surfando na onda das carreiras de formação técnica explicam o porquê disso, os caminhos, os salários e as vantagens de começar por aí. Tem gente até na “contramão”: saiu da faculdade e buscou curso técnico para conseguir uma oportunidade de emprego ou empreender e fazer sua renda sozinho.

Na crista da onda

De longe se vê que as melhores oportunidades estão atreladas ao agronegócio e a tecnologia. Quem fez graduação em Ciências da Computação, por exemplo, mas não sabe criar um aplicativo ou site, faz os recrutadores torcerem o nariz.

No agronegócio, falta quem opere máquinas de custos milionários que têm mais tecnologia do que muito carro chique por aí. Na indústria, a mesma coisa: falta gente qualificada para demandas muito específicas.

O que as empresas rurais mais querem não é peão e nem doutor. A luta é por profissionais de curso técnico que saibam o que fazer para determinada função, em processos que movimentam lucros milionários e, por isso, pagam relativamente bem para quem está em início de carreira e fez um investimento modesto na formação, a partir de curso técnico de baixo custo ou até gratuito.

Pé na estrada

“Minha ex-aluna ganha mais do que eu que sou doutor”, brinca o ex-professor da técnica em agropecuária Natália Samudio Chudecki, de 31 anos. Com o pé na estrada, ela faz cerca de R$ 10 mil por mês trabalhando para uma empresa de máquinas agrícolas.

É uma brincadeira, porque o doutor Luiz Gustavo Cavalca também ganha bem, mas ele quer mostrar o quanto vale a pena começar a carreira com um curso técnico.

“O mercado não precisa de diploma e sim de gente que saiba trabalhar”, enfatiza Cavalca, que é coordenador técnico do Centro de Excelência em Bovinocultura de Corte do Senar/MS (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural).

Doutor Luiz Gustavo Cavalca, coordenador técnico do Centro de Excelência em Bovinocultura de Corte do Senar/MS (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). (Foto: Arquivo Pessoal)
Doutor Luiz Gustavo Cavalca, coordenador técnico do Centro de Excelência em Bovinocultura de Corte do Senar/MS (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). (Foto: Arquivo Pessoal)

Os salários começam em torno de R$ 2,5 mil e R$ 3 mil, mas podem ser mais altos dependendo do tamanho das empresas, que oferecem benefícios e oportunidades de subir de cargo.

“Empreender é um caminho também. Tenho ex-alunos de técnico em hortifrúti, trabalhando no cinturão verde de Campo Grande e ganhando de R$ 4 mil a 5 mil com toda a família envolvida no negócio. Tem que lembrar que se você mora no campo, R$ 2 mil equivale a R$ 5 mil, porque as empresas dão ‘casa, comida e roupa lavada’, como a gente brinca, mas é verdade. Tem gente que não paga aluguel, água, nem energia e algumas empresa oferecem alimentação. Com isso, o salário vale mais”, comenta Cavalca.

A Natália trabalha com vendas de máquinas agrícolas da Shark Tratores.

“Eu pensei em estudar medicina veterinária ou zootecnia, mas eram cursos integrais de longa duração. Tenho uma filha, então não seria possível. Aí fiz o curso técnico e já fui para uma empresa que trabalha com máquinas agrícolas”, conta Natália.

Arte: Thiago Mendes
Arte: Thiago Mendes

Sem sair de casa

Na área de tecnologia, interligada com o agro em boa parte das oportunidades, os aspirantes a um bom emprego também começam a ser assediados antes mesmo de terminarem os cursos, segundo a gerente do Departamento de Educação Profissional no Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), Jordana Duenha.

A escassez de profissionais qualificados é tanta que sobra vaga. Além disso, como não é preciso bater ponto para executar o serviço, há empresas que contratam de outra cidade ou Estado. No mundo da tecnologia, o home office não é uma novidade da pandemia.

No meio do curso, tem gente que já é empregado. Com certificado em mãos, o salário inicial alcança R$ 3 mil.

“O céu é o limite, porque essa área se transforma com muita rapidez, está em constante desenvolvimento, quanto mais conhecimentos a pessoa tem, mais ganhos terá. Tudo depende da trajetória e da experiência que se vai adquirindo. Os salários passam de R$ 10 mil”, conta Jordana.

Gerente do Departamento de Educação Profissional no Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), Jordana Duenha. (Foto: Kísie Ainoã)
Gerente do Departamento de Educação Profissional no Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), Jordana Duenha. (Foto: Kísie Ainoã)


Entre os cursos do Senac com mais chances de emprego, também estão os de técnico em análises clínicas, farmácia e enfermagem, segundo Jordana.

Porta de entrada em multinacionais

Quem tem curso técnico na indústria recebe 59% a mais do que os demais trabalhadores da área sem formação. O salário médio da indústria é R$ 2,5 mil, mas quem ocupa posições que exigem formação técnica recebe em média R$ 4,1 mil.

Os dados são da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) 2020, levantados pela Fiems (Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do Sul).

Essa é a média salarial e não o piso. Portanto, não é sair do curso técnico e "nadar na grana", mas a média mostra que é possível galgar degraus e chegar a uma situação salarial confortável depois de sair de um curso, que custa, infinitamente, menos do que uma graduação ou até mesmo gratuito.

Professores e alunos de curso da unidade Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) de Três Lagoas. (Foto: Arquivo Pessoal)
Professores e alunos de curso da unidade Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) de Três Lagoas. (Foto: Arquivo Pessoal)

“A gente ouve alunos falando que tem profissional graduado ganhando quase igual ao trainee. Muitas vezes, o salário de um engenheiro iniciante é praticamente o mesmo do técnico”, comenta o gerente de Gestão e Negócios da unidade Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) de Três Lagoas, Rodrigo Bastos.

A porta de entrada é o curso técnico e as empresas, muitas delas multinacionais do agronegócio, oferecem muitos benefícios e chances de crescimento. Tem gente que tenta entrar pela porta dos graduados, acaba ficando na contramão. “Não existe caminho certo. Cada um traça a sua estratégia, mas há pessoas que saem da faculdade e vão para o curso técnico para conseguir uma vaga”, conta Rodrigo.

Um técnico em mecânica industrial recebe de R$ 3 mil a R$ 5 mil, em grandes empresas de papel e celulose, na região Leste de MS.

Alexandre Castelo trabalhando como mecânico, em empresa que presta serviço para fábrica de papel e celulose, em Três Lagoas (Foto: Arquivo Pessoal)
Alexandre Castelo trabalhando como mecânico, em empresa que presta serviço para fábrica de papel e celulose, em Três Lagoas (Foto: Arquivo Pessoal)

Depois de fazer faculdade em Administração e trabalhar na área, Alexandre Castelo faz o curso de técnico em busca de uma dessas vagas.

O investimento é de R$ 250 por mês, durante dois anos e meio, o que vai dar cerca de R$ 7,5 mil. O que pesa agora é a idade. Com 49 anos, ele tem receio que a idade o atrapalhe a conseguir vaga.

“Se eu tivesse pensado mais, teria feito curso técnico bem antes da faculdade, porque a remuneração inicial é melhor", comenta Alexandre.

Ele conta que um amigo que é engenheiro, fez o curso técnico e estágio em uma dessas empresas. "Ele começou ganhando bem pouco, mas foi um jeito de entrar na empresa. Agora, ele já efetivou como mecânico e tem remuneração melhor”, conta.

Alexandre diz que na prática não é tão simples conseguir uma vaga em uma empresa dessas, mas acha que vale arriscar e investir em uma nova formação. Atualmente, ele trabalha em uma empresa que presta serviço para uma fábrica de papel e celulose, em Três Lagoas.

O sonho do empreendedorismo 

Hoje com 37 anos, Rodrigo Pache tinha apenas 13 quando começou a trabalhar com o pai, que era torneiro mecânico.  Produzindo peças e retificando, ele atende, como terceirizado, uma multinacional do segmento alimentício, que trabalha com processamento de soja e milho.

Depois de fazer um curso por apostilas enviadas por Correios pelo Instituto Universal Brasileiro, ele ficou impressionado com o quanto vale a pena estudar. Aos 16 anos, ele fez o curso técnico do Senai.

"O curso no Senai foi um divisor de águas", resume Pache.

Proprietário da Tornearia Pache, Rodrigo Pache (Foto: Marcos Maluf)
Proprietário da Tornearia Pache, Rodrigo Pache (Foto: Marcos Maluf)

Rodrigo conta que antes desperdiçava tempo e material. Além disso, chegou a sofrer um acidente em que quebrou uma costela e uma clavícula por falta de noções sobre segurança no trabalho.

Apostilas do Instituto Universal Brasileiro enviadas pelos Correios, guardas há 20 anos (Foto: Marcos Maluf)
Apostilas do Instituto Universal Brasileiro enviadas pelos Correios, guardas há 20 anos (Foto: Marcos Maluf)

O curso trouxe o conhecimento e a confiança para ele abrir a própria empresa, na Capital.

Hoje, ele tem uma renda superior a de colegas que fizeram graduação de engenharia e mantêm dois técnicos empregados, que ganham cerca de R$ 4 mil por mês, cada um.

"Não é fácil empreender. Também sou um funcionário da minha empresa. Mas hoje não troco esse trabalho por nada. Tenho liberdade de poder escolher quando vou tirar férias e uma renda bem melhor do que se fosse empregado", comenta.

Começando com pouco

Faculdade de Tecnologia do Senai, no Bairro Amambaí, em Campo Grande (Foto: Divulgação/Senai)
Faculdade de Tecnologia do Senai, no Bairro Amambaí, em Campo Grande (Foto: Divulgação/Senai)


O Sistema S é uma referência com nove instituições administradas de forma independente por federações e confederações empresariais. Apesar de não terem ligação com governo, elas prestam serviços de interesse público.

Senac, Senai, Senar oferecem diversos cursos pagos e gratuitos, que preparam pessoas para as vagas nos diversos segmentos, que movem a economia.

No caso do Senar, os cursos são ministrados em parceria com o SRCG (Sindicato Rural de Campo Grande, Rochedo e Corguinho), que investe pesado para fazer com que as pessoas interessadas em formação e qualificação percebam as oportunidades do agro, que crescem a cada dia.

Além dos cursos livres de curta duração em cidades do estado todo, há o curso de Técnico em Agronegócio gratuito, semipresencial, com aulas aos sábados e duração de dois anos. O curso já abriu uma turma neste ano, mas deve abrir outra no segundo semestre.

O presidente do SRCG, Alessandro Oliva Coelho, detalha as vantagens para quem investe em carreira no meio rural.

"No agro, o salário inicial pode quadruplicar, pois o técnico pode ir para uma área específica da empresa ou optar por oferecer consultoria. São ganhos elevados se considerarmos que o profissional ingressou na área com cursos gratuitos", comenta Alessandro.

Presidente do SRCG (Sindicato Rural de Campo Grande, Rochedo e Corguinho), Alessandro Oliva Coelho (Foto: Divulgação/SRCG) 
Presidente do SRCG (Sindicato Rural de Campo Grande, Rochedo e Corguinho), Alessandro Oliva Coelho (Foto: Divulgação/SRCG)

Clique aqui para acessar o site do Sindicato Rural e acompanhar a agenda de cursos em cidades de Mato Grosso do Sul.

Tem também o Sescoop (Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo) e o Senat (Serviço Social de Aprendizagem do Transporte), além de outros voltados à prestação de serviços ligados ao bem estar social.

Estudante em laboratório do IFMS (Foto: Divulgação/IFMS)
Estudante em laboratório do IFMS (Foto: Divulgação/IFMS)

Outra porta para a capacitação gratuita é o IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul).

O desafio do instituto é trabalhar na perspectiva de um ensino médio integrado com a educação profissional, ou seja, preparar estudantes para entrar no mercado de trabalho pela porta técnica.

Há 16 opções de cursos técnicos de nível médio em seis eixos tecnológicos, que são Controles e Processos Industriais, Gestão e Negócios, Informação e Comunicação, Infraestrutura, Produção Alimentícia e Recursos Naturais.

O IFMS oferece o ensino médio com cursos no contraturno, mas também há oportunidades para quem já terminou os estudos e só quer fazer o curso ou ainda jovens e adultos que precisam fazer o ensino médio.

É tudo gratuito. Clique aqui para ver o Guia de Cursos da instituição.

Depois dos 30 tem chão

Gerente do Departamento de Educação Profissional no Senac, Jordana Duenha (Foto: Kísie Ainoã)
Gerente do Departamento de Educação Profissional no Senac, Jordana Duenha (Foto: Kísie Ainoã)


Nas salas de aula do Senac, a maioria tem de 30 anos de idade para frente, segundo Jordana. “São pessoas que despertam para outras possibilidades. Mais da metade da turma tem graduação em várias área”, revela.

Os professores e gestores acreditam que não é ruim sair do ensino médio e buscar uma graduação, mas é um caminho que não está trazendo um lugar ao sol para todo mundo, por isso tanta gente com formação superior nas salas de aula dos cursos técnicos.

"No Brasil, tem essa cultura que para dar certo na vida tem que fazer graduação. Países europeus, como Alemanha, Inglaterra e Suíça são diferentes. Eles valorizam a formação técnica. Enquanto isso, aqui muitos fazem graduação e depois procuram cursos técnicos”, explica Jordana.

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