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Educação e Tecnologia

Não é só tereré: startup põe erva-mate em novos produtos para resgatar cultivo

Ciclo econômico foi tão marcante na história que planta aparece até no brasão de MS

Aline dos Santos | 26/04/2023 11:55
Bolo leva farinha de erva-mate na receita. (Foto: Divulgação)
Bolo leva farinha de erva-mate na receita. (Foto: Divulgação)

Tão marcada na história que aparece no brasão do Estado, a erva-mate, afamada pelo tradicional tereré, também é vista como protagonista para tempos futuros. Neste cenário, surge com novas roupagens: farinha moída ultrafina, chá mate moído e extrato líquido (que pode ser destinado da indústria de bebidas à farmacológica).

A tríade de produtos nos direciona a startup, idealizada em programa de mestrado da UEMS (Universidade de Mato Grosso do Sul), que terá financiamento de R$ 80 mil para colocar, ainda que em pequena escala, as novidades no mercado.  Fazendo jus à tradução de startup, que é “começar algo novo”, a intenção é mostrar a viabilidade e atrair interessados que possam replicar a produção em maior volume.

“Vamos testando para ver se os produtos terão aceitação. É mudar um pouco os hábitos das pessoas, a percepção da maioria ainda é da erva-mate no tereré, chimarrão. Com a startup, você se posiciona no mercado, é visto por grandes empresas”, afirma o professor Moisés Centenaro, que leciona na UEMS e é participante do projeto “Extrato de erva-mate: Uma solução criativa e inovativa”, idealizado no programa de mestrado “Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos”.

“Vamos testando para ver se os produtos terão aceitação", diz professor Moisés Centenaro. (Foto: Arquivo Pessoal)
“Vamos testando para ver se os produtos terão aceitação", diz professor Moisés Centenaro. (Foto: Arquivo Pessoal)

Primeiro item da lista, a farinha de erva-mate moída ultrafina pode ser adicionada em qualquer alimento preparado com farináceos, como farinha de trigo e amido de milho. Ou seja, pode chegar ao preparo das tradicionalíssimas chipa e sopa paraguaia. O produto poderá ser usado na mistura de pães, bolachas bolos, sorvetes, sucos, doces e massas em geral.

“A farinha de erva-mate vem sendo usada como produto alimentício no Rio Grande do Sul, na merenda escolar. Tem pesquisas mostrando mais de 190 princípios ativos, muito importante para a nutrição. No Paraná, está em fase de aprovação para ser adicionada também na merenda escolar”, salienta o professor.

Já o chá será na versão em pó, como o café, e poderá ser preparado em máquinas. O terceiro produto é o extrato líquido extraído da folha. “Temos engenheiro de alimentos  na composição dessa equipe para entender se consegue manter os nutrientes. Pode ser comercializado para bares, restaurantes, adicionado a coquetéis ou direcionados para indústria farmacológica”, afirma o pesquisador.

Lista de novos produtos tem extrato líquido, chá em pó e farinha de erva-mate ultrafina. (Foto: Divulgação)
Lista de novos produtos tem extrato líquido, chá em pó e farinha de erva-mate ultrafina. (Foto: Divulgação)

Do total de R$ 80 mil, R$ 60 mil são financiados pela Fundect (Fundação de Amparo ao Desenvolvimento ao Ensino, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul), ligada ao governo do Estado. O restante será obtido por meio de bolsas. Os recursos vão custear equipamentos, matéria-prima, capital de giro e software de gestão empresarial.

“A ideia é colocar os produtos no mercado local. Tentaríamos diálogo com o município de Amambai e, depois, tentar ações mais robustas com o governo do Estado. Mas são produtos que chamam a atenção, fácil de vender”, diz Centenaro. No cálculo, pesa a ligação afetiva com a erva-mate, posto que traz as lembranças de antepassados que foram ervateiros, lembrando que o cultivo marcou a economia de MS a partir de uma gigante, a Companhia Matte Larangeira, que perdurou até a década de 40.

Erva-mate teve ciclo econômico em MS que fez brotar várias cidades. (Foto: Divulgação)
Erva-mate teve ciclo econômico em MS que fez brotar várias cidades. (Foto: Divulgação)

Mistério e história - Novos usos também buscam aumentar a produção da erva-mate no Estado, num resgate da plantação que foi fundamental para o surgimento de várias cidades. Atualmente, MS importa quase 100% do que consome. Mas o cultivo pode voltar com a agricultura familiar, inclusive como fonte de renda em aldeias.

Nessa longa história, há também uma curiosidade: não se sabe o porquê, mas a erva-mate escolheu se desenvolver em pontos geográficos muito específicos, o que favorece Mato Grosso do Sul.

“É um mistério que não se consegue entender. Levaram a erva-mate para a China, Rondônia, Mato Grosso e não tem jeito de se adaptar. Ela é nativa dessa região de fronteira, além de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Também tem um pouco no Paraguai e na Argentina”, conta o professor.

Ele mesmo já viu esforços frustrados quando tentou expandir o cultivo para Miranda, Camapuã, Água Clara. O professor lembra que a abertura da Rota Bioceânica pode levar a produção para o Chile e Argentina, grandes consumidores de erva-mate.

Flores e frutos da erva-mate, planta que marca história do Estado. (Foto: Divulgação)
Flores e frutos da erva-mate, planta que marca história do Estado. (Foto: Divulgação)

Outro ponto a favor de que MS retome o cultivo é a sustentabilidade. A erva-mate pode ser utilizada na recomposição de florestas para reserva legal e área de preservação permanente.

“Se não houvesse a exploração de erva-mate, muitas cidades não existiriam: Amambai, Aral Moreira, Tacuru, Iguatemi. Eram desertos, o cultivo trouxe pessoas para morar, trabalhar”, diz o pesquisador.

Porto Murtinho é outro expoente da força da erva-mate. O município é derivado de um porto aberto para escoar a produção da Companhia Matte Larangeira pelo Rio Paraguai. Depois, o escoamento foi deslocado para a Fazenda Campanário, em Ponta Porã.

Em 1941, a fazenda foi matéria da revista O Cruzeiro, num texto intitulado “Campanário – Uma Cidade na Selva”.

De acordo com Moisés Centenaro, a fazenda até foi cogitada como capital do Mato Grosso, diante da grandeza econômica. “Tinha muito emprego, girava o dinheiro”. Contudo, o modelo de produção se assemelhava a condições análogas à escravidão.

Em 1941, Getúlio Vargas visita a Fazenda Campanário, em Ponta Porã. (Foto: Reprodução)
Em 1941, Getúlio Vargas visita a Fazenda Campanário, em Ponta Porã. (Foto: Reprodução)
Brasão de Mato Grosso do Sul traz ramo de erva-mate florido à direita. (Foto: Reprodução)
Brasão de Mato Grosso do Sul traz ramo de erva-mate florido à direita. (Foto: Reprodução)


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