ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
OUTUBRO, QUINTA  30    CAMPO GRANDE 28º

Educação e Tecnologia

No 1º ano sem celular na escola, foco em sala melhora, mas tela em casa aumenta

Enquanto pais falam de aumento no uso após as aulas, Educação comemora menos distração e mais aprendizado

Por Ketlen Gomes e Maria Gabriela Arcanjo | 30/10/2025 11:44
No 1º ano sem celular na escola, foco em sala melhora, mas tela em casa aumenta
Prestes a completar um ano, restrição de celular nas escolas já mostra efeitos positivos. (Foto: Marcos Maluf/Arquivo)

Um ano sem celular nas escolas: alunos mais focados, notas mais altas e menos conflitos

RESUMO

Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!

A proibição do uso de celular nas escolas estaduais de Mato Grosso do Sul, implementada em fevereiro de 2023, já apresenta resultados positivos. Segundo o secretário de Educação, Hélio Daher, houve melhora na média de proficiência da rede e na interação entre os estudantes. A medida, que permite que os alunos levem o aparelho desde que mantido desligado e guardado, recebeu apoio significativo de estudantes e famílias. Professores relatam turmas mais atentas e participativas, além de melhoria na disciplina e nas relações interpessoais.

A proibição do uso de celular nas escolas da REE (Rede Estadual de Ensino) de Mato Grosso do Sul está prestes a completar um ano e, segundo educadores, os resultados são claros e diretos: as turmas estão mais concentradas, a convivência melhorou e a rede alcançou a maior média de proficiência da história. Mas por outro lado, o uso de telas em casa aumento, dizem os pais.

Em educação, proficiência é o nível de aprendizado dos alunos em disciplinas como português e matemática, medido por avaliações aplicadas pela própria rede. Segundo o secretário de Educação, Hélio Daher, a restrição do uso de celulares contribuiu para esse avanço, pois aumentou o foco em sala e reduziu distrações.

“A gente percebeu que os estudantes voltaram a prestar atenção nas aulas e a participar mais. Isso refletiu na aprendizagem. A interação entre os alunos também melhorou muito, e isso até ampliou a visão crítica sobre o mundo”, afirma.

Daher explica que a mudança foi também comportamental. Antes da medida, era comum ver grupos inteiros isolados nos intervalos, cada um no próprio celular. “Percebíamos uma certa polarização entre os estudantes, porque eles viviam na ‘bolha’ digital, conversando apenas com quem pensa como eles. A escola é o contrário disso, ela é heterogênea, força o diálogo com quem é diferente. Essa convivência estava se perdendo”, avalia.

Segundo ele, a medida representou uma quebra de estrutura, mas o apoio das famílias e dos próprios estudantes superou as expectativas. Para implantar a regra, a SED (Secretaria de Estado de Educação) promoveu reuniões com diretores e orientações para alunos e responsáveis.

Daher reforça que não se trata de uma proibição absoluta. Os alunos podem levar o aparelho, desde que ele fique guardado e desligado, sendo o uso permitido apenas com autorização do professor.

“Fizemos uma pesquisa no meio do ano e a grande maioria dos estudantes concordou com a restrição. Muitos entenderam que a escola ficou mais tranquila e a interação entre eles voltou a acontecer. Antes, era comum, no recreio, eles nem conversarem”, completa.

Resultados pedagógicos e adaptação

No 1º ano sem celular na escola, foco em sala melhora, mas tela em casa aumenta
Em fevereiro, quando chegaram às escolas estaduais os alunos se depararam com uma nova rotina. (Foto: Henrique Kawaminami)

A professora Carolina Costa, da Faculdade de Educação e secretária de Inovação Pedagógica Digital da AGEAD (Agência de Educação Digital e a Distância) da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), explica que mudanças desse tipo exigem um período de adaptação, mas que os benefícios são consistentes.

“O uso excessivo do celular em sala de aula está ligado à dispersão, à queda no rendimento e ao aumento de conflitos e casos de cyberbullying. Ao restringir o uso, busca-se criar um ambiente mais focado, favorecendo o aprendizado ativo e a interação presencial entre estudantes e professores”, detalha.

Ela reforça que ainda é cedo para avaliações conclusivas, mas os relatos são positivos: “Professores têm observado turmas mais atentas, maior participação nas atividades e menos distrações. Em alguns casos, houve também melhora na disciplina e nas relações entre colegas.”

Carolina pondera que a medida precisa vir acompanhada de projetos sobre cidadania digital e uso responsável da tecnologia, para que os resultados sejam duradouros e formem alunos mais conscientes.

Pais e alunos também percebem mudanças no comportamento dentro e fora das salas de aula, mas por um lado, nada positivos. Enquanto educadores apontam melhora na concentração e na convivência, famílias notam que a ausência das telas durante o período escolar fez crescer o tempo de uso em casa.

No 1º ano sem celular na escola, foco em sala melhora, mas tela em casa aumenta
Alunos já saem da escola com o celular na mão (Foto: Marcos Maluf)

A artesã Ingrid Utuari, de 36 anos, mãe de dois meninos, um de 14 e outro de 4 anos, diz que já controlava o uso do celular do mais velho antes da proibição. “Eu uso um aplicativo que bloqueia o celular dele nos horários de aula, então ele só podia mexer no recreio”, conta. Mesmo assim, percebeu mudança no comportamento do filho após a regra. “Depois da proibição ele chega em casa e fica mais ansioso pra usar o que não usou antes na escola. Em alguns dias, acaba passando mais tempo no celular”, observa.

O filho, Zion Utuari, de 14 anos, estudante da rede municipal lembra que no início achou ruim,. “Quando tirou, foi chato, mas aí comecei a conversar mais com um amigo. A gente conversa bastante agora. Acho que isso me fez esquecer um pouco do celular”, relata. Segundo ele, os colegas também mudaram. “Antes, quase todo mundo mexia. Agora, estão mais focados, mas quando o professor sai, sempre tem alguém que dá uma olhadinha”, brinca.

Quem também percebeu efeitos diretos foi a recepcionista Carla Sena, de 43 anos, mãe de uma menina de 12 anos. “No primeiro mês, ela não lidou muito bem. As notas não melhoravam e ela reclamava de não poder usar o celular”, lembra. Mas, com o tempo, veio o resultado. “Depois disso, senti que as notas melhoraram sim. Ela presta mais atenção nas aulas e participa mais”, conta.

Por outro lado, Carla também observou reflexos fora da escola. “Aumentou o uso em casa depois da proibição. Ela chega e quer compensar o tempo que ficou sem o celular. Fica com o aparelho o tempo todo”, admite.

No 1º ano sem celular na escola, foco em sala melhora, mas tela em casa aumenta
Paula Ribeiro, de 39 anos, mãe de uma aluna de 7 anos (Foto: Marcos Maluf)

Para a psicanalista Paula Ribeiro, de 39 anos, mãe de uma aluna de 7 anos da rede municipal de Campo Grande, a proibição do uso de celular nas escolas é uma decisão que precisa ser mantida. Ela acredita que a restrição ajuda as crianças a socializarem mais e reduz os impactos negativos do uso excessivo das telas.

“É uma maneira que as escolas e o poder público encontraram de fazer as crianças saírem um pouco das telas. Elas voltaram a conversar de verdade, a brincar, a olhar umas para as outras”, afirma.

Paula observa, como mãe e profissional da saúde mental, que o uso constante de celulares afeta a visão, o sono e o equilíbrio emocional das crianças. “Ficam mais ansiosas, mais agitadas, e com dificuldade de concentração. Além disso, há sempre o risco de interação com adultos mal-intencionados do outro lado da tela”, alerta.

Ela conta que a filha tem acesso controlado ao celular em casa, mas nunca leva o aparelho para a escola. “Quando o uso era livre, ela demorava pra dormir e acordava cansada. Agora, com tempo limitado, está mais calma e disposta”, relata.

Para Paula, o impacto positivo da medida será ainda mais visível no futuro. “A longo prazo, o uso das telas vai trazer sequelas que a gente ainda não consegue mensurar. Por isso, esse tipo de regra protege não só o aprendizado, mas também a saúde mental das nossas crianças”, conclui.