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Arquitetura

Casa da Memória vira autoescola e reabre debate sobre uso de prédios históricos

Ângela Kempfer | 14/08/2013 06:21
Casa da Memória vira autoescola e reabre debate sobre uso de prédios históricos

Acostumados a cruzar a Calógeras e na esquina com a Barão do Rio Branco ver aquele prédio preservado, com a arquitetura de 1922, hoje muitos se espantam ao se deparar com o imóvel, até então conhecido como “Casa da Memória”. O lugar virou autoescola, ganhou faixas enormes com anúncio de desconto, grades de proteção e o amarelo da logomarca da empresa foi parar no muro, pintado na parte de metal, que há quase 100 anos foi moldada como madeira, para imitar galhos robustos de árvores.

O prédio de importância histórica virou mais um ponto comercial da cidade, o que faz as pessoas pensarem. “Achei horrível, porque é um lugar histórico. Acho que tinha de ter sido mantido, para contar a história da nossa cidade”, diz na porta da autoescola o aposentado Evandro Silva, de 66 anos.

 O aposentado Evandro Silva não gostou do destino dado à casa.
O aposentado Evandro Silva não gostou do destino dado à casa.
Cláudio Severo Pereira também achou estranho
Cláudio Severo Pereira também achou estranho

O funcionário público Cláudio Severo Pereira, de 57 anos, também considera estranho: “Pensei que porque existe uma lei que diz que é patrimônio histórico não poderia ser alterado nem um pouco. Moro desde 84 aqui e sempre achei um lugar muito bonito da cidade. Falta memória para as pessoas. Como vou contar a história deste lugar para a minha neta de 1 ano?”, lamenta.

Leila da Rosa, de 19 anos, discorda. “Está muito melhor, porque era um lugar abandonado. Foi bom porque pintaram e mudaram a cor”. Outra moradora, Leda Machado, de 40 anos, também não considera a mudança ruim. “Era uma casa de cultura, mas vivia fechada. Sou a favor da cultura, mas não abandonada do jeito que estava. Então achei muito positivo”.

Na verdade, o prédio não é tombado como patrimônio histórico. Oficialmente, foi classificado em 2010 como “imóvel de interesse cultural”. Na prática, também não pode ter a fachada alterada, mas nada impede que o uso seja comercial.

As histórias entre as paredes de 91 anos são de Arnaldo Estevão de Figueiredo, o último governador do Mato Grosso uno. Durante 10 anos (1996-2006), a filha Lélia Rita manteve o lugar aberto, como espaço cultural, uma “Casa da Memória”.

Havia cartas pessoais, documentos, fotografias e mobiliário antigo. Mas o prédio tem o valor maior, tem o peso histórico da construção desenhada por Camillo Boni, com um detalhe: foi a primeira residência com banheiro dentro da casa aqui em Campo Grande.

Sem apoio da prefeitura ou do governo, a filha não teve condições financeiras de manter o local aberto e a história viva, então a casa foi para locação. Antes, Lélia já havia solicitado o tombamento, mas teve o pedido negado.

Leda Machado não considera a mudança ruim
Leda Machado não considera a mudança ruim

“O que está acontecendo como o imóvel é mais um passo que indica a necessidade de Campo Grande ter uma política de tombamento. Este imóvel é de interesse de toda sociedade. Ali viveu um dos mais importantes governadores do Mato Grosso. Importantíssimo para história do Centro-Oeste”, lembra o urbanista Ângelo Arruda.

Não há isenção alguma de impostos ou linhas de financiamento específicas para os proprietários desse tipo de patrimônio no município. Por isso, os prédios que têm alguma coisa para nos mostrar sobre o passado, com o tempo vão desaparecendo.

Quando o assunto é memória, o chefe da Divisão de Patrimônio da Prefeitura de Campo Grande, Rubens Castro Marques, fala imediatamente da residência de Vespasiano Martins. Demolida, agora o terreno serve de estacionamento de supermercado na Calógeras. Era um lindo palacete de estilo eclético, que desapareceu do cotidiano campo-grandense.

“Infelizmente, a especulação imobiliária se sobrepõe ao interesse cultural”, comenta. Em defesa da prefeitura, ele diz que hoje os imóveis históricos da região central estão sob regime especial. “Mesmo sem serem tombados, não podem ser demolidos e as reformas são submetidas à avaliação”, justifica.

Sobre o uso comercial, Rubens diz não ver nada demais, desde que o bom senso seja usado. “Na Europa, os prédios têm esse tipo de utilização e não há problemas. Só não pode transformar em boate, por exemplo, porque certamente comprometeria a estrutura. Tem de ser algo compatível”, defende.

Para que o interesse público não tenha mais prejuízos, ele aposta na fiscalização popular. "Hoje as pessoas estão ais conscientes e denunciam quando encontram um prédio histórico sendo descaracterizado".   

Do espaço cultural, só ficou o nome na calçada.
Do espaço cultural, só ficou o nome na calçada.

Novo "dono" - O bom nesta história é que o dono da autoescola Wind Car parece ter descoberto o lado lucrativo da preservação. Com o tempo, as pessoas começaram a entrar, para matar a curiosidade sobre o imóvel. “Hoje, 40% das pessoas vêm por conta da curiosidade. Acho que antes eles não vinham porque achavam que pagava. Agora chegam falando que morriam de curiosidade”, conta Valdir Ferreira de Almeida.

Apesar de ter colocado o amarelo no muro, de esconder parte da beleza com anúncios e ter de adaptar o banheiro por conta da lei de acessibilidade, ele garante que não pretende mudar mais nada na casa de Arnaldo Estevão de Figueiredo. “Já pedi até colaboração da família para eu fazer um espaço aqui, para quem chega ver fotos antigas e saber um pouco da história”.

Primeiro, quem entendeu a vantagem de aproveitar um prédio histórico como ponto comercial foi a esposa de Valdir. “Ela me alertou que muita gente ia entrar por curiosidade e depois ia virar cliente. A empresa ganha até a simpatia das pessoas por valorizar o patrimônio”, comenta.

A família Figueiredo também colocou como condição para o aluguel a não descaracterização do imóvel. “Futuramente penso até em comprar. Para mim, é um privilégio muito grande, foi a primeira vez que locaram. Seria um desrespeito mudar as coisas”, diz o empresário.

Tela na parede, da década de 20, e os ladrilhos preservados.
Tela na parede, da década de 20, e os ladrilhos preservados.
Espaço para guardar a memória do ex-governador.
Espaço para guardar a memória do ex-governador.
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