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Artes

Vida e Morte de Maria Graziele viram Luz e Sombra pelas lentes barrocas

Fotografia traz para o fim de tarde, na prisão do feminicida, a arte barroca e o drama de alguém que se foi tão jovem

Izabela Sanchez | 26/04/2020 07:21
Creio que esta imagem dispensa legenda (Foto: Henrique Kawaminami)
Creio que esta imagem dispensa legenda (Foto: Henrique Kawaminami)

Qual o momento define uma imagem? Que acúmulo de referências, às vezes inconscientes, fazem uma imagem? O resultado da fotografia traz essas e outras tantas perguntas, já que o quadro eternizado é mais do que técnica, é roubar o tempo no momento perfeito. Depois não há mais tempo.

Tempo é o que foi roubado de Maria Graziele, 21, assassinada pelo ex-marido, Lucas Pergentino, que dias depois confessou o crime e deu desfecho a mais um caso de feminicídio, a morte das mulheres apenas por serem mulheres, em Mato Grosso do Sul.

A vida imita a arte por vezes de maneira dolorosa, mas é na dor, também, que se apreende a vida, novelo que não permite observar de fora enquanto é desenrolado.

É assim que séculos depois das primeiras manifestações da arte barroca surgirem na Europa e atravessarem as fronteiras do mundo, o mesmo jogo de luz e sombra apareceu no fim da tarde de sábado (25) em Campo Grande.

A imagem fala por si e é quase um exagero, uma redundância, escrever esse texto. Mas corro o risco porque a vida que se torna arte congela o momento e talvez, talvez até muito depois, nos permita compreender um pouco mais (embora, é provável, nunca perdoar) quem decide a linha tênue entre quem vive e quem morre.

Luz e sombra. O sol vai caindo. É a noite que chega. Metade de uma, metade da outra, no rosto de Lucas. É a noite que vai caindo também na vida dele: dá para prever que, com crime confesso, perderá oportunidade ver a luz em boa parte do dia dentro de uma cela, a consequência definida para quem transforma luz em sombra, vida em morte.

Dois rostos, provavelmente dos policiais, projetam-se atrás dele, maiores do que o corpo do autor do crime, encostado em uma parede. Camiseta vermelha. Penso: que estranha coincidência levou Lucas a escolher esta cor, símbolo do sangue, das paixões, da violência?

Lucas sustentou sua força contra o corpo de uma jovem de 21 anos para matá-la, mas preso, não conseguiu sustentar o peso do olhar. Com os dois olhos voltados para baixo, não é possível mais ver a luz.

O fim de tarde nas lentes do fotógrafo Henrique Kawaminami simbolizam este momento que talvez jogue um pouco de luz para a família e todo aquele que foi jogado na escuridão quando Maria Graziele também foi, ela mesma, jogada.

Desaparecida desde o dia 14, foi o paradoxo da busca pela sombra que pode iniciar o desfecho que ocorreu neste sábado. Foi um motorista que ficou sem combustível, e que, ao buscar a sombra das arvores às margens da BR-262, encontrou o corpo já sem vida de Maria Graziele.

A vida é crua e por vezes cruel, mas parece ser neste paradoxo que ela vai se fazendo. Ao menos para a arte barroca. Como na imagem deste sábado onde a trajetória de apenas 21 anos de Maria tomou forma por um jogo de luz e sombra.

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