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Comportamento

Após erguer barraco sozinha, hoje Maria batalha vendendo de tudo

Casa de Maria, no Bairro Tiradentes, é onde vários produtos são vendidos para complementar a renda

Cassia Modena | 06/07/2023 07:12
Maria em frente à casa onde vende tudo quanto é coisa, no Bairro Tiradentes (Foto: Paulo Francis)
Maria em frente à casa onde vende tudo quanto é coisa, no Bairro Tiradentes (Foto: Paulo Francis)

O corpo magro e pequeno não espelha o tamanho da disposição que a dona Maria de Lourdes Vieira da Silva tem para viver aos 83 anos. Com uma inteligência nata para criar e negociar, ela inventa os caminhos da sobrevivência vendendo de tudo um pouco.

Cachorro-quente, geladinho, ovos e alho por unidade, roupas usadas, tapetes, capas de almofada e mudas de plantas estão à venda na casa dela. A maioria dos produtos é anunciada em placas improvisadas pregadas no muro da residência humilde, localizada no Bairro Tiradentes, em Campo Grande.

Filha de indígena nascida na Aldeia Bananal, em Aquidauana, e de um não indígena, Maria herdou dos pais o jeito com plantas por ter morado com eles na roça. Estudou somente até a 2ª série do Ensino Fundamental.

Em meio às plantas que ela vende e gosta de cuidar (Foto: Paulo Francis)
Em meio às plantas que ela vende e gosta de cuidar (Foto: Paulo Francis)
Quando Maria sorri, revela os traços indígenas (Foto: Paulo Francis)
Quando Maria sorri, revela os traços indígenas (Foto: Paulo Francis)

Mora em Campo Grande desde os 16 anos, para onde mudou-se com o marido. A partir daí, foi adquirindo as habilidades com negócios informais para ajudar a pagar as contas de casa e criar 10 filhos, incluindo um sobrinho e um adotivo.

Maria não teve escolha, precisou ser criativa para ganhar um dinheiro em meio à pobreza. Na época em que os filhos eram menores, fazia salgados e doces para vender a operários de obras. Nunca teve residência fixa e sempre viveu em moradias improvisadas.

Recomeçar - A descendente de indígena morou em barraco que ela mesma construiu e já ergueu um ponto de ônibus sozinha na Capital, provando sua força. Por essas duas façanhas foi destaque nesta outra matéria, aos 78 anos.

Mudou-se depois para o Bairro Jardim Noroeste, mas ficou pouco tempo no novo endereço. Teve que sair da região após ter ferramentas de trabalho e produtos furtados.

"Estou começando de novo", anuncia a dona Maria. A casa do Bairro Tiradentes, cedida por um dos genros, é a materialização do recomeço de quem nunca morou tão bem e precisava de um local melhor para "vender as coisinhas", como ela diz.

O varal da nova residência é o cabideiro do brechó. O fogão para fazer o molho do cachorro-quente fica na varanda, perto das plantas cultivadas em latas de tinta e recipientes de alimentos. Ficam na sala as linhas e retalhos de tecido para os tapetes e capas de almofada. É desse lugar que ela só sai para ir à igreja ou ao supermercado.

Outro símbolo do recomeço é o carrinho de cachorro-quente que comprou há pouco tempo de uma vizinha, por R$ 150. Faltam adaptações para usar, mas ela já deixa em frente de casa para anunciar o produto.


A varanda, onde estão a maioria das coisas (Foto: Paulo Francis)
A varanda, onde estão a maioria das coisas (Foto: Paulo Francis)
O geladinho, vendido a R$ 0,50 (Foto: Paulo Francis)
O geladinho, vendido a R$ 0,50 (Foto: Paulo Francis)

Ainda falta - Embora sempre faça o máximo para nada faltar, a idosa tem geladeira e armários vazios. Além disso, está sem TV para fazer companhia. Sobrou apenas um rádio que é relíquia, mas ainda funciona.

A calçada da residência também precisa de reparo e de um piso antiderrapante. Sem isso, Maria sofreu uma queda na frente de casa recentemente. "Escorreguei aqui no chão, tive que engessar o braço e não pude trabalhar", conta, mostrando o membro ainda inchado.

À direita da idosa, a TV e radinho que ficam na sala (Foto: Paulo Francis)
À direita da idosa, a TV e radinho que ficam na sala (Foto: Paulo Francis)
A faixa e o braço ainda inchado (Foto: Paulo Francis)
A faixa e o braço ainda inchado (Foto: Paulo Francis)

Enquanto o comércio ficou parado, ela contou com a ajuda financeira dos filhos e do benefício social que recebe mensalmente. Só não deu para impedi-la de voltar trabalhar. A filha que mora mais perto, Eliane Vieira, explica o motivo. "Se tirar isso dela, ela adoece".

Além disso, Maria de Lourdes precisa terminar de pagar o carrinho de cachorro-quente que comprou. Ela deve R$ 50 para a vizinha.

Desde que começou a trabalhar, ela não viu o salário mínimo dar para comprar e pagar tudo o que é necessário. "Quando que um salário dá?", pergunta. É por isso que ela não tem data nem hora para parar de trabalhar. "Vai ser até quando Deus quiser", resolve.

O marido faleceu há bastante tempo. Ela não tem mais ideia de quantos anos mora sozinha. O que a salva de se sentir sozinha são a visita dos filhos, netos, bisnetos e até tataranetos.

Só o que essa Maria quer e sabe fazer hoje, é vender. Interessados em comprar seus produtos podem encontrá-la na Rua Gualdino Pataxós, 1.417, no Bairro Tiradentes ou fazer encomendas em contato com a filha Elaine, enviando mensagem para (67) 99312-3535.

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