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Comportamento

Em 40 segundos, vendedor de balas oferece trechos de rap e aceita PIX

‘Sozinho’ em Campo Grande, ex-militar acredita na honestidade das pessoas para pagar contas

Cleber Gellio | 04/03/2022 06:25
Raylthon Fagner da Silva Ormond, 23 anos, que há cinco meses faz, literalmente, um corre pesado entre os carros para ganhar a vida. (Foto: Marcos Maluf)
Raylthon Fagner da Silva Ormond, 23 anos, que há cinco meses faz, literalmente, um corre pesado entre os carros para ganhar a vida. (Foto: Marcos Maluf)

Bem no quintal ‘maior do que o mundo’ de Manoel de Barros, onde está instalada a estátua do poeta, no cruzamento da Avenida Afonso Pena com a Rui Barbosa, em Campo Grande, a poesia que ecoa atualmente, não repousa em ‘sombra boa’, muito pelo contrário, os versos chegam ligeiros das mãos de vendedor de balas sob sol escaldante da Capital.

Ao lado do monumento que homenageia o autor, o único descanso embaixo da frondosa figueira é o da bicicleta, que aguarda o retorno de seu dono, Raylthon Fagner da Silva Ormond, 23 anos, que há cinco meses faz, literalmente, um corre pesado entre os carros para ganhar a vida.

Para facilitar, Ormond anexa às embalagens etiquetas, feitas à mão, contendo seu número de cadastro para recebimento via Pix.
Para facilitar, Ormond anexa às embalagens etiquetas, feitas à mão, contendo seu número de cadastro para recebimento via Pix.

Os saquinhos plásticos, contendo 8 balinhas de amendoim ao valor de R$ 2,00, são depositados sobre os retrovisores dos veículos e recolhidos antes que o sinal abra, o que nem sempre ocorre. São exatos 42 segundos o tempo de duração de toda a ação e, “às vezes, não dá tempo de recolher tudo e algum acaba ficando para trás”, disse o vendedor que, mesmo assim, deixa a pessoa levar o produto.

Para receber posteriormente, o que teoricamente vende fiado, ele aposta na honestidade de quem leva. Para facilitar, Ormond anexa às embalagens etiquetas, feitas à mão, contendo seu número de cadastro para recebimento via Pix. Segundo ele, a ideia que surgiu em conversa com um amigo já lhe rendeu até R$ 100,00 em uma única transferência que seria de apenas R$2,00. “Se não quiser pagar, também não tem problema, pelo menos, leva uma mensagem. Vai da conduta e do coração de cada pessoa.”

Mensagem essa que, em vez de escritos religiosos ou frases clichês de motivação, surge em forma de rap, por meio de trechos de letras que retratam um país cada vez mais inerte ao sentimento alheio. Aos desprezíveis, que acreditam que o ato de fechar o vidro do carro na ‘cara’ de um trabalhador é contribuir para que ele aprenda a ‘pescar o peixe’, o recado no papel é direto. “Está vendo aquelas pegadas de barro no tapete vermelho? São minhas!”, de autoria do rapper Emicida. Além dele, Racionais MCs e Djonga também fazem parte do rol de artistas citados pelo vendedor. “Falam o que a gente vive na realidade e foram eles que me ajudaram nos momentos mais difíceis quando eu estava para baixo”, relata.

De Corumbá, Raylthon veio para Campo Grande no ano passado, com apenas R$ 20,00 no bolso e apoio de alguns conhecidos. (Foto: Marcos Maluf)
De Corumbá, Raylthon veio para Campo Grande no ano passado, com apenas R$ 20,00 no bolso e apoio de alguns conhecidos. (Foto: Marcos Maluf)

Assim como os personagens descritos por Racionais MC's, na faixa ‘Capítulo 4, Versículo 3’, do antológico álbum Sobrevivendo no Inferno (1997), “O mano que entrega envelope o dia inteiro no sol... ou o que vende chocolate de farol em farol”, o ambulante distribui, além da guloseima, seu ‘corre’ e estilo de vida.

“Eu trabalhava com uma remuneração mensal e tinha que cumprir toda uma meta para ganhar pouco mais de um salário, vendendo planos de TV por assinatura. Muitos que me veem aqui no semáforo não sabem o que eu passei e o porquê estou aqui. Posso garantir que estou bem e ganho mais do que eu ganhava, além de ser um aprendizado para a vida.”

De Corumbá, Raylthon veio para Campo Grande no ano passado, com apenas R$ 20,00 no bolso e apoio de alguns conhecidos. Por causa de desavenças na família, o ex-militar decidiu se mudar para Campo Grande e ‘colocar as coisas em ordem’. “Eu tinha R$ 100,00 quando decidi vir para cá, paguei R$ 80,00 pela passagem e fiquei com o restante para seguir a vida.”

Com o que ganha no semáforo, ele separa R$ 500,00 que vão para o aluguel e o restante são para alimentação e outros custos, como crédito para telefone. O vendedor conta que para levar este ritmo de vida, a pessoa tem que ter disciplina, “pois todo dia entra uma grana e se não se programar, acaba se complicando”. Mesmo afirmando estar bem com a vida que leva, ele sabe que é desgastante e planeja futuro mais estável.

“Sei que isso aqui não é para sempre, por isso, pretendo fazer alguma curso e alcançar um trabalho que me dê mais tranquilidade. Não quero ficar a vida toda assim, acredito que ficarei até encontrar um trabalho legal. Ainda quero fazer um curso técnico e até uma faculdade.”

Para receber posteriormente o que teoricamente vende fiado, ele aposta na honestidade de quem leva. (Foto: Marcos Maluf)
Para receber posteriormente o que teoricamente vende fiado, ele aposta na honestidade de quem leva. (Foto: Marcos Maluf)

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