Enquanto o mundo aposta no digital, há quem não desista do microfone
Sem computadores ou celular, trabalhadores seguem firmes na missão de atrair clientes nas ruas com microfone
Microfone na mão e uma caixa de som potente. Esses são os acessórios de trabalho de profissionais que não se renderam ao marketing digital e mantêm o estilo conservador de atrair a clientela. Sem computadores ou telas de celular, locutores que trabalham nas portas de lojas são artistas da voz e mestres do convencimento ‘tête-à-tête’.
Nos tempos áureos do comércio no Centro, a disputa entre os profissionais era intensa e não faltava trabalho. Na calçada, ‘felizardo’ era aquele que conseguia fisgar atenção dos clientes distraídos que passavam.
Foi nessa época que André Delgado Costa, de 38 anos, chegou a Campo Grande. Ele trabalhou cinco anos em uma rádio do interior de Mato Grosso, onde morava, mas não teve a mesma oportunidade na Capital. Para não ficar desempregado, precisou se reinventar.
“Não tive êxito para trabalhar na rádio e fui me aventurar fazendo locução em porta de loja. Hoje meu sustento vem disso”, comenta.
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Hoje, André é um dos poucos que resistem à invasão das mídias digitais no setor da propaganda. Inclusive, no Centro de Campo Grande já se tornou figura conhecida, principalmente pelas fantasias de Chaves e Chapolin Colorado que usa aos finais de semana. A estratégia visual é usada para atrair clientes até uma loja de roupas da Rua Dom Aquino, onde trabalha de segunda a sexta-feira.
E para quem acha que a locução de comércio é simples, André revela que existe técnica envolvida. “É muito mais que um convite, é preciso ter simpatia e analisar o contexto. Eu observo a roupa, expressões e tudo isso vira informação para a abordagem. Se vejo um casal, por exemplo, ofereço uma opção para que eles se presenteiem. Se é final de semana, mostro alternativa de roupa de balada”, explica.
Com movimento fraco no Centro e alcance de outros meios de publicidade, André lamenta a “decadência” da profissão. “Com a mídia social, os locutores de loja estão acabando, eu ainda estou aqui por resiliência. Trabalho há 15 anos nessa área e um pouco antes da pandemia as coisas já não iam muito bem, agora, está decadente”, finaliza.
Patrão de André, o empresário Pedro Araújo ainda vê benefícios em manter a publicidade à moda antiga, no entanto, tem uma avaliação pouco animadora sobre o futuro. “É uma forma de distrair e interagir com o cliente de maneira humanizada, mas hoje pouquíssimas empresas fazem esse tipo de divulgação. Eu pretendo manter a locução, mas para a próxima geração acho que vai acabar”, observa.
Para tentar se enquadrar no marketing digital, o lojista aposta na divulgação de promoções no Instagram e participações em programas de televisão. “Nossos clientes são de uma classe mais humilde e por enquanto isso tem sido suficiente”, conta.
O cenário pouco otimista, descrito por André e o patrão, se confirma nos números da economia. Em 2024, Mato Grosso do Sul teve crescimento de 266% nas compras pela internet, com movimentação de R$ 1,1 bilhão. Com compradores cada vez mais ‘onlines’, propagandas também passaram a migrar ‘com força’ para o mesmo meio.
Mas ainda há quem resista! Entre eles, o locutor Antônio Pereira, de 64 anos, a voz de uma loja de capas para celular no Centro. “Sempre me disseram que eu tinha uma voz bacana e decidi investir nisso. Graças a Deus, as coisas deram certo”, afirma.
Em anos de profissão, ele conta que já trabalhou em lojas de roupas, móveis, calçados e até em empresas famosas, como Casas Bahia, Marisa e Magazine Luíza. Hoje, lembra com saudade do tempo em que as coisas eram melhores e trabalha duro para seguir tirando o sustento do trabalho com a voz.
“Por enquanto ainda dá para se manter, mas as coisas não têm sido fáceis. Sigo anunciando minhas promoções, chamando atenção dos clientes e o futuro a Deus pertence”, pontua.
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