Para dar apoio que não teve, Ceurecy luta para construir abrigo
Instituição criada por ela já ajudou mais de 17 mil mulheres e, agora, sonho é ampliar o acesso à ajuda
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Em quase duas décadas de terror ao lado do ex-marido, Ceurecy Fátima Ramos, de 52 anos, não encontrou o acolhimento que precisava para romper o ciclo de violência, nem mesmo em Campo Grande, para onde fugiu com os três filhos para tentar escapar do agressor. Apaixonada, casou-se cedo, aos 20 anos, mas 5 anos depois viu o sonho da união virar um pesadelo.
"Primeiro começaram as violências psicológicas, depois os surtos de ciúmes e com o tempo as agressões físicas que só aumentavam", conta.
Com o nascimento dos três filhos, a violência também passou para as crianças, que ficavam encurralados entre o medo e os ataques gratuitos e repentinos do pai. "Ele dava chutes, batia com facão, ameaçava. As crianças ficavam apavoradas", lembra.
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Em 2000, Ceurecy saiu do interior do Paraná e veio para Campo Grande com os filhos pequenos, alternativa que encontrou para fugir da violência. "Eu não tinha mais condições de viver naquela situação, mas não deu certo e ele conseguiu me encontrar. Depois disso, as coisas foram ainda piores", detalha.
Já em Campo Grande, ela conta que decidiu procurar a polícia, mas não teve o suporte que imaginava. "Não tive acolhimento nenhum, muito menos meus filhos. Eu não tinha família nem ninguém por aqui. Foi uma fase muito difícil e enfrentei tudo sozinha, na cara e na coragem até conseguir me livrar daquela relação", completa
Desde então, Ceurecy ajuda outras mulheres que passam pela mesma situação. "Passei a abrigar mulheres na minha casa, vinham até de outros estados e a gente se virava como podia", relata.
Em agosto de 2013, ela conseguiu registrar a Aciesp (Instituto de Apoio, Capacitação e Instrução de Economia Solidária do Povo), projeto que já atendeu mais de 17 mil mulheres em situação de vulnerabilidade e violência doméstica. Com sede no Bairro Aero Rancho, a organização oferece abrigo, atendimento jurídico, psicológico e de assistência social.
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Agora, a luta da voluntária é para adequar a casa de apoio às normas exigidas pelo governo para captação de verba do setor público. "Hoje vai tudo do meu bolso. Há cinco meses alugamos uma casa aqui em Campo Grande para essas mulheres ficarem. O convênio seria uma ajuda importante, mas com ou sem isso, vamos continuar trabalhando", explica.
Diferente da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande, o tempo de permanência no abrigo fundado por Ceraucy é estendido por até um ano. Nesse período, mulheres atendidas aprendem uma profissão e são acompanhadas por equipe multidisciplinar.
"Na Casa da Mulher Brasileira a permanência é só até sair a medida protetiva, depois tem que sair. Quando se fala sobre violência contra a mulher sempre vemos passeatas, bandeiras e campanhas em camisetas, mas é preciso aperfeiçoar o atendimento com ações concretas. Oferecer abrigo, ensinar uma profissão, dar emprego para essa mulher. Também é fundamental o trabalho com os homens, porque se não existisse homem abusador, não precisaríamos de abrigo", finaliza.
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Thiago Mishima, coordenador do Instituto de Apoio, lembra que toda documentação necessária para efetivação da casa abrigo já está sendo analisada.
"Precisamos dos alvarás e isso está em análise, mas a expectativa é que seja finalizado o mais rápido possível. É uma casa para 19 mulheres, que serão encaminhas por outros órgãos de proteção e que também poderemos receber caso nos procurem. No espaço, essa mulher vai passar por uma recuperação emocional, social e sair pronta para recomeçar a vida", pontua.
Segundo ele, nos planos ainda está a criação de uma outra unidade abrigo, com capacidade para atender 50 mulheres em Campo Grande. "Hoje existe uma alta demanda e em Mato Grosso do Sul existe apenas uma casa de apoio às mulheres vítimas de violência", explica.
O projeto da casa já existe, foi desenvolvido pelo arquiteto Celso Costa Filho, que elaborou a posposta de imóvel a partir do modelo de construção sustentável, que utiliza contêineres. "É muito mais versátil e resistente, além de reduzir em 30% o custo e tempo de obra", conta.