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Reportagens Especiais

Filha de catador teve a ideia e família foi da reciclagem à indústria do ferro

Da coleta de papelão surgiu a proposta de investir em maquinários e atuar na transformação

Por Cassia Modena | 29/12/2025 06:49
Filha de catador teve a ideia e família foi da reciclagem à indústria do ferro
Da esquerda para a direita: Flávio Coin, Vanessa Coin e o pai Wagner Coelho à frente de produtos feitos na indústria da família (Foto: Acervo pessoal)

A sucata é fonte de renda para a família de Vanessa Coin desde que o pai, Wagner Coelho, e o avô catavam papelão e latão em São Paulo (SP). Ele mudou-se para Campo Grande em 1974, onde seguiu trabalhando na atividade com um caminhãozinho, casou-se e ensinou os filhos que a reciclagem é ao mesmo tempo uma missão social e uma área com oportunidade de ganhar dinheiro.

RESUMO

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A família Coin transformou a coleta de materiais recicláveis em um próspero negócio em Campo Grande (MS). O que começou com Wagner Coelho e seu pai catando papelão e latão em São Paulo, hoje é a indústria Aço e Aço, especializada em reciclagem de ferro, com 120 funcionários. Sob a direção de Vanessa Coin e seu irmão Flávio, a empresa processa sucata ferrosa transformando-a em vergalhões, arames e pregos. O empreendimento familiar demonstra o potencial do setor de reciclagem no Brasil, país que atualmente recicla apenas 4% de seus resíduos sólidos.

O ramo escolhido ainda hoje tem muito o que crescer, até porque o Brasil recicla só 4% do lixo produzido, conforme levantamento da Abrema (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente) feito com dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento) de 2023. O índice é baixo inclusive comparado a países do mesmo patamar de desenvolvimento.

Na Capital, o trabalho de Wagner começou com o recolhimento de papelão em ruas como a 14 de Julho, e agregou alumínio, cobre e plástico. Foi necessário contratar um funcionário e colocar Vanessa e o irmão Flávio Coin para trabalharem com ele, enquanto a esposa empreendia com uma lavanderia e no artesanato. Assim que pôde, a família alugou um terreno, mandou fazer uma cobertura e o transformou em depósito para armazenar os materiais recicláveis.

A sucata era prensada e enviada para São Paulo (SP) na época, porque quase não havia locais que assumissem o processamento e transformação dos materiais em algo novo na nova cidade. Era preciso gastar bastante com logística, com o material sendo transportado no mesmo caminhão do catador ou em veículos fretados.

Num período de adaptação e dificuldade, Wagner chegou a deixar a reciclagem de lado e a trabalhar reformando tratores, além de ser funcionário de uma loja que vende autopeças. Mas logo voltou para o negócio que entendia bem e que iria transformar a vida da família anos depois.

Do pequeno ao grande

"A gente veio de uma família humilde que a partir da sucata construiu toda a sua história", resume Vanessa. O que começou a partir do lixo de São Paulo, virou a indústria Aço e Aço em Campo Grande, da qual hoje ela é a diretora e a chefe de cerca de 120 funcionários, ao lado de Flávio, irmão mais novo.

Filha de catador teve a ideia e família foi da reciclagem à indústria do ferro
Funcionários mexem com vergalhões de ferro que já foram sucata (Foto: Marcos Maluf)

Em 2007, foi ela quem decidiu trabalhar somente com o ferro, vendo nele um material com várias possibilidades no mercado do reaproveitamento. A matéria-prima vem de leilões de veículos sem condições de rodar nas ruas e da compra em centros de reciclagem que recolhem desde bicicletas até geladeiras em estado de sucata. "A gente revaloriza todo esse material", entende a empresária.

Na Aço e Aço é feita a descontaminação, a separação de baterias e amortecedores, por exemplo, e o prensamento. Tudo vira vergalhão, arame, prego, treliça e coluna de marca própria que podem ser usados na construção de casas e prédios e na produção de móveis. A logística para a capital mais populosa do país continua sendo necessária para a fundição do ferro, mas ainda assim o negócio é vantajoso.

Vanessa está com 50 anos e o irmão tem 47. Wagner chegou aos 72 e vai à empresa sempre que pode, embora tenha se aposentado. Já a mãe, morreu e virou a maior saudade da família.

Filha de catador teve a ideia e família foi da reciclagem à indústria do ferro
Vanessa falando sobre tudo o que a indústria fundada em 2007 faz atualmente (Foto: Marcos Maluf)

Administradora de formação, a empresária diz que aprendeu a respeitar cada pessoa que faz parte da cadeia de reciclagem, desde quem cata materiais empurrando um carrinho até leiloeiros e donos de grandes empresas.

Respeitamos desde a pessoa que traz 1 kg de latinha, 1 kg de ferro para nós, até as pessoas envolvidas num leilão de um órgão público. Foi o legado que meu pai e meu avô deixaram para nós", afirma.

Ela acredita que esse respeito é o que abre portas numa cadeia tão colaborativa quanto a reciclagem.

Nosso ramo é como uma engrenagem em que todo mundo acaba ganhando. Temos que nos ajudar. O que um não faz, o outro faz. O propósito todo é não deixar isso ficar como lixo, é transformar, é devolver", continua Vanessa.

Filha de catador teve a ideia e família foi da reciclagem à indústria do ferro
Por trás da "montanha" de sucata na área externa da Aço e Aço, a BR-163 (Foto: Marcos Maluf)

A paixão pelo processo industrial também impulsionou o negócio familiar, complementa Flávio. "Com ela fomos tocando a empresa para cada dia ser uma referência em Mato Grosso do Sul", conclui.

Mulher na reciclagem

Nos tempos em que trabalhou com o pai, Vanessa já via que o mercado da reciclagem era predominantemente masculino. Observava uma maioria de catadores homens realizando um trabalho braçal, debaixo do sol, e pouquíssimas mulheres envolvidas na coleta ou na compra e venda.

Essa realidade foi mudando com o tempo e, hoje, ela testemunha muitas famílias trabalhando juntas em cooperativas de reciclagem, misturando homens e mulheres.

A administradora também aprendeu a ter pulso e voz firmes para que ser mulher não fosse interpretado como saber menos sobre reciclagem ou virasse pretexto para ser passada para trás. "Meu pai sempre me deu muita autonomia, foi um processo muito tranquilo para que eu sempre negociasse diretamente com nossos fornecedores e os clientes. Ele me deu essa base", fala sobre de onde vêm sua segurança.

Filha de catador teve a ideia e família foi da reciclagem à indústria do ferro
Vanessa e o pai Wagner, com quem aprendeu tudo sobre reciclagem (Foto: Acervo pessoal)

Estável

A reciclagem não é um segmento que viveu crises históricas, na visão da empresária. São altos e baixos, mas com pouco impacto para quem trabalha com isso e uma certa estabilidade na maior parte do tempo.

Os anos de pandemia de covid-19 foram mais difíceis que o habitual porque havia menor produção de sucata. As pessoas e empresas consumiam menos. "Foi uma crise de produto. Tinha menos matéria-prima para comprar e para vender", lembra.

Com as políticas de resíduos sólidos sendo colocadas em prática e a conscientização das pessoas, o futuro da indústria é promissor, para Vanessa. O plano nos próximos anos é investir mais em maquinário para a transformação dos materiais e se integrar à cadeia com ainda mais força.

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