Irmãs de Aquidauana vencem Miss Trans MS em anos seguidos

No palco onde diversidade foi palavra de ordem, o brilho de duas coroas se cruzou, ligando gerações que compartilham uma história de luta, coragem e também o mesmo DNA. Na noite de sábado, o concurso Miss Transex Mato Grosso do Sul foi especial, mas, para duas irmãs trans, teve uma dose de emoção a mais.

Eleita Miss em 2024, Mirella Santos, de 31 anos, passou o título para a irmã mais nova, Nalanda Cabreira, de 22, coroada da noite e a mais nova nova representante da beleza travesti do Estado. As duas, nascidas em Aquidauana, agora compartilham o mesmo título e o mesmo legado de representatividade.

“Foi algo muito emocionante. Desde o começo eu falei que se ela ganhasse seria uma alegria muito grande passar a coroa pra ela. Ver ela ganhar foi como uma continuação do que eu comecei”, conta, cheia de orgulho da irmã caçula.

Nalanda, que cresceu inspirada pela trajetória de Mirella, lembra que a irmã foi uma incentivadora. “Ela é uma das minhas maiores inspirações para ser quem eu sou. Para mim, não foi só um sonho meu, foi nosso. Ela começou lá atrás, me incentivou e é algo que construímos juntas”, avalia.

Trajetórias que se cruzam

As histórias de Mirella e Nalanda têm pontos em comum. Ambas nasceram e cresceram em uma cidade pequena, enfrentaram o conservadorismo e encontraram nas artes, na estética e na luta por visibilidade os caminhos para a autoafirmação. Mas a caminhada teve suas singularidades.

Mirella foi a pioneira. Aos 12 anos, reuniu coragem para contar à família que era uma menina trans. “Meu maior medo era meu pai, mas ele foi quem me acolheu primeiro.  Minha mãe foi entendendo com o tempo”, lembra.

Segundo ela, foi o irmão mais velho, Éder, quem a incentivou a ter a conversa com os pais. “Ele falou pra que eu falasse com eles porque seria melhor do que deixarem saber pela boca dos outros", detalha.

Logo depois, Mirella passou a viver integralmente como mulher trans. Com o passar dos anos, ela conta que enfrentou preconceitos, passou pela prostituição e viveu quatro anos casada no Sul do Brasil. Após a separação, e um período de depressão, voltou para Mato Grosso do Sul decidida a se reencontrar. “Eu participei do concurso para me reencontrar. Depois de tudo o que passei, era a forma de lembrar quem eu era”, relata.

Já Nalanda se descobriu aos poucos. Começou na arte drag queen, incentivada pela irmã e por projetos culturais que participou. “Eu me envolvi com teatro, dança, projetos indígenas. Era um lado artístico muito forte”, lembra.

No início, ela fazia vídeos de maquiagem e com o tempo decidiu se produzir por completo como menina. E foi Mirella quem a batizou de Nalanda. “Ela olhou pra mim em uma produção e disse que eu seria Nalanda. E ficou", relembra.

Com o tempo, a maquiagem virou expressão, a drag entrou em conflito com sua real identidade e Nalanda entendeu que era muito mais que um personagem.

 “Eu fui me aceitando até o dia que tirei todas as roupas masculinas do armário. Hoje eu consigo me ver de verdade. Me aceitar me curou da depressão e da ansiedade forte que eu tinha”, conta.

Miss com orgulho e missão

A coroação de Nalanda marca não só a vitória pessoal de uma jovem mulher trans, mas também um marco para Aquidauana, que pelo segundo ano consecutivo viu uma filha da terra brilhar no concurso estadual. “Mais um ano foi uma vitória da minha cidade e por nais um ano a coroa está na nossa família. É um legado que continua", celebra.

Além do título, Nalanda vê no posto a chance de representar e inspirar outras meninas. “Quero ser uma voz para as minorias. Tem muita gente no interior que se esconde, que tem medo. Mas quando vê alguém que saiu dali e conquistou, sente que também pode”, afirma.

Com mais bagagem e experiência de vida, Mirella reconhece a força da irmã, mas também faz questão de protegê-la. “Eu não quero que ela passasse pelo que eu passei. Eu aprendi a me moldar na rua, na beira de uma esquina. Hoje, graças a Deus os tempos são outros e ela não tem que viver essa vida que é a realidade da maioria das trans de gerações antes da dela", pontua.

Inspiração e Visibilidade- No palco, o gesto de passar a coroa foi a prova de que amor, apoio e representatividade são heranças que não se perdem. “É muito importante ter e ser inspiração porque isso dá visibilidade às nossas histórias. Mostra que a gente existe”, conclui Nalanda.

Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial, Facebook e Twitter. Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui).

Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para entrar na lista VIP do Campo Grande News.