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Comportamento

Rolezinho é invenção de Campo Grande, de dias em que o ônibus era de graça

Ângela Kempfer | 15/01/2014 06:31
Um dos rolezinhos na semana do Natal, em São Paulo. (Foto: Terra)
Um dos rolezinhos na semana do Natal, em São Paulo. (Foto: Terra)

Essa história de gente pobre ir para shopping center e revoltar os ricos da cidade não é novidade para quem vive há anos em Campo Grande. Na verdade, é invenção nossa, dos tempos de “Passe-Livre” aos domingos, gratuidade que durou 8 anos, uma vez por mês.

Independente do motivo que deu origem ao projeto implantado pela prefeitura em 97, válido durante as duas administrações do ex-prefeito André Puccinelli, na prática foi algo socialmente revelador. Era dia do “povão” sair dos bairros mais afastados e ir dar o tal “rolezinho” no Shopping Campo Grande, o único da cidade até então.

Não havia crimes dentro do centro de compras, mas a presença do "povão" já assustava, também porque alguns abusavam. “Quem trabalhou no shopping nunca se esquecerá disso”, sentencia a publicitária Carol Boaretto. “Eu me recordo de situações como estar na loja e olhar para fora e ver a galera correndo... alguns passavam por dentro das docas e chutavam as portas. Não era todo domingo de ônibus free que isso acontecia. Não eram todos que faziam isso”.

Para evitar tumulto, a segurança era redobrada, lembra a ex-vendedora. “Nunca precisei fechar as portas da loja por conta do movimento no domingo, mas era notável mais seguranças nos lugares de maior movimento, como lá fora, na Praça de Alimentação.”

Foi perguntar no Facebook quem se lembrava do “Passe-Livre“ e em menos de 2 horas já eram mais de 260 comentários, a maioria no mesmo tom dos depoimentos de pessoas que hoje dão de cara com a periferia em shoppings de São Paulo.

“Pura bucha, só dava ‘peba’, a violência tinha aumentado por causa disso”, comenta Kamylla Fernandes na página do Campo Grande News no Facebook.

Era essa maioria inesperada que impunha medo e incomodava. Em dias de Passe-Livre, quem aparecia para fazer compras, comer ou ir ao cinema, tinha de ficar na fila do quiosque da casquinha do McDonald's esperando famílias inteiras comprarem o sorvete.

"A gente era pobre. Então lembro que a minha tia pegava eu, minha irmã e meus dois primos para ir do Parati até o shopping só para tomar sorvete. A gente adorava, mas na volta era uma multidão dentro do ônibus, uma loucura", conta Luciana Custódio.

Ester Aquino tinha outro destino, seguia até o Noroeste, para visitar os parentes. “Eu, meus filhos e marido tínhamos carro, mais para economiza íamos de ônibus”. ClaudioZarateSanavria também tirava a data para conversar longe de casa. “Eram dias de ônibus ‘desgraça’...mas eu era tão quebrado que só podia visitar meu pai nestes dias.”

A recordação não é das melhores para a maioria. “Lembro que as famílias deixavam de sair de casa com medo dos vandalismos que aproveitava a situação de graça para aprontar ..... graças a Deus não tem mais”, diz Gil Miranda.

Além de muita gente nas ruas (sem exagero), a Polícia Militar também estava lá. Quando anoitecia, era comum se deparar com a garotada passando por revista dos PMs, principalmente na região do Horto Florestal, onde havia show de graça. Também sobrava denúncia de violência policial.

Tinha gente que nem saia mais de casa, só para evitar o contato. "Não dava para enfrentar tanta gente estranha.  No shopping, por exemplo, as lojas nem ficavam cheias, porque ninguém ia para comprar, mas os corredores e a praça da alimentação tinha muita aglomeração. Depois, a gente ouvia que tinha roubos, apesar de nunca ver nada. Acho que foi a pressão dos comerciantes que terminou com o passe", avalia Roseana Carceres.

Depois de muita reclamação, em 2005 o Passe Livre acabou, para felicidade de quem hoje quer ir ao shopping sem ter de dividir espaço com a periferia em massa.

Para sociólogos que vem analisando a “invasão” da gurizada em shoppings de São Paulo, o que leva tanta gente para esses locais quando há oportunidade é o posto que eles ocupam no mercado de consumo. Uma das avaliações que parece resumir melhor a situação é do sociólogo Rudá Ricci. “É onde está tudo, a TV de plasma, o celular, cinema, comida legal, gente bem vestida. Todo mundo quer estar lá. O que eles querem dizer é por que não tenho direito de estar aí? No fundo não temos nenhuma diferença. Sou consumidor, você também”. Outros acham que tanta polêmica existe por que alguns brasileiros se consideram mais cidadãos que os outros.

Em tempo - Para quem está por fora do assunto, a garotada da periferia tem organizado pela internet passeios por shoppings paulistas e já fez locais granfinos, como o Shopping JK, entrar na Justiça com pedido de liminar para impedir o acesso do povão. Agora, os movimentos sociais organizam protestos contra a discriminação, em diferentes capitais brasileiras, inclusive, em Campo Grande.

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