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Comportamento

Rotunda vira igreja sem paredes para levar amor e fé a quem estiver passando

Paula Maciulevicius | 27/03/2017 06:25
Evandro, o cara tatuado, de short e All Star, que fala de Deus sem religião. (Foto: Marcos Ermínio)
Evandro, o cara tatuado, de short e All Star, que fala de Deus sem religião. (Foto: Marcos Ermínio)

Dezenove pessoas debaixo de um telhado de onde dá para ver o céu e sentir os respingos da chuva. Da Rotunda, que no passado fora oficina ferroviária, pouco sobrou de estrutura, mas foi justamente neste ar urbano que nasceu uma igreja sem paredes nem denominação.

Dois violões dão o tom para a cantoria. À frente, um cara barbudo, tatuado, de short e All Star puxa a fala, cita a Bíblia e conta história como se estivesse entre amigos, na mesa de bar. O Lado B foi até o "Culto da Ferrovia", entender o que era e quem ia, faça chuva ou faça sol.

"Tem dia que sou eu e o Evandro e o Silvio e quem estiver disposto a participar é muito bem vindo. A gente acredita que Deus traz as pessoas aqui", comenta a arquiteta Laisa Rezende Benites de Castro, de 24 anos. Ela é umas das participantes que na bagagem tem um trabalho missionário vivenciado Brasil afora.

Laisa, uma das participantes que fala que ali todos são bem vindos. (Foto: Marcos Ermínio)
Laisa, uma das participantes que fala que ali todos são bem vindos. (Foto: Marcos Ermínio)

A escolha do ponto é o que chama atenção. O espaço, tombado como patrimônio e que há décadas amarga o desprezo pela história, finalmente é ocupado por gente que chega descalça, sob efeito de entorpecentes e que não tem nada de diferente daqueles que têm calçado nos pés e vontade de conversar.

Ali não tem denominação a não ser o nome da plataforma criada pelo ativista social, músico e fotógrafo Evandro Sudre, "Urbana, Igreja sem paredes" e que assim pode ser reproduzida em qualquer espaço e lugar.

"É uma contra-mão religiosa", resume Evandro. O ponto de vista dele apresenta um cenário baseado em números de duas décadas como pregador. "Morei nos Estados Unidos e lá são 65 milhões de adultos que viveram um tempo de suas vidas em uma igreja e hoje não querem saber e preferem uma não-religião. Aqui, o número de ordem é de 80% dos jovens", compara. "E se estender esse estudo em cima da galera em situação de rua, são nove em cada dez moradores que já tiveram sentados em um banco de igreja", completa.

"O acesso a Deus, na minha cabeça, não precisa ser cristão. Você levantar e ler um trecho de um Salmo antes de ir trabalhar, vai fazer você se sentir melhor. Mas as pessoas começaram a se preocupar com o que vestir, o que falar, o que beber", contextualiza. "Então, comecei a buscar Deus com pessoas que estão a fim de fazer e aqui todo mundo é igual. É praticamente impossível diferenciar quem está à frente. Somos todos iguais", defende.

A igreja sem paredes mais urbana que você já viu. (Foto: Marcos Ermínio)
A igreja sem paredes mais urbana que você já viu. (Foto: Marcos Ermínio)

Empresário, arquiteta, analista de sistemas, moradores de rua e uma família evangélica que procurou na Rotunda abrigo para a chuva que caiu neste sábado à tarde. São essas as 19 pessoas que compunham a roda a qual paramos para ouvir.

Desde janeiro, o local virou espaço para encontros, muitas vezes de Evandro com ele mesmo. Foi fotografando um casal ali que ele teve a ideia. Justamente a estrutura, ou melhor a falta dela, que mostra a simplicidade que deve ser uma conversa assim, sobre o evangelho. "A gente não imagina buscar Deus só em igrejas, em templos fechados, entre santos. Se alguém quiser tirar a camisa, tira. Quando chove, não dá para sentar no chão e pela primeira vez, temos cadeiras hoje", conta Evandro.

A acústica é perfeita. Dispensa qualquer grito ou microfone. Da Bíblia, Evandro tira uma passagem, a lê em voz alta e abre espaço para o papo, alternando com momentos de louvor. "O que eu quero com isso? A mesma coisa que você quer. Nada, só paz de espírito". A premissa do pregador é esta: parar no meio da atordoada vida que a gente leva e contemplar o simples.

Evandro já deu aulas de fotografia na UFMS, teve uma agência de propaganda em São Paulo e morou durante 20 anos fora, durante os quais esteve em quase 30 países. Por aqui, casado e com uma filha ainda bebê, se prende às histórias fantásticas que vêm das ruas.

"Que são fantásticas. Tem gente com doutorado, poliglota que é morador de rua em Campo Grande. Olha quanta capacidade! A gente quer estar com essas pessoas. Você sabe a diferença delas para nós? Nenhuma. A transformação deles começa quando você olha olho no olho e ele deixa de ser invisível", descreve.

O culto da ferrovia dura em torno de 1h e de lá, a gente sai leve e com um convite feito por um morador de rua, o "Cabeça". "Volta aí no sábado que vem". As reuniões são a partir das 3h da tarde.

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