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Lado Rural

Expansão acelerada do eucalipto mata nascentes e ameaça área sensível do Bolsão

Plantio avança como risco à região e compromete o ciclo hídrico essencial para o Pantanal

Por Vasconcelo Quadros, de Brasília | 10/07/2025 10:44
Expansão acelerada do eucalipto mata nascentes e ameaça área sensível do Bolsão
Trabalhadores plantam eucalipto perto de fábrica em Mato Grosso do Sul (foto: divulgação)

O subsecretário de Meio Ambiente de Selvíria, Valticinez Barbosa Santiago contou os eucaliptos plantados nas nascentes de córregos adensados pela imensidão de florestas que se perdem no Vale da Celulose, no Leste do Mato Grosso do Sul. No total, contabilizou em cada uma delas 116 árvores nas cabeceiras.

RESUMO

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A expansão do cultivo de eucalipto no Bolsão sul-mato-grossense tem causado preocupação devido ao impacto nas nascentes da região. Segundo levantamento do subsecretário de Meio Ambiente de Selvíria, cerca de 400 nascentes já foram degradadas ou secaram, com plantações ultrapassando os limites legais de preservação. O eucalipto, matéria-prima de 90% da celulose brasileira, consome diariamente um volume de água 30 vezes maior que a cidade de São Paulo. Especialistas alertam para riscos de colapso hídrico na região, onde já é necessário perfurar poços mais profundos para encontrar água. A situação levou autoridades a discutirem medidas como ampliação da distância entre plantações e nascentes.

Num dos municípios, em Paranaíba, o plantio invadiu a nascente, fugindo de um padrão que, se por um lado respeita o Código Florestal, por outro, é o roteiro de uma tragédia ambiental anunciada: os 50 metros de limite legal são insuficientes para evitar que o eucalipto sugue a água, como ele comprovou em observações de campo em pelo menos 400 nascentes degradadas, que já secaram ou estão secando entre uma e outra plantação ao longo da maior área de produção de celulose do planeta, na região do Bolsão sul-mato-grossense.

Matéria-prima de 90% da celulose produzida no Brasil, o eucalipto é considerado uma máquina de sucção de água, que absorve das chuvas ou, o que é mais comum por causa do clima do cerrado, vai buscar no lençol freático e nas reservas subterrâneas através de suas extensas raízes. Municípios como Três Lagoas e Ribas do Rio Pardo, primeiro e segundo no ranking dos maiores produtores de celulose do país, estão em áreas mais sensíveis de afloramento do Aquífero Guarani, que pode, em maior ou menor grau, já estar sendo impactado pelas grandes extensões de florestas.

Com um total de 1,722 milhão de hectares plantadas no Estado, essas florestas retiram carbono e revitalizam a atmosfera, mas absorvem em água, sozinhas, por dia, algo em torno de 30 vezes o volume de consumo da cidade de São Paulo, de 12 milhões de habitantes.

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imagem aérea de área afetada em Paranaíba (Foto: Reprodução)

O ciclo quebrado: consumo hídrico, profundidade dos poços e risco de colapso

O impacto sobre um recurso natural finito é o preço do progresso sustentado por empreendimentos privados precariamente fiscalizados. Santiago não é cientista especializado em hidrologia, mas como gestor ambiental, suas pesquisas partem de experiências empíricas e observações que resultaram nos primeiros mapas e relatórios sobre a degradação ambiental, especialmente em relação aos cursos de água que abastecem as bacias do Paraná e Paraguai, esta vital para o Pantanal.

“Há riscos de colapso hídrico, social e ambiental da região caso não adote medidas urgentes. As nascentes estão secando”, disse ele ao Campo Grande News.

Suas observações, discutidas numa audiência pública na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul em março deste ano, chocaram os deputados da Comissão de Meio Ambiente e levaram o Senado a convocar prefeitos e especialistas para discutir o tema na volta do recesso parlamentar, em agosto.

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Áreas próximas ao Rio Sucuriú, em Selvíria (Foto: reprodução)

O deputado Zeca do PT, o ex-governador que negociou a instalação da primeira indústria de celulose no Bolsão, em 2002, fez uma viagem recentemente por municípios da região Leste para verificar pessoalmente as alegações.

Em tom indignado, desabafou: “As nascentes e os córregos do Bolsão, tomadas pelo plantio de eucalipto, estão secando, literalmente secando!”, frisou Zeca. Ele chamou a atenção para a necessidade de responder a uma questão que deveria ter sido equacionada quando o Estado, no seu segundo governo, abriu a economia para os grandes investimentos: “(a degradação) tem a ver ou não com o plantio de eucalipto?”.

Santiago não tem dúvidas: “O plantio excessivo de eucalipto nas áreas das nascentes está comprometendo o ciclo hidrológico”. Segundo ele, a degradação acelerada pode também estar impedindo a recarga correta do aquífero, como demonstram, segundo suas observações, uma mudança na escavação de poços artesianos que abastecem a população rural. “Antes se atingia a água a 70 metros de profundidade.

Agora é necessário perfurar até 130 metros, encarecendo o serviço aos pequenos agricultores”. Pesquisas feitas por cientistas das principais academias brasileiras apontam que a recarga de aquíferos cai nas regiões onde há plantações de eucaliptos na superfície.

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Outra região de nascentes em Àgua Clara, sob efeito das palntações (Foto: Reprodução)

Pela rápida e contínua expansão do plantio, o gestor ambiental acha que a destruição de nascentes pode ter números maiores. Em março ele havia apontado 350 nascentes afetadas. Com a ampliação da pesquisa, o número subiu agora para 400, mas pode ser bem maior se, além do Bolsão, o mapeamento alcançar todos os 53 municípios sobre os quais, além do Leste do Estado, há registro de atividades de plantio do eucalipto.

Ele acha que a medida mais urgente é ampliar de 50 para 500 metros a distância entre as nascentes e as florestas, acabar com o autolicenciamento ambiental – uma perigosa prerrogativa do empreendedor prevista no Código Florestal –, dar às prefeituras poder legal de fiscalização dos empreendimentos, a criação de unidades de conservação e destinar aos municípios afetados, em forma de royalties, os milhões de reais de compensação ambiental que as grandes empresas pagam ao Estado.

O governo federal não fiscaliza os empreendimentos e só marca presença na região do Bolsão com programas sociais para atender assentamentos rurais que, espremidos, também estão ameaçados. Entre 30% e 40% dos pequenos agricultores, segundo servidores federais e estaduais que atuam na região, trabalham para as grandes empresas de celulose.

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O climatologista Carlos Nobre disse ao Campo Grande News que, embora o eucalipto seja um aliado na estabilização da temperatura por transpirar o calor do sol, nas proximidades de um aquífero, vai puxar grandes quantidades de água o tempo todo, especialmente no período da seca. “O eucalipto também será afetado pelas grandes secas provocadas pelas mudanças climáticas. Qualquer uso do solo hoje tem que levar em consideração esses impactos. O agronegócio precisa perceber a gravidade que o aquecimento global está trazendo para o setor”, alerta.

Coordenador do projeto ProÁgua da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), o geógrafo Fábio Ayres chama a atenção para uma providência que deveria ter sido adotada quando os grandes projetos de reflorestamento para a produção de celulose saíram do papel. “Há a necessidade de um planejamento, gestão e ordenamento territorial com a participação de todos os representantes da sociedade, poder público e iniciativa privada. O planejamento deve ser elaborado e executado sempre promovendo o desenvolvimento socioeconômico frente à relevância ambiental”.

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Foto de região afetada em Camapuã (Foto: Reprodução)

Em nota, a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) rebate a fama de vilão atribuída ao eucalipto: “Há muitas falas sem fundamento sobre o cultivo de eucalipto e o seu consumo de água. A planta para produção de madeira é cultivada há mais de 100 anos no Brasil, e em mais de 100 países”, diz a entidade.

Segundo afirma, o Código Florestal estabelece o regramento necessário de distância de cursos d’água para cultivos submetidos a auditorias independentes e à legislação vigente. “Em Mato Grosso do Sul, a implantação dos cultivos de eucalipto está sendo feita na sua quase totalidade em áreas antropizadas, ou seja, onde antes existiam pastagens com pecuária extensiva, algumas inclusive com algum nível de degradação, sendo o setor florestal então um excelente agente de recuperação de áreas degradadas”.

A Famasul cita estudos do Instituto de Pesquisas Florestais, o IPEF, e da FAO para sustentar que a planta é semelhante ao café e não deve ser cultivada em regiões onde as chuvas são menores que 400 mm/ano.

“Se considerarmos o município de Três Lagoas como exemplo, a precipitação média anual é de 1.340 mm/ano, ou seja, muito acima do limite mencionado no artigo e tecnicamente recomendado. Sendo assim, uma das formas de se combater as mudanças climáticas, é exatamente acumulando carbono, tarefa esta que o eucalipto realiza com maestria. (...) O eucalipto é um aliado das mudanças climáticas, e não um vilão”.

Pode ser, mas as áreas degradadas podem ser vistas a olho nu.

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