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Meio Ambiente

Debate sobre cota zero incluirá mais dados técnicos, mas prazo será mantido

Secretário-adjunto Ricardo Sena admite acatar apontamentos de especialistas, mas vê impossibilidade de novo adiamento para restrições à pesca amadora

Humberto Marques | 20/02/2019 21:48
Auditório da OAB-MS ficou lotado durante debates sobre pontos técnicos da lei sobre a cota zero. (Foto: Humberto Marques)
Auditório da OAB-MS ficou lotado durante debates sobre pontos técnicos da lei sobre a cota zero. (Foto: Humberto Marques)

Uma das últimas oportunidades para discussão do decreto que prevê a redução dos limites de pescado a ser retirado por amadores dos rios em Mato Grosso do Sul, que neste ano antecederá a cota zero adiada para 2020, a audiência pública organizada pela OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil-Seccional de Mato Grosso do Sul) serviu para se obter um sinal positivo do governo estadual quanto a incorporação de estudos ao projeto técnico. Por outro lado, novos apelos para um novo adiamento das medidas não devem ser acatados diante da ameaça de, em curto prazo, a pesca ser totalmente inviabilizada.

A audiência ocorre a menos de 10 dias do fim da piracema e da reabertura dos rios no Estado. O governo pretendia aplicar a cota zero já neste ano, porém, em meio a manifestações de pescadores profissionais e amadores e do trade turístico, optou pela redução dos limites de pescado para amadores (que só poderão levar consigo 5 kg de peixes mais um exemplar e 5 piranhas) e, no ano que vem, aplicar a vedação total –as normas não se aplicariam aos pescadores profissionais.

Os debates começaram pouco depois das 18h desta quarta-feira (20) e se estenderam por cerca de duas horas e meia. Na sede da OAB-MS, em Campo Grande, técnicos de universidades e da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) fizeram considerações sobre pontos do projeto relativos ao repovoamento dos rios e medidas a serem adotadas com a proibição da retirada de peixes.

Pontos como a liberação da pesca de exemplares de espécies e subespécies de peixes existentes nos rios estaduais, a liberação para captura de peixes exóticos –como o tucunaré, natural da bacia do Tocantins e que se tornou predador de pequenos alevinos, e a corvina–, e a necessidade de ter o mesmo olhar para as bacias do Alto Paraguai (Pantanal) e do Alto Paraná (no leste) vieram acompanhadas de recomendações quanto a necessidade de aumentar a fiscalização nos rios.

Nesse sentido, o especialista da Uems e pescador confesso André Luiz sentenciou que, antes da rixa entre pescadores profissionais e amadores, o que se deve combater é o “ilegal”, que se vale de redes e petrechos proibidos. “Não adianta ter regras se não tivermos fiscalização”, disse. Da mesma forma, Fernando Rogério de Carvalho, pesquisador da UFMS, listou que outras atividades econômicas às margens dos rios, como a mineração e as monoculturas, também influenciam perigosamente a flora e fauna aquáticas.

Pescadores insistiram, durante discussões, em nova mudança nos prazos para aplicação das restrições. (Foto: Humberto Marques)
Pescadores insistiram, durante discussões, em nova mudança nos prazos para aplicação das restrições. (Foto: Humberto Marques)

Anotações – O secretário-adjunto de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar, Ricardo Sena, admitiu incorporar observações dos especialistas, frisando que boa parte delas constam em detalhamentos do texto. Primeiro, em sua fala, reforçou que a intenção com o decreto não é “criminalizar ninguém”, enquanto o Estado avalia alternativas para a qualificação profissional de quem está envolvido na cadeia pesqueira.

Ele reforçou que o decreto “vai trabalhar apenas a regulamentação da pesca amadora ou esportiva”, diante de dados técnicos com os quais o governo já trabalha e que visam a preservar a biodiversidade. “O governo não é leviano, não elaborou o texto sem critérios”, afirmou, garantindo levar posicionamentos de especialistas para análises da Semagro.

Da mesma forma, ele antecipou que um decreto e uma regulamentação não resolvem, por si, os problemas nos rios do ponto de vista legal. Temas como a criação de uma comissão técnica com o trade turístico e os pescadores, obediência ao zoneamento e trabalhos técnicos nas bacias integram o planejamento ambiental.

“Estudos são importantes, tanto que os fizemos o tempo inteiro. O decreto não foi algo que simplesmente surgiu”, emendou.

Pedidos – O maior impasse manifestado pelos mais de 100 pescadores presentes ao evento foi o tempo exíguo para aplicação do decreto. Étila Guedes, advogada do movimento Cota Zero Não, reforçou que, apesar do nome dado à iniciativa, não são contra a proibição. Mas querem mais tempo para sua implementação, de forma gradual, “em quatro ou cinco anos”, disse à reportagem.

Delevatti (em pé) afirma que atividade pesqueira movimenta boa parte da economia de Porto Murtinho. (Foto: Humberto Marques)
Delevatti (em pé) afirma que atividade pesqueira movimenta boa parte da economia de Porto Murtinho. (Foto: Humberto Marques)

A preocupação maior é com o impacto que as restrições à pesca amadora teriam na cadeia turística, atingindo desde vendedores de iscas a piloteiros e empresários do setor hoteleiro. “Só no 21 (na região de Aquidauana) são mais de mil pessoas envolvidas diretamente com a pesca”, destacou.

Prefeito de Porto Murtinho –a 431 km de Campo Grande–, Derlei Delevatti (PSDB) afirmou que o turismo de pesca é o principal atrativo do município, sendo responsável por gerar emprego e renda para boa parte dos moradores.

“Mais de 50% da população ganha menos de um salário mínimo. Temos um frigorífico fechado. A fonte de renda acaba sendo o poder público, que não pode empregar todo mundo. A questão não é a cota zero, mas como nos adaptarmos para chegar a ela”, disse, pedindo um “ponto de equilíbrio” entre a preservação ambiental e a sustentação da cidade.

Ele ainda se lembrou dos protestos de pescadores que, por mais de uma semana, bloquearam o rio Paraguai e resultaram em confronto. Denis Rais, dono de um barco-hotel e que participou dos protestos, também apelou para mudanças nesse sentido.

Impedimento – Após a reunião, Ricardo Sena reforçou a disposição de ampliar os debates no governo, da mesma forma que apontou dificuldades em atender o pedido para um novo adiamento da cota zero. Segundo ele, os estoques pesqueiros dos rios estaduais se reduziram a níveis drásticos: segundo ele, dados coletados ao longo de 23 anos indicam que, na comparação com meados da década de 1990, a população de peixes caiu mais de 80%.

Sena advertiu que estudos apontaram redução de 80% nos estoques pesqueiros dos rios de MS. (Foto: Humberto Marques)
Sena advertiu que estudos apontaram redução de 80% nos estoques pesqueiros dos rios de MS. (Foto: Humberto Marques)

“E se você pegar dados de 2017 com base na atual cota, verá que a redução é de 50%. Independentemente do período, há uma nítida redução nos estoques”, advertiu, apontando que, caso não sejam tomadas medidas extremas, “em dois ou três anos não teremos peixe algum”.

Presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB-MS e responsável por presidir a audiência, o advogado Arlindo Muniz reiterou que a discussão visou a detalhar aspectos técnicos do decreto, não havendo ali espaço para mudanças em questões tidas como definidas no governo. Ele reforçou que o resultado dos debates, bem como apontamentos e questionamentos dos envolvidos, seriam enviados ao Parque dos Poderes.

“Com base nessas discussões e após a publicação do decreto, vamos verificar que providências podemos tomar em relação ao alcance das medidas”, afirmou, antevendo a possibilidade de a questão chegar às raias judiciais. Algo já admitido por alguns pescadores. Representante do trade turístico de Corumbá, José Carlos de Oliveira afirma que empresários e pescadores já avaliavam impetrar um mandado de segurança contra as restrições à atividade pesqueira, aguardando apenas que a medida entrasse em vigor.

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