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Cortina de fumaça: a ineficácia da proibição de cigarros eletrônicos

Por Claudia de Lucca Mano (*) | 16/12/2023 13:30

A diretoria colegiada da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu, no último dia 1° de dezembro, revisar a proibição de dispositivos eletrônicos para fumar. Desde 2009, a RDC 46 da agência proíbe a comercialização, a importação e a propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarros eletrônicos, vapes, pods, e-ciggarettes, e-pipe, e-cigar e heat not burn. A principal diferença entre o cigarro eletrônico e o convencional é a ausência de combustão. O aparelho contém um líquido composto por nicotina, solução que é aquecida por um circuito elétrico e se transforma em vapor, que é tragado pelo fumante. Os cinco diretores da agência aprovaram por unanimidade a abertura de consulta pública de 60 dias sobre a proposta.

Segundo o Ipec  (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) atualmente no Brasil há 2,2 milhões de usuários deste tipo de dispositivo. Mesmo proibido, é muito fácil encontrar e comprar cigarros eletrônicos, que são vendidos livremente e sem qualquer controle, entrando no país através de contrabando.

A facilidade traz uma consequência preocupante: o consumo desenfreado, principalmente pelo público mais jovem. Segundo uma pesquisa da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, um a cada cinco jovens entre 18 anos e 24 anos já experimentou o cigarro eletrônico.

Evidente, portanto, que a proibição pela Anvisa não surte os efeitos desejados. Sem regulamentação, a agência não dispõe dos dados de procedência, qualidade, teor e toxicidade das substâncias que compõem os dispositivos eletrônicos para fumar.

Cabe ressaltar que a Anvisa é o órgão responsável pelo registro e fiscalização de produtos fumígenos, dispondo de uma Gerência destacada para cuidar do tema: a Gerência Geral de Registro e Fiscalização de Produtos Fumígenos, derivados ou não do Tabaco (GGTAB). E poderia instituir políticas sanitárias para redução de riscos desses produtos, pela via da regulamentação.

A reunião da diretoria colegiada da Anvisa trouxe inúmeras manifestações favoráveis e contrárias a liberação do cigarro eletrônico. Chega a ser impressionante a polarização das opiniões em torno do tema.

Como exemplo, Alessandra Bastos Soares, que foi diretora da Anvisa até 2020, e hoje atua na iniciativa privada, representando a BAT (British American Tobacco), defendeu a revisão da regulamentação, argumentando que se a proibição fosse efetiva, não teríamos, hoje, no Brasil, 2,2 milhões de pessoas consumindo produtos de origem desconhecida.

Por outro lado, o médico Drauzio Varella alertou que o sucesso das políticas públicas brasileiras para controle de tabagismo fez reduzir o consumo de cigarros, para menos de 10% da população. De fato, em 15 anos (2006-2021), a porcentagem de adultos fumantes no Brasil caiu de 15,7% para 9,1%, segundo dados da Vigitel, órgão de pesquisas vinculado ao Ministério da Saúde. Varella se posicionou absolutamente contrário a abertura desse mercado, argumentando que a indústria tabagista busca recuperar seus consumidores perdidos no país.

No campo de redução de danos, ex-usuários de tabaco defendem que o uso dos vaporizadores os ajudou a parar de fumar o cigarro convencional e relataram melhora expressiva em seus quadros de saúde atuais, atestada por exames médicos. A contra senso, dados sugerem que alguns jovens que nunca foram tabagistas, iniciam a experimentação justamente pelo vaporizador, o que vai na contramão do argumento de redução de danos.

O cigarro eletrônico está regulamentado em mais de 80 países. Em abril de 2023, o Reino Unido anunciou um pacote de medidas antitabagistas que incluía o envio, para 1 milhão de cidadãos, de kits gratuitos de cigarro eletrônico, numa política denominada “swap to stop“, que se traduz por “trocar para parar”.

No Brasil, a senadora Soraya Tronicke (Podemos-MS) apresentou o Projeto de Lei 5.008/2023, que dispõe sobre a produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização e propaganda dos cigarros eletrônicos e determina que é obrigatório o registro perante a Anvisa.

Em 2022, a Anvisa já havia se debruçado sobre o tema, optando por manter a proibição. Entretanto, a diretoria colegiada decidiu pela consulta pública, que poderá receber contribuições da sociedade e do setor regulado por 60 dias e, depois, será apreciada pela agência para definição do texto final.  A decisão recente mostra que há uma evidente pressão de empresas, usuários e profissionais de saúde por uma resposta clara sobre a regulamentação dos cigarros eletrônicos que não se limite a uma simples proibição que comprovadamente não funciona. Resta saber para que lado se inclinará a Anvisa.

(*) Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial atuando desde 1994 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios.

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