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Quando a amizade não faz mais sentido

Por Cristiane Lang (*) | 07/09/2025 08:30

Há amizades que chegam como sol depois de uma longa noite. Aquela presença que ilumina, aquece e parece destinada a caminhar conosco até o fim. Juramos lealdade, fazemos planos para uma eternidade que, no fundo, ninguém sabe se existe. Naquele tempo, nada parecia mais certo do que a ideia de que aquela amizade seria indestrutível.

Mas o tempo tem sua própria linguagem. Ele sopra mudanças nos pensamentos, altera prioridades, remodela o coração. A vida não é estática, e dentro de nós nada permanece intocado. Vamos nos tornando outros, diferentes de quem fomos no início, e às vezes essa metamorfose silenciosa nos afasta de quem caminhava ao nosso lado. Não é sempre que há briga, não é sempre que existe traição. Muitas vezes, o fim de uma amizade não nasce do ódio, mas da ausência de sentido. O que antes era natural, agora exige esforço. O riso que fluía, agora parece forçado. As conversas, antes tão cheias de vida, tornam-se repetições de histórias antigas ou silêncios constrangidos. É como tentar reviver uma chama que insiste em se apagar: você sopra, insiste, mas só levanta cinzas.

E é nessa hora que nos perguntamos: vale a pena insistir no que já não tem lugar? Há um luto silencioso no fim de uma amizade. Não se choram apenas as conversas perdidas, mas a versão de nós mesmos que existia naquela relação. Porque cada amizade é também um reflexo de quem fomos no momento em que ela nasceu. Quando nos despedimos de alguém, também nos despedimos de um pedaço da nossa história.

Os pensamentos mudam. As rotas da vida seguem curvas inesperadas. O que antes nos unia — uma visão de mundo, um hábito, uma sintonia — deixa de existir. E, mesmo sem culpas, percebemos que a amizade não se sustenta só pela memória do que foi. É preciso que exista um presente vivo, uma conexão atual, e não apenas lembranças.

Deixar uma amizade ir embora não significa desprezar o que foi vivido. Significa respeitar o ciclo natural das coisas. Nem todo laço é eterno, mas isso não o torna menos verdadeiro. Algumas pessoas foram necessárias para um capítulo, não para o livro inteiro. Foram abrigo quando precisávamos, companhia quando era escuro demais, força quando a vida pesava. Foram, e isso já basta.

O fim de uma amizade, quando aceito com serenidade, é também uma libertação. Permite que cada um siga seu caminho sem a obrigação de manter vivo o que já morreu. Permite que novos encontros aconteçam, que novas afinidades floresçam.

E talvez a poesia maior esteja aí: compreender que nem todas as histórias precisam durar para sempre para serem significativas. Algumas existem para marcar, para ensinar, para colorir uma fase. E, quando deixam de fazer sentido, a maior prova de maturidade é agradecer pelo vivido e seguir.

Porque amizades terminam, mas o aprendizado de cada uma permanece em nós como tatuagem invisível: lembrança de que já fomos amados, acolhidos e partilhados em algum instante da vida.

(*) Cristiane Lang, psicóloga especializada em oncologia

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.