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“Que a tua fala seja a tua prática”: Coerência entre discurso e ação

Por Cristiane Lang (*) | 20/12/2024 08:16

A frase de Paulo Freire, “Que a tua fala seja a tua prática”, carrega uma mensagem profunda e atemporal sobre a importância da coerência entre o que falamos e o que fazemos. Em um mundo onde as palavras são frequentemente usadas para persuadir, manipular ou agradar, o educador brasileiro nos lembra que o verdadeiro valor de nossas falas está na sua correspondência com nossas ações. Freire, um defensor da educação libertadora, acreditava que a transformação social e pessoal só é possível quando nossas palavras são sustentadas por práticas concretas.

Neste artigo, exploraremos o que essa frase significa em diferentes contextos da vida, desde a educação até as relações pessoais, passando pelo trabalho e pela política. Discutiremos a importância da integridade e do compromisso com a verdade nas ações, e como a falta dessa coerência pode gerar desconfiança e enfraquecer nossa capacidade de transformação.

A coerência no campo da educação

Para Paulo Freire, a educação não era apenas uma transmissão de conteúdos, mas uma prática transformadora, onde educador e educando constroem conhecimento juntos. Nesse processo, é fundamental que o professor não apenas fale sobre mudança, justiça e respeito, mas viva esses valores em sua relação com os alunos. Quando o educador diz acreditar na autonomia dos estudantes, ele precisa criar um ambiente de aprendizagem que promova essa autonomia. Caso contrário, suas palavras perdem valor.

A educação libertadora freiriana é um exemplo claro de como a prática deve refletir o discurso. Não basta falar sobre o poder da educação para mudar o mundo; é necessário agir de forma que essa transformação seja visível no cotidiano escolar. Professores e alunos precisam, juntos, vivenciar as ideias discutidas em sala de aula, transformando o espaço de aprendizagem em um lugar de diálogo, respeito mútuo e ação.

A fala e a prática nas relações pessoais

Em nossas relações pessoais, a frase “Que a tua fala seja a tua prática” também tem grande relevância. Quantas vezes nos deparamos com promessas vazias, palavras que soam bonitas, mas que nunca se concretizam em ações? Seja em relacionamentos amorosos, de amizade ou familiares, a confiança é construída com base na congruência entre o que dizemos e o que fazemos.

Quando prometemos apoio, carinho ou compromisso a alguém, essas promessas só têm valor real se forem acompanhadas por gestos que as validem. Palavras sem ação geram frustração e minam a confiança. Por outro lado, quando nossas palavras são reforçadas por atitudes concretas, fortalecemos os laços e construímos relações mais sólidas e saudáveis.

No ambiente de trabalho

A coerência entre fala e prática também se manifesta no ambiente de trabalho. Líderes e gestores que dizem valorizar seus colaboradores, mas não demonstram essa valorização através de ações, acabam criando um ambiente de descrença e desmotivação. Para que uma equipe se sinta verdadeiramente valorizada, as palavras de apoio precisam ser acompanhadas de reconhecimento concreto, oportunidades de crescimento e respeito às condições de trabalho.

Do mesmo modo, profissionais de qualquer área devem alinhar seu discurso às suas ações. A integridade profissional exige que o que se promete aos clientes, colegas ou parceiros seja cumprido. Quando falamos sobre ética, responsabilidade ou compromisso, esses conceitos precisam ser vivenciados no cotidiano, pois são eles que constroem a credibilidade de uma pessoa ou empresa.

A fala e a prática na política

No campo da política, a frase de Paulo Freire ganha uma dimensão crucial. Governantes e representantes eleitos têm a responsabilidade de alinhar suas promessas eleitorais com suas ações no exercício do poder. O que vemos, no entanto, com frequência, são discursos idealistas e cheios de promessas que, na prática, não se concretizam. Essa falta de coerência gera desconfiança e descrença na política como um todo.

Paulo Freire nos lembra que não basta falar sobre justiça social, igualdade e democracia. É necessário implementar políticas que realmente visem esses objetivos. A fala, quando não acompanhada pela prática, transforma-se em uma ferramenta de manipulação, distanciando os políticos da realidade do povo e enfraquecendo a democracia.

O impacto da incoerência

Quando há uma desconexão entre a fala e a prática, o impacto vai além da simples desconfiança. A incoerência gera uma sensação de descrédito que pode enfraquecer movimentos sociais, organizações e até mesmo a vida pessoal. A falta de alinhamento entre o que se prega e o que se faz cria um ambiente de hipocrisia, onde as palavras perdem seu valor e as ações se tornam vazias de significado.

Para Paulo Freire, a palavra verdadeira é aquela que transforma o mundo. Mas para que essa transformação aconteça, é necessário que a palavra seja acompanhada pela ação. Caso contrário, o discurso se torna uma “fala oca”, que não gera mudanças reais e acaba perpetuando as desigualdades e injustiças que deveria combater.

O poder da integridade

A coerência entre fala e prática é, em essência, uma questão de integridade. Viver de forma íntegra significa ser fiel aos seus valores e princípios, não apenas no discurso, mas nas atitudes diárias. A integridade cria uma base sólida para todas as interações humanas, sejam elas pessoais, profissionais ou políticas.

Quando nossas ações refletem nossas palavras, construímos um ambiente de confiança, credibilidade e respeito. Isso não significa que nunca erraremos ou que somos perfeitos, mas sim que buscamos ser honestos com os outros e, principalmente, conosco mesmos. Essa honestidade, esse compromisso com a verdade, é o que Paulo Freire nos convida a cultivar.

Paulo Freire nos desafia a ir além das palavras. “Que a tua fala seja a tua prática” não é apenas uma frase sobre coerência; é um convite à transformação pessoal e social. Nossas palavras têm poder, mas esse poder só é plenamente realizado quando elas são acompanhadas de ações que as sustentam.

No cotidiano, isso significa que precisamos nos esforçar para viver de acordo com o que acreditamos, seja em nossa prática educacional, em nossos relacionamentos, no trabalho ou na política. Somente quando nossas palavras e ações estão em harmonia, podemos construir um mundo mais justo, verdadeiro e humano.

Assim, que cada um de nós reflita sobre o quanto nossas falas estão realmente alinhadas com nossas práticas. Porque é essa coerência que, no fim das contas, define quem somos e o impacto que teremos no mundo.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo.

 

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