Quem paga a pensão alimentícia pode pedir prestação de contas?
O dever de assistir, criar e educar os filhos menores é do pai e da mãe, diz a Constituição Federal, em seu artigo 229.
Tenho dito que quando um relacionamento acaba e há filhos menores, será preciso que o ex-casal decida sobre com quem os filhos irão morar e como será a convivência deles com o outro genitor; se a guarda será a unilateral ou a compartilhada; sobre qual será o valor da pensão alimentícia. São decisões extremamente importantes, que devem ser tomadas, sempre tendo como base o melhor interesse da criança e do adolescente.
O artigo de hoje, em especial, discorre sobre o tema pensão alimentícia, mais precisamente sobre prestação de contas da pensão alimentícia, com o título: quem paga a pensão alimentícia pode pedir prestação de contas?
Inicialmente, importante lembrar que o valor da pensão alimentícia leva em consideração a necessidade de quem deve receber e a possibilidade de quem deve pagar, havendo, assim, uma proporcionalidade entre a necessidade e a possibilidade e, é justamente por isso, que não existe valor mínimo de pensão alimentícia. Ressalte-se, também, que não cabe apenas a um genitor arcar sozinho com todos os gastos, sendo que a Lei permite que cada um contribua, para o sustento dos filhos, na proporção de seus recursos.
Nesse sentido, quando da decisão dos genitores sobre qual será o valor da pensão alimentícia, deve ficar claro para o genitor que tem a obrigação de efetuar o pagamento, sobre quais são os gastos do(s) filho(s) e sobre o seu valor, ao que, diante de sua possibilidade de pagar, fica ajustado.
Pois bem. A partir do momento em que se ajustou o valor da pensão alimentícia, iniciando-se os pagamentos, será que o pai ou a mãe, que é o responsável em pagar a pensão alimentícia, pode exigir prestação de contas, ou seja, exigir a comprovação de que o valor pago está, de fato, sendo usado em benefício do menor, para a sua manutenção, conforme os gastos e valores que foram apresentados, quando do combinado?
Vamos ver, então, o que diz a Lei sobre isso.
Desde 2014, a Lei passou a permitir a prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação dos filhos, ao dizer que o pai ou a mãe que não tenha a guarda dos filhos é obrigado a supervisionar os seus interesses (1.583, §5º do Código Civil).
Portanto, como se pode verificar, a Lei autoriza ao genitor que não tenha a guarda, o direito de saber se o dinheiro da pensão alimentícia está sendo usado corretamente, entendendo-se, nesse caso, como prestação de contas objetiva. Isso porque tem a obrigação (o dever) de supervisionar os interesses do(s) filho(s).
Mas atenção. É uma ação judicial que se chama Ação de Prestação de Contas da Pensão Alimentícia. Logo, se é uma ação judicial, o pedido é feito ao Juiz, para que este mande o genitor que tem a guarda prestar contas da pensão alimentícia.
Portanto, nenhum genitor está obrigado a prestar contas diretamente para o outro genitor. O pai ou a mãe que queira a prestação de contas da pensão alimentícia deverá pedir ao Juiz.
Mas será que basta pedir ao Juiz e este determinará a prestação de contas? Simples assim? Não. Não é simples assim. Não basta pedir para o juiz determinar a prestação de contas. Será preciso convencê-lo de que existe razão para tal pedido, que existem reais motivos para a desconfiança de que o valor da pensão alimentícia enviado não está sendo usado em benefício dos filhos.
Imagine que a Suellen que paga ao filho, uma criança de 08 anos de idade, uma pensão no valor de 4 mil reais, que corresponde a 70% dos gastos do filho, porque entendeu que precisava ser esse o valor e tinha condições para tal, toma conhecimento de que o pai, o que tem a guarda, conseguiu um excelente desconto na mensalidade da escola do filho ou que o matriculou em outra escola, com mensalidade no valor de 30% menor do que o da escola anterior; que mudou o plano de saúde do filho, para outro com menos vantagens; que tirou o filho do inglês e da natação; percebe, também, que a festa de aniversário do filho teve considerável queda na qualidade, nos dois últimos anos.
Veja que, nesse exemplo, dá mesmo para desconfiar que tem algo errado, que talvez esteja havendo desvio da verba destinada ao sustento da criança. No caso, Suellen teria bons argumentos e provas para apresentar ao Juiz e tentar convence-lo a determinar que o genitor que tem a guarda, preste contas do uso da pensão alimentícia paga ao filho.
Agora, voltemos à pergunta. Quem paga a pensão alimentícia pode pedir prestação de contas?
Sim. Quem paga a pensão alimentícia tem o direito de pedir a prestação de contas, porque tem a obrigação (o dever) de supervisionar os interesses do(s) filho(s). O pedido é feito ao Juiz e não ao(a) genitor(a) que tem a guarda. Mas não é pedir por pedir, sem nenhuma razão. Será preciso demonstrar ao Juiz que há fortes razões para se desconfiar que está havendo desvio da verba, que não está sendo usada, conforme o combinado. E o Juiz, em sendo convencido, determinará que o(a) genitor(a) que tem a guarda preste as devidas contas dos valores pagos, a título de pensão alimentícia, com apresentação de documentos, notas, recibos.
(*) Valnice de Oliveira, advogada especialista em direito de família e sucessões
Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.