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Vacinas salvam populações, medicamentos salvam vidas

Paulo C. Petry (*) | 19/03/2021 10:04

Edward Jenner, médico e naturalista britânico, ficou conhecido por ser pioneiro na criação de vacinas. No final do século XVIII, a varíola era considerada um flagelo universal e matava cerca de 400.000 pessoas por ano. Entre os sobreviventes, cerca de 30% ficavam cegos como resultado de infecções na córnea. Ao observar que algumas mulheres que ordenhavam vacas apresentavam uma doença mais branda, chamada “varíola bovina”, e, depois disso, durante surtos da doença, não desenvolviam a varíola humana, Jenner realiza, em 1796, sua primeira vacina – termo que vem do latim “vacca”, que, em português, significa vaca.

Ele inoculou material que havia removido de uma pústula da varíola bovina em um “voluntário” de 8 anos, que não contraiu a doença. Jenner, então, relatou sua experiência na Royal Society, a Academia de Ciências do Reino Unido, mas as provas apresentadas por ele foram consideradas insuficientes. Realizou então novas inoculações em outras crianças, inclusive no seu próprio filho. Em 1798, seu trabalho foi finalmente reconhecido e publicado. No entanto, seus críticos procuravam ridicularizá-lo, denunciando como repulsivo o processo de infectar humanos com material colhido de animais doentes.

A vacina da varíola foi a primeira imunização coletiva da história, até que, em 1980, a Organização Mundial da Saúde (OMS) certificou que a doença estava erradicada. Outra grande conquista ocorreu em 1955, quando Jonas Salk lançou a primeira vacina comprovadamente eficaz contra a poliomielite. Existe consenso de que se medicamentos salvam vidas, vacinas salvam populações ao permitirem o desenvolvimento de bases racionais para o planejamento e a condução de programas de prevenção ou redução de danos.

Ao subsidiar políticas públicas, epidemiologistas do mundo todo recomendam fortemente a vacinação em massa para diversas doenças, como H1N1, dengue, hepatite B, meningite, tuberculose, difteria, poliomielite, tétano, catapora, coqueluche e sarampo, caxumba e rubéola, que, no Brasil, estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Programa Nacional de Imunizações.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância, em conjunto com a OMS, tem manifestado preocupação com a queda da cobertura vacinal em nosso país, que nos últimos anos não tem alcançado sequer as metas recomendadas. A vacinação em massa é um dos maiores feitos da humanidade e, na batalha contra o SARS-CoV-2, vírus causador da covid-19 (do inglês, Coronavirus Disease-2019), nossa grande esperança.

Desde que foi identificado pela primeira vez em um grupo de pacientes com pneumonia na cidade de Wuhan, China, em dezembro de 2019, o esforço pela produção de uma vacina tornou-se prioritário em todo mundo. O desenvolvimento de vacinas sempre foi um longo caminho: a da dengue, por exemplo, demorou 112 anos para ser produzida; a da meningite, 92 anos; a da poliomielite, 47; a da tuberculose, 45; a do ebola, 43 anos; a mais rápida havia sido a do sarampo, desenvolvida em 10 anos. Sem contar que doenças como AIDS, Zica e Malária ainda não contam com uma vacina eficaz.

Essa pandemia, contudo, foi marcada por sucessos científicos: em apenas duas semanas foi feito o sequenciamento genético do vírus – e as vacinas contra a covid-19 devem escrever um novo capítulo nessa história. Sua criação em tempo recorde, menos de 12 meses, foi possível graças a novas tecnologias e a muitos anos de pesquisa de cientistas cujo conhecimento acumulado possibilitou essa resposta tão rápida ao novo desafio.

Existem centenas de estudos sobre vacinas em curso, mais de 60 em humanos e, destas, 11 nas fases mais adiantadas. O total de doses aplicadas globalmente, até o momento, é de quase 123 milhões em 135 países. Num ranking das vacinas mais utilizadas no mundo, em primeiro lugar está a da parceria Pfizer-BioNTech (USA/Alemanha), atualmente aplicada em 68 países; em segundo lugar está o imunizante do Reino Unido (Oxford-AstraZeneca), usado em 58 países, seguido da vacina da Moderna (USA), em 29 países. A vacina russa Sputnik V é utilizada em 18 nações e ocupa a quarta posição; em seguida estão os imunizantes da chinesa Sinopharm (17 países); a CoronaVac, da também chinesa Sinovac (12 países); a CanSino BIO da China (3 países); o imunizante da Belga Janssen, empresa farmacêutica da multinacional Johnson & Johnson, único com apenas uma dose (2 países);  a indiana Covaxin, do laboratório Bharat Biotech (1 país); e a russa EpiVacCorona, do Vector Institute (1 país).

Destas, duas estão sendo utilizadas no Brasil, liberadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para uso emergencial: a da Oxford-AstraZeneca, produzida e distribuída pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), do Rio de Janeiro, e a CoronaVac, produzida e distribuída pelo Instituto Butantan, de São Paulo.

A ciência é uma frágil conquista da civilização. Políticos oportunistas, mentes negacionistas, teorias conspiratórias e movimentos antivacinas só causam confusão e atrasos, muitas vezes motivados por interesses escusos que ameaçam a saúde coletiva. Precisamos sensibilizar gestores para a urgente necessidade de incrementar campanhas pró-vacinação. É fundamental resgatar a percepção de políticos, sociedade e famílias sobre a grande importância de uma vacina segura e eficaz.

Ao vivermos uma tragédia sem precedentes, a vacinação em massa surge como a principal esperança de controle dessa pandemia, pois a covid-19 já atingiu 192 países em todos os continentes, matou mais de 2 milhões e seiscentas mil pessoas, sendo que mais de 270 mil mortes ocorreram no Brasil.


(*) Paulo C. Petry é mestre e doutor em Epidemiologia e professor do Departamento de Odontologia Preventiva e Social da UFRGS

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