Da porta para dentro, só investimento em saúde mental combaterá violência
Polícia na porta dá sensação de segurança, mas medida é insuficiente, dizem profissionais da psicologia
O fatídico dia 20 passou. O medo de que escolas fossem alvos de atentados, como o que ocorreu em Columbine, nos Estados Unidos, em 20 de abril de 1999, ou como a tragédia recente em Blumenau (SC), foi enfrentado com polícia e “termômetros dos sentimentos” nas portas das escolas. Nas unidades escolares de Mato Grosso do Sul, nenhuma ocorrência foi registrada. Mas e agora? O que fica?
A instalação de botões do pânico, detectores de metais e a convocação de policiais militares e guardas civis metropolitanos para atuar na entrada das escolas aumenta sim a sensação de segurança, principalmente para os pais de alunos, mas da porta para dentro, só o investimento na saúde mental dos integrantes das comunidades escolares é capaz de combater a violência, que “pula” os “muros altos” dos colégios com facilidade. A opinião é de profissionais que lidam com as emoções dos estudantes e das famílias deles, além dos professores e funcionários das unidades educacionais.
“Depois da pandemia, doentes emocionalmente estamos todos. Aquele medo todo desencadeou muita ansiedade nas pessoas. E para quem não está bem emocionalmente, tudo é gatilho, até semana de prova”, explica Luciene Soares de Souza Caxias, psicóloga e técnica do programa Valorização da Vida, desenvolvido pela Semed (Secretaria Municipal de Educação) nas escolas municipais da Capital.
Luciene acredita que o reforço na segurança dos colégios também contribui para que estudantes passem pelos dias letivos em paz. “Tornar visível a segurança é positivo, principalmente para os pais. E com as famílias seguros, as crianças se sentem tranquilas para ir para a escola”.
A psicóloga afirma que, contudo, só o trabalho contínuo de observação para detectar alunos ou funcionários com problemas pontuais e transtornos mentais é capaz de evitar que a violência passe dos portões. “O Valorização da Vida está nas escolas desde 2018 e a gente trabalha a prevenção com as salas de aula, com as turmas todas, sempre trabalhando o emocional. Para os estudantes, mostrando como nomear os sentimentos e que nem sempre estamos em dias bons. A infância não é ensinada que tem dias que estamos tristes. Mostramos também que numa turma, um ajuda o outro”.
Para Luciene, o mês de tensão após o massacre de crianças em Blumenau, servirá de lição, sobre a necessidade de não ignorar a saúde mental. “A gente pode usar a dor ao nosso favor. Não queremos isso na nossa escola, cidade e vamos superar tudo isso”.
O Valorização da Vida conta com 14 psicólogos distribuídos pelas sete regiões urbanas de Campo Grande. Eles trabalham capacitando servidores de forma constante para que adquiram competências socioemocionais, na mediação de conflitos (sejam eles entre os alunos, estudantes e professores ou entre as crianças e as famílias), fazendo o acolhimento de problemas detectados nas escolas, atendimentos psicológicos breves e encaminhamentos para os Caps (Centros de Atenção Psicossocial).
Retomada – A psicanalista e doutora em Educação, Ilana Katz, que integra a Rede Nacional de Pesquisas em Saúde Mental de Crianças e Adolescentes, afirma que é preciso que estudantes tomem seus lugares nas escolas – neste dia 20, 40% dos matriculados na Rede Estadual de Ensino faltaram às aulas. Para ela, está na hora dos pais, que optaram por deixar crianças e adolescentes em casa nos últimos dias, permitam que elas retomem a rotina.
“Eu fico me perguntando que tamanho de buraco a gente foi parar como sociedade em que resta como alternativa de segurança nas nossas cabeças que a escola precisa ser desocupada. Que o certo é não ir para a escola, o lugar mais importante de transformação social que a gente tem, onde vamos construir a possibilidade de viver com os outros”, disse em entrevista ao Estadão na semana passada.
llana, que pesquisa a infância no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), destaca a importância da escola justamente para a construção de uma sociedade mais segura e pacífica. “Essas ameaças nos fazem sentir fragilizados e mostram que já estamos atrasados em discutir o enfrentamento das causas que produzem a violência na sociedade civil”.
Ela, como muitos outros educadores, defende que as escolas brasileiras precisam efetivamente colocar a cultura de paz como parte do currículo escolar.
Medidas – Tanto a Sejusp (Secretaria de Estado de Segurança) quanto a Sesdes (Secretaria Especial de Segurança e Defesa Social) de Campo Grande informaram que as medidas anunciadas este mês para a escolas públicas serão mantidas.
A secretaria estadual promete que o programa “Escola Segura, Família Forte”, criado em 2017 e que conta com ronda escolar, continuará reforçado.
O NISE (Núcleo de Inteligência de Segurança Escolar), que funciona no COSI (Centro de Operações de Segurança Integrado), é responsável pelo videomonitoramento de 245 escolas da rede estadual – que tem 348 unidades em Mato Grosso do Sul, com mais de 185 mil alunos. A previsão é que este monitoramento chegue a 298 escolas até o fim deste mês.
Já a secretaria municipal garantiu que as rondas escolares, feitas pela Guarda Civil Metropolitana, serão mantidas, assim como o projeto de instalação de “botões do pânico” – canais diretos de comunicação entre diretores e a GCM – nos colégios será tocado.