Denúncia "falha e dispersa" leva juiz a extinguir ação sobre fraudes no HR
Juiz elenca várias falhas na denúncia sobre superfaturamento de R$ 2,8 milhões na compra de reagentes químicos
A apresentação de denúncia contendo texto “disperso”, “vago” e com “falha na narrativa dos fatos” levou o juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos a extinguir a ação contra os 11 investigados e duas empresas suspeitas de superfaturamento de contratos no Hospital Regional de MS.
A extinção do processo aconteceu um ano e três meses depois de deflagrada a Operação Reagente, que investigou as irregularidades na compra de reagentes químicos pelo HR para exames laboratoriais, que teria sido responsável por superfaturamento de R$ 2,8 milhões.
A denúncia foi apresentada pela 29ª Promotoria de Justiça, cujo titular é o promotor Adriano Lobo. A operação foi realizada com apoio do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), mas os promotores do grupo não foram os autores da denúncia à Justiça.
Em 30 de novembro de 2018, foram cumpridos três mandados de prisão e 17 de busca e apreensão no hospital e nas empresas. Hoje, no Diário Oficial, o magistrado fez uma detalhada explanação dos motivos que o levaram a determinar a extinção do processo e concordar com os argumentos da defesa dos acusados.
“Apesar da gravidade dos fatos narrados, as defesas possuem razão quando reclamam da ausência de sistematização e de objetividade da petição inicial, pois, no caso destes autos, o autor dispersou vários dados ao longo da petição inicial, sem estabelecer uma relação inteligível entre eles. O leitor é forçado a ler e reler a peça, buscando premissas espalhadas no texto para compreender as conclusões que as antecederam”.
O magistrado continua: “a narrativa de boa parte do texto é dispersa, como se o leitor já tivesse conhecimento do caso antes de ler a petição inicial e conseguisse assimilar as ideias postas. O texto não segue uma linha cronológica dos fatos o que dificulta a noção sobre o que aconteceu. (...) Para ser honesto, após ler e reler várias vezes a petição inicial, as defesas e a impugnação apresentada pelo Ministério Público, este magistrado até conseguiu entender uma boa parte da história”.
“Se bem entendi”, narra o juiz, a denúncia envolve esquema iniciado em 2015, quando o Hospital Regional usava máquina de exames laboratoriais do modelo Dimension, que utilizava reagentes da marca Siemens, fornecido pela empresa Lab Pack do Brasil/Produtos Hospitalares, de Ribeirão Preto (SP). A manutenção ficava ao encargo da Neo Line Produtos e Serviços Hospitalares, de Campo Grande.
Segundo a denúncia, as empresas tem vínculo negocial entre elas, já que eram as únicas autorizadas a negociar os produtos Siemens e faziam parceria formal. Em 2015, a máquina Dimension do hospital quebrou e foi desativada. A Neo LIne entrou em comodato e o serviço continuou sendo feito em 2017. De acordo com MPMS, o empréstimo aconteceu somente para que os reagentes Siemens continuassem sendo vendidos no HR. Se licitação fosse aberta, atrapalharia o esquema que beneficiava Lab Pack e Neo Line.
Em 2016, a Lab Pack perdeu a representação da marca, mas conseguiu de outra marca, a Ortho Clinical. Somente neste ano, a administração do hospital teria formalizado a inutilidade da Dimension, realizando licitação com cedência em comodato, direcionada para a Ortho Clinical, superfaturando o contrato, favorecendo as duas empresas.
As descrições das condutas individuais de Justiniano Barbosa Vavás, de Josceli Roberto Gomes Pereira, de Marcus Vinícius Rossetini de Andrade Costa, de José Roberto Scarpin Ramos, de Luiz Bonazza e de Eduardo Navarro Bonazza também foram consideradas “superficiais e inconclusivas”.
Justiniano estaria na ação porque era o diretor presidente do hospital. Sobre ele, não há outras referências. Josceli Roberto estaria na ação porque saberia do que ocorria, mas nada fez. Esta omissão seria o elo dele com os fatos, mas lembro que na improbidade administrativa é preciso o dolo e sua demonstração é essencial. Marcus Vinícius e José Roberto estariam na ação porque trabalhavam no setor de licitações do Hospital Regional e o Ministério Público encontrou algum auxílio médico para familiares de um deles. Neste ponto, o autor não indicou quando o auxílio ocorreu, quem foi a pessoa beneficiada, que outros elementos corroboram sua suspeita (...)".
Sobre os dois funcionários da Neo Line, Luiz Bonaza e Eduardo Bonaza, consta que há movimentação financeira de cerca de R$ 1 milhão, com saques fragmentados. A denúncia, de acordo com David de Oliveira, não cita que eles são entregadores de propina aos agentes públicos e seria necessária a evidência explícita disso na acusação. “Em razão de todo o exposto, é forçoso reconhecer a inépcia da petição inicial, pela falha na narrativa dos fatos”.
Depois da explanação, o magistrado diz que as falhas mencionadas são exceção nos processos propostas na 2ª Vara de Direitos Difusos e, por isso, não há a má-fé conforme defesa dos réus.