Depressão, ansiedade e estresse: não teve mãe que passou ilesa na pandemia
"Eu entrei em crise. Nunca fui uma pessoa muito medrosa, apesar da ansiedade já ser uma coisa que me acompanha... Mas a pandemia me deixou completamente fora de órbita", desabafa a funcionária pública Renata Machado, de 34 anos e mãe de dois meninos.
Renata é o retrato de como a pandemia afetou a saúde mental de mulheres com filhos crianças e adolescentes. Uma pesquisa da UFMS de 2020, que entrevistou 822 mães, de todas as regiões do País, aponta que 83% sentiram maior sobrecarga em cuidar dos filhos durante a pandemia; 39% delas tinham sintomas de estresse pós-traumático; 25% apresentaram sintomas de depressão; 23% estresse e 7% delas ansiedade.
Em teletrabalho desde o início da pandemia, Renata que mora em Corumbá a 419 quilômetros da Capital, ficou em casa com os filhos de 4 e 2 anos, vivendo ainda a angústia de ver o marido trabalhando presencialmente.
"Eu não deixava as crianças saírem, até hoje elas não brincam com amiguinhos, não foram para a escola. Comecei a ter fobia social, e eu sou uma pessoa que saio muito, converso muito, tenho muitos amigos, mas comecei a me enclausurar e ter medo de pessoas por conta do vírus", descreve.
Sozinhos em Corumbá, no sentido de não terem os avós por perto nem familiares, o casal pegou covid-19 ainda no ano passado. "Meu marido pegou logo depois das eleições, e depois pegou de novo agora, foi quando agravou e chegou a ficar hospitalizado e com o pulmão comprometido", recorda Renata.
Os dois vieram então para a Capital onde o marido está há dois meses em tratamento. "E eu fico adiando essa volta para Corumbá, porque lá não temos assistência, não tem médico, não tem família. Estou tentando trabalhar essa ansiedade e sou reticente para ir em psiquiatra, mas estou trabalhando isso em mim para ver o que vou fazer para recuperar a concentração", diz.
Em muitos momentos, Renata verbaliza o que toda mãe tem passado neste último ano. "Me sinto sobrecarregada. Ao mesmo tempo em que fico feliz por ter uma família, tem momentos em que você tem vontade de sair correndo da situação", descreve. Quem já tem ansiedade, como ela, tem visto a desconcentração ser companhia constante quando se sente na frente do computador para trabalhar.
"Meu trabalho exige concentração, e tem hora que eu estou ali fisicamente, mas mentalmente... Estou tendo que fazer um trabalho muito grande de controlar minha ansiedade e me concentrar", resume.
Pesquisa - Feita pelas professoras Tatiana Carvalho e Bruna Moretti Luchesi, do curso de Medicina, e o professor Edirlei Machado dos Santos, do curso de Enfermagem, a pesquisa incluiu o quesito estresse pós-traumático e questões que poderiam influenciar na saúde mental, como por exemplo, quantos filhos a mulher tinha, se estava empregada, se se sentia mais sobrecarregada, se usava medicamento e se tinha alguma doença. "Então nós acabamos indo em outros fatores de caracterização que a gente achou que poderia estar influenciando na saúde mental, e essa pesquisa confirmou que esses fatores realmente influenciaram”, conta Bruna.
Segundo a professora, os dados também mostram que as mulheres que faziam uso de medicamentos, tinham dificuldade para dormir ou eram diagnosticadas com alguma doença, tiveram piora durante a pandemia, se mostrando o grupo mais vulnerável.
E este foi o caso da profissional de saúde que trabalha no município, de 40 anos, percebeu. Pedindo para não ser identificada, ela descreve que sua saúde mental que nunca foi das melhores, piorou.
"Passei uns apertos na pandemia vendo as coisas acontecerem e a gente se sentindo impotente", relata. Mãe de uma menina de 7 anos, o que mais incomodava e até hoje a profissional sente é a ansiedade. "Ficar o tempo todo pensando no que pode acontecer, porque quando você está ansiosa, sua mente vai construindo um cenário muito pior do que realmente é", explica.
A medicação psiquiátrica, que antes da pandemia a profissional já estava na fase do "desmame", teve a dose dobrada. "Eu já ia parar e tive que voltar tudo de novo. O que estava reduzido na metade, aumentou", completa.
Como profissional de saúde, a mãe conta que pediu para sair dos plantões logo no início da pandemia e precisou também se readequar financeiramente. "Os plantões caíram, mas os boletos continuaram, então precisei reorganizar as contas, ao mesmo tempo em que vi as coisas ficarem mais caras, como arroz e feijão", contextualiza.
Na avaliação das pesquisadoras, a mulher que já apresenta uma sobrecarga na sociedade viu isso se intensificar tendo que ajudar nas atividades da escola, participar mais das tarefas domésticas e ainda ter criatividade para poder manter os filhos em casa.
"No contexto da pandemia, a sobrecarga foi muito maior, o acúmulo de papéis e de funções, e tudo isso pode ter gerado uma demanda que a mulher não estava preparada para lidar", explica Bruna. A professora também ressalta que esses resultados reforçam a necessidade de parceiros, familiares e amigos darem apoio às mulheres que são mães.
"Mencionei que mulheres sobrecarregadas tinham uma pior saúde mental, então acho que isso reforça a importância do apoio social, da rede de apoio social. O suporte dos amigos, da família, ele é fundamental – seja para as tarefas domésticas, para as atividades escolares ou mesmo para estar com as crianças enquanto a mãe sai, nem que for para fazer compras no mercado ou para praticar alguma atividade física", diz.
Os dados levantados na pesquisa podem subsidiar a criação de políticas públicas voltadas especialmente para as mulheres que são mães, ainda mais considerando que a duração da pandemia vem se estendendo e os prejuízos podem ser ainda maiores. "As mulheres que usam medicamentos, as que estão sentindo mais sobrecarregadas, as que dormem menos, têm algumas doenças, as que avaliam a sua saúde como ruim – elas indicam alguns grupos que merecem mais atenção quando a gente for pensar em alguma política pública. (…) Eu não consigo ajudar todas as mães maiores de 18 anos que têm crianças e adolescentes, então qual vai ser o meu foco que eu vou ajudar primeiro? A gente tem que pensar nesses grupos", finaliza a professora.