Justiça confirma que delegados não podem exigir dados de IP sem ordem judicial
Sentença garante que provedores só repassem informações técnicas mediante decisão judicial
A Justiça de Mato Grosso do Sul confirmou que provedores de internet não são obrigados a repassar dados de IP de usuários a delegados de polícia sem autorização judicial. A decisão foi proferida pelo juiz Eduardo Lacerda Trevisan, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, no processo movido pela Associação dos Provedores de Internet do Estado de Mato Grosso do Sul contra o Estado.
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A ação foi ajuizada em 2020, depois que empresas associadas começaram a receber ofícios da Polícia Civil solicitando informações de “dados cadastrais de IP”, utilizados para identificar o autor de acessos ou publicações na internet, sem que houvesse autorização judicial prévia. Segundo a entidade, as requisições traziam caráter coercitivo, e algumas empresas se viam pressionadas a entregar os dados, mesmo em desacordo com o Marco Civil da Internet.
Na sentença, o magistrado confirmou uma liminar anteriormente concedida e declarou que os provedores só podem fornecer dados técnicos de conexão (como IP e registros de acesso) mediante ordem judicial. A decisão também impede que as empresas sejam penalizadas ou investigadas por desobediência se deixarem de atender ofícios que exijam esses dados sem decisão judicial.
“Autoriza-se que as empresas associadas não apresentem os ‘dados cadastrais de IP’ sem a necessária ordem judicial, excetuadas as hipóteses de lei especial que autorize”, afirmou o juiz, referindo-se às exceções previstas em legislações específicas, como crimes de lavagem de dinheiro e organizações criminosas.
A decisão reforça a interpretação de que o acesso a informações técnicas de conexão, que permitem identificar usuários na rede, configura quebra de sigilo de dados, exigindo controle judicial. O juiz destacou que o parágrafo 3º do artigo 10 do Marco Civil permite às autoridades requisitarem apenas dados cadastrais básicos como nome, filiação e endereço e não informações de IP, que demandam procedimento específico e autorização judicial.
O magistrado também citou decisões do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que consolidaram o entendimento de que o fornecimento de IPs e portas lógicas de origem, que são elementos técnicos usados para individualizar usuários na internet, só pode ocorrer mediante decisão judicial, para resguardar o direito constitucional à privacidade e à intimidade.
Durante o processo, o Estado de Mato Grosso do Sul argumentou que a obtenção de dados cadastrais não viola o direito à intimidade e que delegados poderiam requisitar as informações diretamente. A Adepol (Associação dos Delegados de Polícia) chegou a ingressar na ação como amicus curiae, defendendo que as autoridades policiais e o Ministério Público possuem dever legal de acesso a esses dados, com base em outras legislações. O Ministério Público Estadual também apresentou parecer, mas o juiz manteve o entendimento de que a regra geral é a necessidade de ordem judicial.
Ao final, a sentença foi parcialmente favorável aos provedores, confirmando o direito de não fornecer dados de IP sem decisão judicial e afastando a possibilidade de punição administrativa ou penal por isso. Ficou negado apenas o pedido para que as autoridades policiais fossem obrigadas a incluir nas requisições a chamada “porta lógica de origem”, informação técnica que ajuda a individualizar usuários, sob o argumento de que a guarda desses dados é obrigação dos próprios provedores, conforme jurisprudência do STJ.
A decisão, sujeita a reexame necessário, reforça em Mato Grosso do Sul um entendimento alinhado com os tribunais superiores: a privacidade dos usuários de internet só pode ser relativizada sob controle judicial, e não por iniciativa administrativa.
 



 

 
 
 
 
