MS teve 99 conflitos por terra em 2024, que afetaram 13 mil pessoas
Maioria dos casos envolve comunidades indígenas e da etnia guarani-kaiowá, com 54 tentativas de assassinato
Em 7ª posição no País, Mato Grosso do Sul registrou 99 conflitos por terra no ano passado, envolvendo 13.906 pessoas, segundo o relatório Conflitos no Campo Brasil 2024, publicado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra). O estado figura entre os principais focos nacionais de disputa fundiária, com destaque para os confrontos envolvendo povos indígenas e da etnia guarani-kaiowá em áreas reivindicadas como terras tradicionais. Apenas 4 casos envolvem trabalhadores sem-terra e outros 11 são brigas entre ribeirinhos e fazendeiros.
RESUMO
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Mato Grosso do Sul registrou 99 conflitos por terra em 2024, afetando 13.906 pessoas, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra. O estado ocupa a 7ª posição nacional em disputas fundiárias, com destaque para confrontos envolvendo indígenas guarani-kaiowá em áreas reivindicadas como terras tradicionais. Os conflitos concentram-se em municípios da fronteira sul, como Amambai, Dourados e Caarapó. Durante o ano, foram registrados dois assassinatos de indígenas e 54 tentativas de homicídio. A Terra Indígena Dourados Amambai Peguá é considerada atualmente o ponto mais tenso no estado.
O Estado também é destaque em outro quesito. A região Centro-Oeste é a que mais apresentou projetos de lei ligados ao Invasão Zero entre 2023 e 2024 na Câmara dos Deputados, abarcando 44% do total. A maior parte desses casos são de autoria de dois sul-mato-grossenses: os deputados Marcos Polon (PL) e Rodolfo Nogueira (PL).
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De acordo com o levantamento, os conflitos se concentram em municípios como Amambai, Antônio João, Caarapó, Douradina, Dourados, Coronel Sapucaia, Iguatemi, Paranhos, Tacuru e Sete Quedas , quase todos na faixa de fronteira sul do estado. Nessas regiões, a CPT identificou uma série de ações contra fazendas instaladas sobre áreas em disputa.
Durante o ano, dois assassinatos entraram no relatório. Em 18 de setembro de 2024, o indígena guarani kaiowá, Neri Ramos da Silva foi morto aos 23 anos, a tiros em confronto com a Polícia Militar Território Nhanderu Marangatu, em Antônio João. No dia 25 do mesmo mês, o STF (Supremo Tribunal Federal) encerrou o conflito que se arrastava por quatro décadas. Em audiência de conciliação, firmou um acordo sobre a demarcação da terra e determinou o pagamento de R$ 146 milhões em indenizações, abrangendo tanto as benfeitorias quanto a terra nua das propriedades.
Três meses depois, outro indígena, o rezador Algimiro, da Aldeia Pirakua, de Bela Vista, também foi assassinato, segundo a investigação, crime motivado por intolerância religiosa. Ainda em 2024, o relatório aponta 54 tentativas de assassinatos, mas apenas com indígenas como os alvos.

Guerra sem fim
Entre os principais registros de conflitos em Mato Grosso do Sul está a Terra Indígena Dourados Amambai Peguá, que se estende por Caarapó e municípios vizinhos, que atualmente é o ponto mais tenso no Estado.
“Esses territórios seguem marcados pela ausência de demarcação e pela violência”, aponta o relatório, que também relaciona os episódios à lentidão dos processos de regularização fundiária. A CPT ressalta que as retomadas, muitas vezes, são a única forma encontrada pelas comunidades indígenas para pressionar o Estado e garantir o direito constitucional às terras de ocupação tradicional.
O levantamento destaca ainda que os conflitos em Mato Grosso do Sul resultaram em ameaças, tentativas de assassinato e destruição de acampamentos indígenas. Em Douradina e Caarapó, por exemplo, foram registradas ações armadas contra famílias Kaiowá, incluindo ataques em sequência nas aldeias Panambi-Lagoa Rica e Dourados Amambai Peguá.
Segundo a CPT, esses episódios configuram “violência contra a pessoa e contra o território”, num cenário de alta tensão e medo constante nas comunidades. O documento também menciona a presença de grupos armados ligados a fazendeiros, e a atuação de pistoleiros em regiões onde há litígios judiciais de longa duração.
Um retrato histórico
Os dados confirmam a permanência de Mato Grosso do Sul como um dos estados mais conflituosos do país no campo, repetindo o padrão histórico registrado pela CPT desde os anos 1980. O estado concentra algumas das áreas indígenas mais antigas em processo de reivindicação, mas com demarcações paralisadas há décadas.
Em 2024, o número de conflitos permaneceu alto mesmo após mudanças no governo federal. A CPT avalia que “a violência agrária segue estrutural, alimentada pela concentração fundiária e pela expansão do agronegócio sobre territórios tradicionais”.
O relatório também chama atenção para a falta de políticas efetivas de mediação de conflitos e de proteção às lideranças indígenas. “A omissão do Estado é parte central da continuidade da violência no campo”, aponta o texto.
Situação no país
No total, o Brasil teve 2.185 ocorrências de conflitos no campo em 2024, o segundo maior número da série histórica da CPT.
A CPT classifica o cenário nacional como de “resistência sob ataque”, em que comunidades indígenas, quilombolas e assentados enfrentam o avanço do agronegócio, a especulação imobiliária e a omissão estatal.
O relatório Conflitos no Campo Brasil 2024 é produzido pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, ligado à CPT Nacional, e reúne dados de todo o país sobre disputas por terra, água, trabalho escravo e violências no campo.


