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Cidades

MS teve 99 conflitos por terra em 2024, que afetaram 13 mil pessoas

Maioria dos casos envolve comunidades indígenas e da etnia guarani-kaiowá, com 54 tentativas de assassinato

Por Ângela Kempfer | 27/10/2025 15:52
MS teve 99 conflitos por terra em 2024, que afetaram 13 mil pessoas
Indígenas durante bloqueio da MS-156 para cobrar água (Foto: Leandro Holsbach)

Em 7ª posição no País, Mato Grosso do Sul registrou 99 conflitos por terra no ano passado, envolvendo 13.906 pessoas, segundo o relatório Conflitos no Campo Brasil 2024, publicado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra). O estado figura entre os principais focos nacionais de disputa fundiária, com destaque para os confrontos envolvendo povos indígenas e da etnia guarani-kaiowá em áreas reivindicadas como terras tradicionais. Apenas 4 casos envolvem trabalhadores sem-terra e outros 11 são brigas entre ribeirinhos e fazendeiros.

RESUMO

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Mato Grosso do Sul registrou 99 conflitos por terra em 2024, afetando 13.906 pessoas, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra. O estado ocupa a 7ª posição nacional em disputas fundiárias, com destaque para confrontos envolvendo indígenas guarani-kaiowá em áreas reivindicadas como terras tradicionais. Os conflitos concentram-se em municípios da fronteira sul, como Amambai, Dourados e Caarapó. Durante o ano, foram registrados dois assassinatos de indígenas e 54 tentativas de homicídio. A Terra Indígena Dourados Amambai Peguá é considerada atualmente o ponto mais tenso no estado.

O Estado também é destaque em outro quesito. A região Centro-Oeste é a que mais apresentou projetos de lei ligados ao Invasão Zero entre 2023 e 2024 na Câmara dos Deputados, abarcando 44% do total. A maior parte desses casos são de autoria de dois sul-mato-grossenses: os deputados Marcos Polon (PL) e Rodolfo Nogueira (PL).

De acordo com o levantamento, os conflitos se concentram em municípios como Amambai, Antônio João, Caarapó, Douradina, Dourados, Coronel Sapucaia, Iguatemi, Paranhos, Tacuru e Sete Quedas , quase todos na faixa de fronteira sul do estado. Nessas regiões, a CPT identificou uma série de ações contra fazendas instaladas sobre áreas em disputa.

Durante o ano, dois assassinatos entraram no relatório. Em 18 de setembro de 2024, o indígena guarani kaiowá, Neri Ramos da Silva foi morto aos 23 anos, a tiros em confronto com a Polícia Militar Território Nhanderu Marangatu, em Antônio João. No dia 25 do mesmo mês, o STF (Supremo Tribunal Federal) encerrou o conflito que se arrastava por quatro décadas. Em audiência de conciliação, firmou um acordo sobre a demarcação da terra e determinou o pagamento de R$ 146 milhões em indenizações, abrangendo tanto as benfeitorias quanto a terra nua das propriedades.

Três meses depois, outro indígena, o rezador Algimiro, da Aldeia Pirakua, de Bela Vista, também foi assassinato, segundo a investigação, crime motivado por intolerância religiosa. Ainda em 2024, o relatório aponta 54 tentativas de assassinatos, mas apenas com indígenas como os alvos.

MS teve 99 conflitos por terra em 2024, que afetaram 13 mil pessoas
Grupo guarani kaiowá em Brasília, cobrando demarcação após assassinato de indígena em setembro de 2024

Guerra sem fim

Entre os principais registros de conflitos em Mato Grosso do Sul está a Terra Indígena Dourados Amambai Peguá, que se estende por Caarapó e municípios vizinhos, que atualmente é o ponto mais tenso no Estado.

“Esses territórios seguem marcados pela ausência de demarcação e pela violência”, aponta o relatório, que também relaciona os episódios à lentidão dos processos de regularização fundiária. A CPT ressalta que as retomadas, muitas vezes, são a única forma encontrada pelas comunidades indígenas para pressionar o Estado e garantir o direito constitucional às terras de ocupação tradicional.

O levantamento destaca ainda que os conflitos em Mato Grosso do Sul resultaram em ameaças, tentativas de assassinato e destruição de acampamentos indígenas. Em Douradina e Caarapó, por exemplo, foram registradas ações armadas contra famílias Kaiowá, incluindo ataques em sequência nas aldeias Panambi-Lagoa Rica e Dourados Amambai Peguá.

Segundo a CPT, esses episódios configuram “violência contra a pessoa e contra o território”, num cenário de alta tensão e medo constante nas comunidades. O documento também menciona a presença de grupos armados ligados a fazendeiros, e a atuação de pistoleiros em regiões onde há litígios judiciais de longa duração.

Um retrato histórico

Os dados confirmam a permanência de Mato Grosso do Sul como um dos estados mais conflituosos do país no campo, repetindo o padrão histórico registrado pela CPT desde os anos 1980. O estado concentra algumas das áreas indígenas mais antigas em processo de reivindicação, mas com demarcações paralisadas há décadas.

Em 2024, o número de conflitos permaneceu alto mesmo após mudanças no governo federal. A CPT avalia que “a violência agrária segue estrutural, alimentada pela concentração fundiária e pela expansão do agronegócio sobre territórios tradicionais”.

O relatório também chama atenção para a falta de políticas efetivas de mediação de conflitos e de proteção às lideranças indígenas. “A omissão do Estado é parte central da continuidade da violência no campo”, aponta o texto.

Situação no país

No total, o Brasil teve 2.185 ocorrências de conflitos no campo em 2024, o segundo maior número da série histórica da CPT.

A CPT classifica o cenário nacional como de “resistência sob ataque”, em que comunidades indígenas, quilombolas e assentados enfrentam o avanço do agronegócio, a especulação imobiliária e a omissão estatal.

O relatório Conflitos no Campo Brasil 2024 é produzido pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, ligado à CPT Nacional, e reúne dados de todo o país sobre disputas por terra, água, trabalho escravo e violências no campo.