Marco temporal foi “sentença de expulsão” e reacendeu conflito em Caarapó
Indígenas reivindicam 11 mil hectares enquanto vivem confinados em área 220 vezes menor

Guyraroká, no coração da soja em Mato Grosso do Sul, é uma das três terras indígenas que tiveram sua demarcação anulada em 2014 por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) com base na tese do marco temporal. A sentença obrigou que os guarani e kaiowá, que há cerca de três décadas reivindicam área de 11,4 mil em Caarapó – cidade sul-mato-grossense a 273 km de Campo Grande –, permanecessem confinados em cerca de 50 hectares e acirrou conflito entre indígenas e fazendeiros na região.
RESUMO
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O conflito em Guyraroká, território indígena em Caarapó, Mato Grosso do Sul, intensificou-se após a decisão do STF em 2014 que anulou sua demarcação com base na tese do marco temporal. Os guarani e kaiowá, que reivindicam 11,4 mil hectares, permanecem confinados em apenas 50 hectares, gerando tensões com fazendeiros locais. A disputa envolve denúncias de violência de ambos os lados. Indígenas relatam ataques com agrotóxicos e agressões físicas, enquanto proprietários rurais acusam invasões e depredações. A área, reconhecida como território indígena pela Funai em 2001, está sob disputa judicial, com processos pendentes que incluem pedido de indenização de R$ 170 milhões por danos à comunidade.
O que era para ser o “terreiro dos pássaros” – significado de Guyraroká, na tradução do guarani para o português – virou palco de violência. De um lado, a comunidade denuncia ataques por parte de funcionários das fazendas a mando de produtores rurais, com direito a “banho de veneno” em acampamento, que não poupa crianças e idosos. Do outro, fazendeiros acusam indígenas de invasões, incêndios e depredações do maquinário e das lavouras.

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A área batizada de Guyraroká, pelos guarani e kaiowá, foi reconhecida como de ocupação indígena em 2001, em relatório antropológico da Funai (Fundação Nacional do Índio). A demarcação como Terra Indígena veio em 2009 e, cinco anos depois, a declaração da posse tradicional foi suspensa pelo STF. Em 2018, a defesa da comunidade entrou com ação rescisória, pedido que ainda não foi julgado.
Em 2013 – antes da suspensão do processo demarcatório, portanto –, o MPF (Ministério Público Federal) havia ajuizado ação cobrando indenização de R$ 170 milhões por danos morais e materiais sofridos pela comunidade indígena, “expulsa de seu território tradicional há 100 anos”, no processo de colonização de Mato Grosso do Sul. O processo ainda não teve desfecho.
Mas a longa batalha judicial, que se reflete em guerra no campo, começou muito antes, em 1999, quando indígenas “retomaram” a tekoha (terra) que incide sobre a Fazenda Santa Claudina, que pertence ao deputado estadual Zé Teixeira (PSDB) e à família. Os indígenas deixaram a propriedade após negociações, mas, no ano seguinte, ocuparam outra fazenda na mesma região.
Os ruralistas argumentam que a demarcação incide sobre 26 propriedades, compradas de boa-fé, e que, na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, os indígenas não estavam na área, o que, segundo a tese do marco temporal, é condição indispensável para a demarcação.
Acontece que, segundo a comunidade, naquela época, os guarani e kaiowá estavam realmente esparramados pelo sul do Estado, em reservas criadas pelo governo federal entre 1910 e 1920 ou em pequenos acampamentos que mudavam de lugar sempre que as famílias sofriam ataques.
Disputa acirrada – Desde 2014, indígenas narram escalada na violência numa tentativa de expulsá-los da área reivindicada. Conforme relatos feitos via Cimi (Conselho Indigenista Missionário), há casos de agressões físicas, tentativas de sequestro e de atropelamentos. Tudo orquestrado por fazendeiros e executado por homens armados contratados como seguranças particulares.
Além de tais investidas, a pulverização de agrotóxicos contra a comunidade também seria uma das estratégias de “extermínio” adotadas pelos produtores rurais.
O uso do solo na região mudou a partir de 2019. Até 2018, predominava a pastagem para criação de gado, sem necessidade de aplicação de veneno; depois, as fazendas migraram para soja e milho, culturas que se revezam em Mato Grosso do Sul.
Desde então, os Guarani-Kaiowá afirmam que parte das substâncias é propositalmente borrifada sobre eles por aeronaves agrícolas. Os efeitos são quase imediatos e começam com dores de cabeça e no estômago, que evoluem para vômito e diarreia, além da coceira que castiga a pele e os olhos.
A última ocupação começou em 21 de setembro deste ano e o Cimi acusa o Estado de usar forças policiais como “segurança particular” da Fazenda Ipuitã. A PM (Polícia Militar) está no local por determinação da Justiça Federal, a pedido de Luzia Mei de Oliveira, dona da propriedade rural.
A liminar, contudo, é considerada arbitrária pela entidade que representa os indígenas. O temor é que haja violência policial contra a comunidade. O despacho judicial, segundo o Cimi, “guarda semelhanças com o caso da TI Nhanderu Marangatu, em Antônio João (MS), quando a Justiça também determinou a presença da PM – convertida a uma espécie de segurança privada – na antiga Fazenda Barra. Durante a retomada do território, um atirador da polícia assassinou Neri com um tiro na cabeça”.
Já a PM informou à reportagem que está agindo por ordem judicial, “da melhor forma possível, primando pela segurança de todos os envolvidos”.

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