Vômito, dor, coceira: banho de veneno em aldeia não poupa 12 bebês e 37 crianças
“A gente não consegue plantar porque perde tudo o que a terra produz”, diz liderança
Quando a aeronave que pulveriza agrotóxico na lavoura de soja está no céu, os guarani-kaiowá de Guyraroká, em Caarapó, a 274 km de Campo Grande, logo sentem, em terra, os efeitos do veneno. A intoxicação começa com dor de cabeça e no estômago, que evolui para vômito e diarreia. Além da coceira que castiga a pele, em especial os olhos.
RESUMO
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A comunidade indígena Guarani-Kaiowá da Terra Indígena Guyraroká, em Caarapó (MS), enfrenta graves problemas de saúde devido à pulverização de agrotóxicos em lavouras de soja vizinhas. Os 120 moradores, incluindo 12 bebês e 37 crianças, sofrem com sintomas como vômitos, dores e coceira após as aplicações. A situação agravou-se desde 2019, quando fazendas da região substituíram a pecuária por cultivos de soja e milho. Pesquisadores detectaram até 11 tipos diferentes de agrotóxicos nas fontes de água que abastecem a aldeia. A área, declarada indígena em 2009, teve seu reconhecimento anulado pelo STF em 2014 e aguarda novo julgamento.
Os efeitos atingem a todos na aldeia com 120 pessoas, mas o “banho de veneno” é mais severo para os vulneráveis, como as crianças e idosos. A comunidade tem 12 bebês, 37 crianças e quatro gestantes. Também moram lá seis idosos.
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Os sintomas são descritos à reportagem pela voz de quem vive na aldeia há 26 anos. Mas o entrevistado pede para não ter o nome divulgado por medo de sofrer retaliação de fazendeiros.
Nos últimos tempos, o uso do solo mudou na região. Até 2018, predominava pastagem para criação de gado, sem pulverização de veneno. De 2019 em diante, as fazendas migraram para soja e milho, culturas que se revezam em Mato Grosso do Sul.
Com as sucessivas pulverizações de agrotóxicos, os indígenas não conseguem cultivar alimentos para subsistência. Não há mais plantio de milho, amendoim, abóbora, melancia, mandioca e arroz.
“A gente não consegue plantar porque perde tudo o que a terra produz”. O entrevistado afirma que os indígenas, que chegaram a ocupar a Fazenda Ipuitã no dia 21 de setembro em protesto ao uso dos herbicidas, não buscam ampliar a terra indígena, mas o cumprimento do que está previsto na demarcação.
“Não estamos ampliando o 'nosso chiqueiro', como chamam nós. Queremos plantar, produzir e fazer o reflorestamento”, diz a liderança indígena.
Carga escondida na mata – Em julho deste ano, operação conjunta da Força Nacional e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), coordenada pelo Ministério Público Federal em Dourados, apreendeu mais de 200 quilos de agrotóxicos contrabandeados do Paraguai. A carga estava em área de mata nas terras indígenas.
O serviço de inteligência da Força Nacional identificou que os criminosos utilizavam a mata fechada como esconderijo para dificultar a responsabilização legal. Um dos pontos de armazenamento só pôde ser acessado com o auxílio de um trator, dados a densidade da vegetação e o volume do material escondido.
Demarcação e indenização - A Terra Indígena Guyraroká foi declarada como de posse tradicional dos guarani-kaiowá em 2009 pelo Ministério da Justiça. No entanto, uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2014, anulou o reconhecimento dos 11 mil hectares reivindicados pela comunidade. Em 2018, os indígenas entraram com ação rescisória da decisão do STF e aguardam julgamento. A última movimentação do processo foi em julho de 2024.
Em 2013, o MPF ajuizou ação cobrando indenização de R$ 170 milhões por danos morais e materiais sofridos pela comunidade indígena Guyraroká, expulsa de seu território tradicional há 100 anos, no processo de colonização de Mato Grosso do Sul. O pedido é contra a União e a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). O processo ainda não teve desfecho.
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