Mulher ameaça processar pai por vacinar filha de 9 anos: pode isso?
Presidente da Comissão de Direito da Família da OAB-MS explica casos de guardas compartilhada e unilateral
O pai levou a filha para tomar a vacina contra a covid-19, mesmo sabendo que a mãe não aprovaria. Os dois têm a guarda compartilhada da menina de 9 anos de idade. Quando soube que a filha foi vacinada, a mãe ameaçou entrar na justiça contra o pai. Como a situação envolve uma criança, os nomes não serão revelados, mas o caso, ocorrido em Campo Grande, é explicado por uma especialista.
Pode a mãe processar o pai por ter vacinado a filha? E se a guarda não fosse compartilhada e sim unilateral, da mãe, poderia o pai levar a filha para vacinar?
A presidente da Comissão de Direito da Família da OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil), Paula Guitti, responde essas questões e explica como os pais devem proceder em casos de divergências.
Compartilhada - O pai pode vacinar a filha mesmo se a mãe não quiser, segundo Paula. O mesmo serve para outro responsável que tenha a guarda. Isso porque a vacina entra no rol do direito à saúde, que é uma garantia prevista na Constituição Federal.
“Crianças e adolescentes são sujeitos em estágio peculiar de desenvolvimento. Isso significa que cabe aos pais ou guardiões tomarem todas as medidas para que a criança ou adolescente tenha o direito à saúde e a imunização faz parte do direito à saúde”, explica.
Assim como ocorre com qualquer outra vacina, se a criança pegar a doença e tiver um sofrimento que poderia ter sido evitado pela imunização, então os pais falharam e podem responder judicialmente, segundo a advogada.
“A mãe não tem direito de, por uma ideologia, ferir uma garantia constitucional da criança”, explica a advogada Paula Guitti.
Unilateral - Nos casos em que a guarda é unilateral, ou seja, só do pai ou só da mãe, aquele que quiser vacinar o filho pode levar a criança ou o adolescente para imunização, conforme a especialista.
“Se o pai não é detentor da guarda, ele tem por determinação da lei o dever de vigiar e acompanhar todo o crescimento do filho, pois é detentor do poder familiar e cabe a ele o exercício da paternidade. Ele tem direito à convivência. Então, como detentor do poder familiar, ele deve levar a filha para vacinar”, explica Paula.
Somente em casos em que o pai ou mãe perderam ou tiveram suspenso pela Justiça o poder familiar, eles não poderiam conviver com o filho e levá-lo para vacinação. Paula explica que a Justiça suspende ou retira o poder familiar em casos muito graves como, por exemplo, quando um pai abusou do filho ou foi autor de maus tratos que feriram a dignidade.
E se a criança não quer a vacina? “Criança e adolescente não tem que querer”, lembra a advogada.
“Perante a lei, quem tem menos de 18 anos não tem capacidade civil de tomar decisões, pois são sujeitos em estágio peculiar de desenvolvimento. Pai e mãe que deixam de tomar os cuidados com os filhos não estão exercendo o poder familiar de forma adequada. Tem que vacinar, assim como tomou a vacina do sarampo, rubéola, caxumba, hepatite e diversas outras, tem que tomar da covid”, argumenta.
Na Justiça - Dificilmente, advogados especialistas em direito de família e direito de infância aceitariam defender na Justiça uma mãe ou pai que questionam a vacinação do filho, na opinião de Paula.
Na semana passada, o IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) se manifestou defendendo a urgência da imunização de crianças em atenção ao princípio da proteção integral. O STF (Supremo Tribunal Federal) definiu como “ilegítima a recusa dos pais à vacinação compulsória de filho menor por motivo de convicção filosófica”.
A decisão do STF foi em caso de pais veganos obrigados a submeterem o filho às vacinações definidas como obrigatórias pelo Ministério da Saúde.
Objeto de disputa - O que também não deve ocorrer, lembra a advogada, é fazer com que a criança ou adolescente vire um “objeto de disputa”.
No caso da menina de 9 anos vacinada em Campo Grande contra a vontade da mãe, o pai, por estar convicto de que zelou pelo direito à saúde da filha, postou foto em rede social anunciando que a filha vacinou e mencionou a “mãe”, entre aspas.
“Houve uma provocação. Isso não pode ser feito. Acertos devem ser resolvidos pelo casal, que não é mais um casal conjugal, mas sim um casal parental, senão a criança sai do lugar dela de sujeito em estágio de desenvolvimento para para objeto de disputa entre os pais”, esclarece a advogada.