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Capital

Acidente de avião que matou morador de MS faz 10 anos sem punições

Elaine Patricia Cruz, da Agência Brasil | 15/07/2017 09:52
Acidente com avião da TAM matou mais de cem pessoas em 2007 e não teve culpados (Foto: Milton Mansilha/Agência Lusa)
Acidente com avião da TAM matou mais de cem pessoas em 2007 e não teve culpados (Foto: Milton Mansilha/Agência Lusa)
José Américo Flores do Amaral, ex-secretário de Estado de MS, morto no acidente (Foto: Reprodução)
José Américo Flores do Amaral, ex-secretário de Estado de MS, morto no acidente (Foto: Reprodução)

Passados dez anos, ninguém foi condenado pelo acidente com o Airbus A320 da TAM, ocorrido em 17 de julho de 2007 e que matou 199 pessoas. Nesses anos, o caso foi julgado pela primeira e segunda instâncias da Justiça Federal e todos os denunciados pelo Ministério Público Federal foram absolvidos.

A absolvição dos acusados já causava revolta nos familiares de vítimas, entre eles o ex-secretário de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Agrário de Mato Grosso do Sul, entre 1990 a 1994, José Américo Flores do Amaral, uma das vítimas fatais, a única do Estado.

Amaral morava em Campo Grande, tinha 63 anos e deixou quatro filhos. Na época trabalhava como diretor-presidente do maior empreendimento da suinocultura sul-mato-grossense, a Granja Carrols Food, com mais 13 mil matrizes.

“É um absurdo, total sensação de impunidade”, disse a jornalista Monique Klein Rocha, ex-mulher de Amaral, ao Campo Grande News em 2015. "Se passaram quase oito anos desde o ocorrido e temos uma notícia desta. Isso indigna porque quem agora vai responder por isso, será que a culpa vai recair sobre os pilotos que já estão mortos.”

É justamente o que apontam as investigações do cado, investigado por três órgãos. Um deles, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Aeronáutica, que concluiu que uma série de fatores contribuíram para o acidente. O relatório constatou, entre vários pontos, que os pilotos movimentaram, sem perceber, um dos manetes para a posição idle (ponto morto) e deixaram o outro em posição climb (subir). O sistema de computadores da aeronave entendeu que os pilotos queriam arremeter (subir).

O documento também relata que não havia um aviso sonoro para advertir os pilotos sobre a falha no posicionamento dos manetes e que o treinamento dos pilotos era falho: a formação teórica dos pilotos, pelo que se apurou na época, usava apenas cursos interativos em computador. Outro problema apontado é que o co-piloto, embora tivesse grande experiência, tinha poucas horas de voo em aviões do modelo A320, e que não foi normatizada, na época, a proibição em Congonhas de pousos com o reverso (freio aerodinâmico) inoperante, o que impediria o pouso do avião nessas condições em situação de pista molhada.

A Latam Airlines negou que houvesse falhas no treinamento dos pilotos. “O programa de treinamento da companhia já se encontrava dentro do previsto e conforme regulamentações do setor, inclusive com conteúdo e carga horária conforme padrões mundiais”, informou. Segundo a Latam, tanto o treinamento quanto os procedimentos dos pilotos são feitos conforme padrões mundiais de segurança e norteados pelos manuais do fabricante e aprovados pelas autoridades do país de origem e órgãos reguladores.

O Cenipa, no entanto, não é um órgão de punição, mas de prevenção. Ele não aponta culpados, mas as causas do acidente. O relatório sobre o acidente, portanto, dá informações e 83 recomendações para que tragédias como essa não se repitam. O relatório feito pela Aeronáutica contribuiu para outras duas investigações, feitas pela Polícia Civil e pela Polícia Federal, que levaram, no entanto, a conclusões bem diferentes sobre os culpados.

O caso foi investigado inicialmente pela Polícia Civil de São Paulo, que decidiu indiciar dez pessoas pelo acidente, entre elas funcionários da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da companhia aérea TAM. Após o indiciamento policial, o processo foi levado ao promotor Mário Luiz Sarrubbo, do Ministério Público Estadual paulista, que incluiu mais um nome e denunciou 11 pessoas pelo acidente. “O acidente poderia e deveria ter sido evitado. A aeronave, com o reverso inoperante, não poderia pousar naquela pista naquela circunstância”, disse o promotor.

Por meio de nota, a Infraero informou que “não falhou”. “Restou comprovado, pelo Cenipa, que não houve falha do administrador na liberação da pista. O acidente envolvendo o A320 da TAM foi rigorosamente investigado, conforme Relatório Final da Investigação. As conclusões dispostas no referido documento não apontam a pista como fator contribuinte ao acidente”, diz o órgão. A empresa disse ainda que chegou a prestar esclarecimentos à Justiça e que, no decorrer da ação, a empresa foi excluída do processo.

A denúncia do promotor não foi levada à Justiça estadual. O processo foi remetido ao Ministério Público Federal porque, no entendimento do promotor, o caso se tratava de crime de atentado contra a segurança do transporte aéreo, competência federal.

“Em dado momento, na nossa investigação, detectamos que havia muitas questões envolvendo a empresa aérea, o nível de segurança, erros em cadeia que resultaram nos erros fatais cometidos na cabine e, evidentemente, uma sequência anterior envolvendo a empresa, a Anac, a Infraero. Havia também problemas na pista, da falta de grooving. Então era muito mais uma questão sistêmica do que isolada. Quando concluímos a investigação estadual, me manifestei que havia indícios de crime de atentado contra a segurança do transporte aéreo e pedi a remessa dos autos para a Justiça Federal, ou seja, para o Ministério Público Federal”, disse Sarrubbo.

Por se tratar de um acidente aéreo, o caso também foi investigado pela Polícia Federal, que finalizou sua investigação decidindo culpar apenas os dois pilotos, Kleyber Lima e Henrique Stefanini Di Sacco, pela tragédia. O inquérito da Polícia Federal se transformou em denúncia e, nesse documento, que foi aceito pela Justiça, o procurador Rodrigo de Grandis decidiu, ao contrário do indiciamento da Polícia Federal, denunciar três pessoas pelo acidente.

Bombeiros trabalham no resgate de vítimas e corpos no dia seguinte ao ocorrido (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
Bombeiros trabalham no resgate de vítimas e corpos no dia seguinte ao ocorrido (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

A ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu, o então vice-presidente de operações da TAM, Alberto Farjeman, e o diretor de Segurança de Voo da empresa na época, Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro foram denunciados pelo Ministério Público por “atentado contra a segurança de transporte aéreo”, na modalidade culposa. Eles foram absolvidos pela Justiça de primeira instância e também pelo Tribunal Regional Federal.

Os três viraram réus e foram julgados pelo juiz Márcio Assad Guardia, da 8ª Vara Federal Criminal de São Paulo que, em 2015, absolveu-os. Para o juiz, eles não agiram com dolo (intenção).

“[Eles] não praticaram o crime de exposição de aeronave a perigo previsto no Artigo 261 e do Código Penal, seja porque as condutas a eles atribuídas não correspondem à figura típica abstratamente prevista na norma [ausência de subsunção do fato ao tipo], seja porque não se encontram no desdobramento causal – normativo ou naturalístico – do resultado”, diz o juiz na sentença. “De acordo com as premissas apresentadas pelo órgão acusatório [MPF], seria possível imputar a responsabilidade penal pelo sinistro ocorrido em 17 de julho de 2007 a um contingente imensurável de indivíduos, notadamente pela quantidade e pelo grau de desvirtuamento apresentados no curso do processo”. No mês passado, o TRF manteve a decisão de primeira instância e a absolvição dos réus.

Apesar da demora e da absolvição dos réus nas instâncias iniciais, as famílias ainda acreditam em condenação, que seria obtida através de recurso interpelado pela associação de familiares das vítimas fatais do acidente, em ação.

"Continuo entendendo que, na realidade, quando o avião se chocou com o prédio da TAM, ali não foi o início da tragédia. Ali foi o fim da tragédia. O início da tragédia foi a autorização do pouso [no aeroporto de Congonhas]. Essa autorização, nas circunstâncias da pista, nas circunstâncias do avião, naquele momento chuvoso, com pista escorregadia, o avião com o reverso pinado, voo lotadíssimo, não deveria ocorrer. Algumas pessoas deveriam garantir que isso não ocorresse e terminaram não cumprindo com seus deveres”, disse o advogado das famílias, Ronaldo Augusto Bretas Marzagão, na época secretário estadual da Segurança Pública de São Paulo.

De acordo com o advogado, “a luta continua”. “Se ainda tivermos recursos para as cortes superiores, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, continuaremos lutando porque estamos lutando em nome da memória de 199 pessoas mortas. E também estamos lutando para que o Brasil, alertado por essa tragédia, trabalhe incessantemente para que ela não mais ocorra.”

“Essa questão, eu digo para as famílias, não terminou. Tenho convicção de que a Justiça ainda dará uma resposta ao recurso pendente de apreciação. Tenho a firme convicção de que nós teremos uma resposta positiva da Justiça com a responsabilização penal daqueles que atuaram, eu insisto, não dolosamente, mas daqueles que colaboraram para esse tipo de evento”, disse o promotor Sarrubbo.

Histórico - Eram aproximadamente 18h48 do dia 17 de julho de 2007 quando o Airbus A 320 da TAM, que vinha do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, tentou pousar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. A pista estava molhada e, por causa de uma reforma recente, não tinha grooving (ranhuras, que facilitam a frenagem do avião). De acordo com as investigações, por um erro no posicionamento dos manetes, que determinam a aceleração ou reduzem a potência do motor, a aeronave não parou. Um dos manetes estava na posição de ponto morto (idle), mas o outro em posição de aceleração.

O airbus atravessou a pista, passou sobre a Avenida Washington Luís e bateu num prédio de cargas da própria companhia, provocando a morte de 199 pessoas.

A situação da pista gerava, segundo investigação do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Força Aérea, uma certa preocupação e desconforto para os pilotos que tinham que pousar em Congonhas, principalmente quando chovia, como era o caso do dia do acidente.

Além disso, segundo o relatório do Cenipa, que investigou todas as causas do acidente e apontou uma série de recomendações para prevenir futuros acidentes, outro problema foi que o avião operava com um reverso (sistema de freio aerodinâmico do motor) desativado (pinado), o que exigiria mais pista para parar a aeronave.

Nesses dez anos, a TAM se juntou à empresa aérea chilena LAN, fusão que ocorreu no dia 5 de maio de 2016, e virou Latam Airlines, ou somente Latam como está estampado em suas aeronaves.

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