Em audiência, delegado detalha pressões e bastidores de retirada da Homicídios
Carlos Delano deu nome das pessoas da Polícia Civil que foram responsáveis por recados
Após mais de dois anos o delegado Carlos Delano, atual titular da DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio), detalhou nesta manhã em audiência judicial os episódios que, em 2019, levaram a ser removido do comando das investigações dos homicídios apurados pela operação Omertà. Entre os fatos, está a abordagem a Flávio Correia Jamil Georges, o "Flavinho", filho de Fahd Jamil, que está foragido e é réu como chefe de organização criminosa.
O depoimento aconteceu na manhã desta quarta-feira (30) durante audiência apura os crimes denunciados na 3ª fase da, a Armagedon e envolve a organização criminosa liderada por “Fuad” e Flavinho em Ponta Porã, com o grupo de Jamil Name e Jamil Name Filho, em Campo Grande.
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Ao responder os promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) Delano revelou que a pressão para sair da delegacia começou 20 dias antes da publicação de transferência, logo depois de abordar Flávio Correia Jamil Georges, o Flavinho, na saída de uma padaria do Jardim dos Estados.
“A abordagem dele custou minha remoção da delegacia. O que sei é a influência dele na Polícia em Mato Grosso do Sul”
De forma detalhada, o delegado explicou que no dia 3 de abril de 2019 recebeu denúncias de que foragido da justiça de Ponta Porã estavam em Campo Grande com a mesma caminhonete que circulada em Pedro Juan Caballero. O suspeito era Thyago Machado Abdul Ahad, procurado por matar uma pessoa durante briga na fronteira de Mato Grosso do Sul e Paraguai.
Todos os policiais da unidade se mobilizaram e foram a padaria indicada na denúncia. Delano contou aos promotores que não conhecia Thiago pessoalmente, então analisou fotos do suspeito e ao chegar no estabelecimento viu homem parecido deixar o local. Decidiu então fazer abordagem.
Outras três pessoas estavam com o “possível suspeito” e todos tiveram o documento verificados pelos policiais. Entre o grupo estava Flavinho. Nesta manhã, o delegado lembrou ter explicado a ele sobre a caminhonete citada na denúncia e em resposta ter ouvido que Thyago era seu primo, mas o veículo era dele.
Nada ilícito foi encontrado e as equipes de investigação voltaram para a unidade. Naquele mesmo dia Delano havia assumido a chefia da Delegacia Especializada, mas horas depois da abordagem, passou a receber pedidos para abandonar o cargo. Nas palavras dele, o “assédio” partiu do diretor do departamento de polícia especializada, Pedro Espindola de Camargo.
Delano revelou que o delegado demonstrou desagrado com a atuação policial minutos atrás e o orientou a deixar a delegacia especializada para evitar conflitos.
Ele falou para mim: esses caras são loucos, você não sabe quem eles são. Fala que você tá doente e peça para sair, que é melhor para todo mundo”, narrou.
O delegado, na audiência disse ter se negado e continuado como titular da unidade. Dias depois, Matheus Coutinho Xavier, 20 anos, foi assassinado a tiros de fuzil no lugar do pai, o ex-policial militar Paulo Roberto Teixeira Xavier.
Diante da morte do filho, o verdadeiro alvo do atentado relatou detalhes importantes para a investigação e lembrou que dias antes suposto “hacker” se passou por mulher e tentou marcar um encontro com ele, que na realidade se tratava de uma emboscada.
Com o contato do suspeito em mãos, a investigação chegou a Eurico dos Santos Mota no dia 23 de abril. Foi a partir da prisão do suposto hacker que a polícia descobriu o nome dos executores de Matheus e mais tarde, comprovaram a ligação da organização criminosa de Jamil Name no crime.
“Levamos ele [Eurico] para delegacia e começamos a receber uma enxurrada de ligações de gente perguntando se tínhamos prendido alguém relacionado à morte do Matheus. Em determinada hora da tarde falei que sim. Horas depois recebi a visita do emissário da Delegacia-Geral me avisando remoção da DEH”.
A justificativa do emissário, conta Delano, era de que ele estava recebendo “ameaças de Ponto Porã” e a Polícia Civil não queria “outro delegado morto”, uma referência ao assassinato de Paulo Magalhães. “Questionei quem estava me ameaçando, mas não quiseram falar”, reforçou na audiência.
“A própria Delegacia-Geral estava sendo usada para me ameaçar, assim que eu vejo isso. A diretória da Polícia Civil estava sendo usada para verbalizar as ameaças contra mim”, afirmou o delegado categoricamente.
Perguntado por advogados sobre quem foi o emissário, o delegado deu o nome de Roberto Gurgel de Oliveira Filho, atualmente diretor da Academia de Polícia Civil.
Desconfiança entre colegas – Na época dos fatos, as mudanças na delegacia chamaram atenção justamente pela recente promoção do delegado a titular da unidade e também por sua participação em apurações de grande repercusão . Com a Omertà outro detalhe na remoção de Delano veio à tona: a volta do delegado Márcio Shiro Obara ao comando da delegacia.
Nesta manhã, Delano lembrou que abordar Flavinho em frente a padaria, no dia 3 de abril, ouviu do filho de “Fuad” que Obara era seu amigo. Os dias de passaram e assim que foi removido da DEH, a cadeira de titular da Especializada retornou ao colega que havia saído dias antes do cargo.
Meses depois, o Obara foi preso por receber propina para “abafar” as investigações de homicídio que envolveriam o grupo criminoso. Aos promotores, Delano lembrou de uma conversa com o colega logo que a força-tarefa foi montada. “Perguntou se não nos daríamos por satisfeitos em identificar os executores, que essa investigação ia tomar proporções grandes e envolvia as duas maiores organizações de Mato Grosso do Sul”.
Mesma conversa, segundo ele, teria acontecido com os delegados Fábio Peró e João Paulo Sartori. Os dois delegados já relataram isso.
Quando as mudanças citadas por Delano aconteceram, a Polícia Civil se manifestou afirmando que eram trocas comuns e negando qualquer tipo de ligação com a operação Omertà.
Os depoimentos que acontecem ao longo do dia estavam agendados terça-feira (29), mas foram adiados em respeito a morte do empresário Jamil Name, de 82 anos, réu no processo e pai de um dos envolvidos, em decorrência de complicações do covid-19.