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Economia

Inocência corre contra o tempo para abrigar investimento de US$ 4,6 bi da Arauco

Prefeitos do Vale da Celulose cobram apoio emergencial da União para evitar colapso de serviços básicos em MS

Por Viviane Monteiro, de Brasília | 25/11/2025 18:48
Inocência corre contra o tempo para abrigar investimento de US$ 4,6 bi da Arauco
Inocência era município com pouco mais de 8 mil habitantes até censo de 2022 (Foto: Paulo Francis/arquivo)

A corrida da Prefeitura de Inocência (MS), município de apenas 8 mil habitantes, para atender o fluxo crescente de trabalhadores atraídos pela mega fábrica de celulose da Arauco, prevista para entrar em operação em 2027, impõe um desafio demográfico, logístico e político. O prefeito descreve o avanço como uma “bênção”, embora exija ação imediata.

RESUMO

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A cidade de Inocência, em Mato Grosso do Sul, enfrenta desafios sem precedentes com a instalação da fábrica de celulose da Arauco, um investimento de US$ 4,6 bilhões previsto para 2027. O município, que tinha 8 mil habitantes, já viu sua população dobrar e pode chegar a 28 mil pessoas no pico da produção. A explosão demográfica tem pressionado serviços básicos como saúde, educação e moradia. Os aluguéis dispararam, chegando a R$ 20 mil mensais. Para enfrentar a situação, a prefeitura busca apoio estadual e federal, enquanto a Arauco promete contrapartidas, incluindo alojamentos para 12 mil trabalhadores e investimentos em infraestrutura.

Em poucos meses, a população dobrou para cerca de 16 mil pessoas, somando moradores e trabalhadores envolvidos no plantio e nas atividades prévias ao empreendimento. Entre janeiro e fevereiro do próximo ano, devem chegar outros 6 mil trabalhadores para o início da construção da fábrica. No pico da produção, por volta de 2027, o número de habitantes pode alcançar entre 27 mil e 28 mil pessoas, um salto populacional de 3,5 vezes em tempo recorde.

Sem infraestrutura básica para absorver investimentos bilionários, Inocência tornou-se o epicentro dos gargalos do Vale da Celulose, diante de pressões simultâneas nos serviços de saúde, educação, segurança e mobilidade, enquanto tenta ampliar sua rede pública e buscar apoio estadual e federal.

Inocência corre contra o tempo para abrigar investimento de US$ 4,6 bi da Arauco
Autoridades na audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Regional do Senado

O tema dominou a audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Regional do Senado, realizada nesta terça-feira (25), em Brasília, com participação de prefeitos, representantes do setor produtivo e dos governos estadual e federal.

“No pico da produção da fábrica, quando novos trabalhadores forem contratados, acredito que ficaremos com cerca de 28 mil habitantes”, afirmou o prefeito Antônio Ângelo Garcia dos Santos, o Toninho.

Ao conduzir o debate, o senador Nelsinho Trad (PSD) ressaltou que os 6 mil trabalhadores previstos para chegar no início de 2026 representam 80% da antiga população de Inocência. Ele questionou como administrar uma cidade de 8 mil moradores que, de repente, multiplica sua população e afirmou que uma cidade nessas condições precisa de políticas públicas diferenciadas.

O senador agradeceu a sugestão do ex-senador Waldemir Moka (MDB), secretário de Relações Institucionais de Mato Grosso do Sul em Brasília, que propôs a realização da audiência para chamar a atenção do governo federal.

Inocência corre contra o tempo para abrigar investimento de US$ 4,6 bi da Arauco
Prefeito durante audiência pública que discutir a expansão da celulose nesta terça-feira

Em entrevista ao Campo Grande News, o prefeito Toninho confirmou ter sido internado por estresse diante das pressões para organizar a cidade. Ele relatou ter tido arritmia devido ao volume de responsabilidades e afirmou estar se cuidando mais.

A previsão inicial de inauguração da fábrica era 2028, mas a Arauco antecipou para 2027, elevando o investimento de US$ 3,5 bilhões para US$ 4,6 bilhões, o equivalente a mais de R$ 25 bilhões. A unidade terá capacidade de 3,5 milhões de toneladas de celulose ao ano, o maior projeto do mundo implantado de uma só vez.

“Temos recebido essa fábrica como uma bênção de Deus. Existem desafios, claro, mas estamos nos preparando desde 2022”, declarou o prefeito.

Apesar desse preparo, ele afirmou que a ficha caiu apenas quando o anúncio oficial foi feito e que tudo veio de uma vez, incluindo demandas por saúde, educação, infraestrutura e segurança.

Inocência corre contra o tempo para abrigar investimento de US$ 4,6 bi da Arauco

Valorização imobiliária e déficit habitacional

O primeiro impacto foi a disparada no preço dos aluguéis. Imóveis antes locados por cerca de R$ 1 mil hoje chegam a R$ 20 mil, dependendo da localização. A pressão imobiliária atinge todos os 12 municípios do Vale da Celulose, que concentram unidades da Suzano, Eldorado e Bracell e, daqui a dois anos, a Arauco.

Toninho destaca a moradia como um dos principais gargalos. Ele cita contrapartidas da Arauco previstas no PBA (Plano/Projeto Básico Ambiental), incluindo construção de alojamentos para 12 mil trabalhadores e investimentos em saúde, segurança e educação, como novos quartéis da PM e Bombeiros.

Inocência corre contra o tempo para abrigar investimento de US$ 4,6 bi da Arauco
Crianças atravessão rua em frente a escola estadual em Inocêncoa (Foto: Paulo Francis/arquivo)

Capacitação e expansão das escolas

Outros acordos envolvem formação profissional. Com a Fiems e o Sesi, a prefeitura doou uma área de 34 mil metros quadrados para construir duas escolas a partir de 2025, com investimento de R$ 45 a R$ 50 milhões. Uma será para educação básica e outra para formação técnica. A meta é inaugurá-las até o fim de 2027, junto com a fábrica.

O município também amplia sua própria rede. Uma creche para 300 crianças está sendo construída, outra foi reformada para atender mais 70 a 80 crianças, e uma terceira está em execução para 220 vagas. O prefeito avalia que há necessidade de uma nova escola maior, com pelo menos 13 salas de aula.

Necessidade de apoio federal para infraestrutura

O representante do MIDR (Ministério da Integração), Edgar Azevedo Caetano, defendeu planejamento conjunto e um comitê intermunicipal para discutir infraestrutura e outros pontos. O objetivo seria organizar demandas, classificar responsabilidades entre os entes federativos e elaborar uma carteira de projetos. Ele avaliou como válida a iniciativa, já que o Vale da Celulose é reconhecido legalmente pelo Estado.

Caetano mencionou risco de insegurança alimentar por possível migração de trabalhadores da agricultura para a indústria, mas encerrou a audiência descartando a preocupação após explicações sobre programas estaduais de bioeconomia.

Para Toninho, o principal gargalo na infraestrutura da região de Inocência está nas estradas vicinais. Ele relatou que as estradas são de terra, primárias, e que isso prejudica o transporte de madeira, o fluxo de ônibus escolares na zona rural e a pecuária. Com a megafábrica, haverá circulação intensa de bitrens, tritrens e hexatrens. Sem melhorias, o tráfego pode parar na época de chuvas.

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Máquinas em canteiro de obras em fevereiro de 2025 (Foto: Paulo Francis/arquivo)

Municípios pressionados

O prefeito de Ribas do Rio Pardo, Roberson Luiz Moureira, relatou problemas semelhantes e demonstrou expectativa no governo federal. No município, que abriga fábrica da Suzano, o déficit habitacional é crítico, com mais de 420 famílias vivendo em barracos por não terem conseguido vagas no mercado de trabalho durante o boom inicial.

Essas famílias não se enquadram no Minha Casa, Minha Vida. Ribas e Inocência precisam de pelo menos 500 casas populares cada, imediatamente, e outras mil via programas dos governos federal e estadual.

Moureira lembrou que, em 2020, Ribas tinha 6.300 ligações de água para 22 mil habitantes. Hoje, são 10 mil ligações e mais de 30 mil moradores. As escolas tinham 3.400 alunos e agora somam 5.200, com algumas turmas instaladas em contêineres.

“É essencial pensar na fase de operação: casas, saúde e, principalmente, creches”, declarou.

Respostas da indústria

Entidades do setor tentaram amenizar críticas sobre o impacto do eucalipto nas bacias hidrográficas e em questões sociais. O diretor de Relações Institucionais da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), José Carlos de Fonseca Júnior, declarou que as empresas investem em produtividade e certificações internacionais. O secretário-executivo de Desenvolvimento Econômico Sustentável de MS, Rogério Beretta, afirmou que o setor opera com sustentabilidade e que o Estado mantém a meta de carbono neutro até 2033.

O diretor-executivo da Reflore, Benedito Mário Lázaro, defendeu melhorias na infraestrutura e ações conjuntas com Congresso, Estado e União.

Próximos passos

O senador Nelsinho Trad defendeu medidas federais específicas para o Vale da Celulose e lembrou que Inocência dobrou de população em poucos dias no início das atividades da Arauco. Ele afirmou que, com falta de creches e moradias, cidades se transformam em cidades de contêineres e que a submoradia gera favelas, como ocorreu em Ribas. Também destacou a necessidade de pavimentação e melhorias das rodovias.

O senador se comprometeu a reunir as demandas municipais e encaminhá-las ao MIDR, incluindo a criação do comitê intermunicipal.