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Capital

Entre presídio e entulho, bairro tem 'boom' imobiliário e medo da dengue

Aline dos Santos | 29/12/2015 14:00
Em frente à Máxima, rua vira lama e pedra. (Foto: Fernando Antunes)
Em frente à Máxima, rua vira lama e pedra. (Foto: Fernando Antunes)
Terrenos baldios se espalham pelo bairro e preocupam vizinhos. (Foto: Fernando Antunes)
Terrenos baldios se espalham pelo bairro e preocupam vizinhos. (Foto: Fernando Antunes)

Encravado entre um aterro de entulhos e um complexo penitenciário, o Jardim Noroeste é cenário de uma explosão imobiliária. Novas construções com placa de “vende-se” se espalham pelas ruas e dividem espaço com barracos ao pé da montanha de resíduos da construção civil. A visão inusitada se encaixa numa terra de contraste.

Perto dos presídios, o que assusta é o mosquito da dengue e a rua digna de disputa de rally. Enquanto o complexo faz pulsar uma economia voltada aos presos e seus visitantes. Na rua Terra Vermelha, o aterro de entulhos ganha sentidos diferentes: é o tormento de Maria Odete e o sustento de Carmem.

No bairro de 13 mil habitantes, o complexo penal e seus milhares de internos fez surgir lojas, mercados e escritórios de advocacia. Em frente ao presídio Jair Ferreira de Carvalho, a Máxima, Maria Helena Costa, 49 anos, teve que ampliar a oferta de produtos na lanchonete para atender a clientela. Além de salgados, vende escova de dente, fumo extra forte e roupas.

Os itens de vestuários é porque muitas visitantes dos internos desconhecem as regras dos presídios que vetam blusa de alça, roupa curta e sapatos de saltos. A escolha é por peçass simples, que caibam nas normas da prisão e no bolso. “A blusa custa R$ 20. Não vendo mais caro porque não é todo mundo que tem condições”, afirma a comerciante. Ela conta que nas imediações também é possível alugar peças de roupas por R$ 5.

As atividades comerciais envolvem toda a família, que nos dias de visita também vendem sandálias rasteirinhas e comidas - como churrasco e lasanha - para abastecer as marmitas levadas pelos visitantes.

Em liberdade há uma semana, Michael Hartkoff dos Santos Ferreira, 23 anos, fez parte de uma parcela dos 4.238 encarcerados que integram a população flutuante do bairro. Morador do Aero Rancho, ele conta que só conhece os presídios no Noroeste. Depois de “cair” duas vezes, uma por roubo e outra enquadrado na Lei Maria da Penha, obteve liberdade na semana passada e voltou ao complexo para buscar documentos.

Maria Helena tem lanchonete em frente ao complexo penal e vende até roupas para visitantes. (Foto: Fernando Antunes)
Maria Helena tem lanchonete em frente ao complexo penal e vende até roupas para visitantes. (Foto: Fernando Antunes)
Dona de cantina, Joseli mora há 20 anos no bairro e reclama que asfalto não chegou. (Foto: Fernando Antunes)
Dona de cantina, Joseli mora há 20 anos no bairro e reclama que asfalto não chegou. (Foto: Fernando Antunes)

A dengue que amedronta - Enquanto os presídios, salvo em rebeliões, vivem calmaria. A dengue assusta os moradores do Noroeste, que lidera o ranking de infestação do mosquito Aedes aegypti. “Tem um matagal atrás de casa. Falei com o proprietário e ele disse que não podia fazer nada”, conta a comerciante Maria Helena, que teve dengue duas vezes neste ano.

Os moradores reclamam que a UBSF (Unidade Básica de Saúde da Família), ladeada por terreno baldio, nunca tem médico. “Tem vez que atende bem, tem vez que atende a gente igual cachorro. Às vezes você pensa que o médico tá aqui, mas já saiu”, afirma Maria Conceição de Souza Castro, 51 anos.

Ela relata que foi atropelada no mês passado e, com dores e olho vermelho, procurou o posto dias depois. “O enfermeiro mandou lavar o olho em casa com água e sabão”, diz. O atendimento correto só veio após reclamação na direção da unidade.

Apesar das dificuldades, Maria Conceição conta que evoluiu na “geografia” do bairro, trocou um barraco perto do aterro de entulhos por um imóvel alugado longe da fumaça “que arde os olhos dia e noite” e de um relacionamento que não ia bem. “Fiquei longe da fumaça e do velho”, diz.

Os moradores afirmam que o posto de saúde precisa ser ampliado ou que uma nova unidade seja construída na região. Fim de semana, quem busca atendimento precisa ir ao bairro Tiradentes. Outra fragilidade no combate à dengue é a baixa frequência da visita dos agentes de saúde. Tem imóvel visitado de quatro em quatro meses. No quesito saúde, o elogio vai para a dentista, sempre no trabalho.

Lixo, água parada e entulho no aterro da rua Terra Vermelha (Foto: Fernando Antunes)
Lixo, água parada e entulho no aterro da rua Terra Vermelha (Foto: Fernando Antunes)
Maria Conceição conta que teve problema no olho e reclama: " tem vez que atende a gente igual cachorro".(Foto: Fernando Antunes)
Maria Conceição conta que teve problema no olho e reclama: " tem vez que atende a gente igual cachorro".(Foto: Fernando Antunes)
Carmem tira sustento e surpresas do lixo. (Foto: Fernando Antunes)
Carmem tira sustento e surpresas do lixo. (Foto: Fernando Antunes)
Do portão para dentro, Maria Odete garante limpeza. Fora de casa, reinam os entulhos de aterro. (Foto: Fernando Antunes)
Do portão para dentro, Maria Odete garante limpeza. Fora de casa, reinam os entulhos de aterro. (Foto: Fernando Antunes)

Esquecido no tempo - Com registro de parcelamento na prefeitura de Campo Grande desde 1963, o Jardim Noroeste tem ilhas de asfalto cercada por mar de lama. Se chove, vem o barro. Na estiagem, as nuvens de poeira. “O bairro é antigo. Você vê bairro que sai bem depois e já tem asfalto”, reclama Joseli de Matos, 39 anos. Dona de uma cantina em frente ao posto de saúde, ela vai completar em 2016 duas décadas morando ali.

A água da chuva empoçada há dias na rua Borborema tira o sossego da funcionária pública Maria Regina da Silva, 34 anos. “Fico preocupada com isso. A água não escoa, fica parada e com essa dengue”, diz.

No quesito segurança, os moradores relatam furtos, mas avaliam o bairro como tranquilo. O tráfico de drogas também incomoda, principalmente por acontecer em plena luz do dia e perto da escola. Basta passar em “carrão” perto da boca de fumo, que logo vem a oferta de uma “paradinha”.

Nos pontos positivos, as repostas vêm em menor quantidade. Há quem elogie as igrejas e os supermercados. “Aqui é bom. Eu gostei. Tem mercado, posto de saúde, escola”, afirma Cleide Belizaro, 46 anos.

A prefeitura de Campo Grande não tem previsão de asfalto no bairro. Quanto ao posto de saúde, a assessoria de imprensa da prefeitura informou que está prevista ampliação para adequação da demanda de pacientes. Já sobre o quadro de médicos, a assessoria diz que a escala tem sido preenchida e o poder público está em processo de contratação.

Fé, renda e problemas - Na rua Terra Vermelha, barracos e casas novas à venda dividem espaço perto do crescente aterro de entulhos. O lugar insalubre é fonte de renda de Carmem Amorim, 52 anos. Por mês, tira R$ 250. Como precisa cuidar da neta de quatro anos e já sabe que não pode levar a criança ao local, teve que restringir o horário de trabalho.

Do aterro atrás do seu barraco, também vem alegrias. Achou um presépio completo, árvore de natal, enfeites e um sino gigante que enfeitam a entrada do lar de tábuas.

Quanto à fumaça que tanto incomoda, ela faz questão de esclarecer que os coletores de recicláveis não têm culpa. “Não é a gente que coloca, pega fogo sozinho e fica saindo a fumacinha”, conta. Nas imediações, o entulho também vira banco, formado com porta de guarda-roupa apoiada em televisão e vaso sanitário, e dá forma a moradias como a um barraco sobrado, que lembra que “O senhor é meu pastor e nada me faltará”.

Do outro lado da rua, Maria Odete Ferreira dos Santos, 62 anos, viu os entulhos encobrirem a vista dos prédios da cidade, a poeira tomar os móveis e a casa ser invadida por barata, rato e escorpião. Enquanto capricha na limpeza do portão para dentro, se frustra por saber que o maior criatório do mosquito Aedes Aegypti está bem de frente.

“O foco está todo ali. É uma quiçaça”, conta Maria, apontando para a montanha de lixo.

Casas com placas de "vende-se": preço de terreno
estimula explosão imobiliária. (Foto: Fernando Antunes)
Casas com placas de "vende-se": preço de terreno estimula explosão imobiliária. (Foto: Fernando Antunes)
Sobrado de tábuas: fé e criatividade. (Foto: Fernando Antunes)
Sobrado de tábuas: fé e criatividade. (Foto: Fernando Antunes)

Explosão imobiliária – As edificações que tomam conta do bairro podem ser justificadas pelo preço do terreno e pela vontade de morar naquela região de Campo Grande. “O bairro é muito grande, com valor bom de lotes. O construtor vai comprar em lugares onde o terreno está com preço acessível. E o Jardim Noroeste era um dos bairros com melhor preço de metro quadrado para construir. Duas casas num terreno, para eles ainda é interessante”, salienta o presidente do Sindimóveis (Sindicato dos Corretores de Imóveis), James Antônio Gomes.

Ele explica que o primeiro critério na compra do imóvel é que o financiamento caiba no bolso. O segundo é a localização. Sobre a estagnação do setor, com tantas placas de vende-se no bairro, ele explica que a situação é por toda a cidade.

“Para comprar imóvel hoje, tem um porém. Nenhum banco financia mais 100%. Se é R$ 120 mil, tem quer ter R$ 12 mil e mais um valor de R$ 3.500 a R$ 5 mil de documentação. Isso está atrapalhando um pouco. As pessoas não têm dinheiro para dar os 10%”, salienta.

Imóveis novos ao pé de montanha de entulhos. (Foto: Fernando Antunes)
Imóveis novos ao pé de montanha de entulhos. (Foto: Fernando Antunes)

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