Jovem aciona a Justiça para cumprir o desejo de cremação da companheira
Em caráter liminar, juiz indeferiu pedido, pois aguarda o encerramento do inquérito policial sobre o caso

O dia 30 de abril de 2025 foi o mais longo na vida de um policial militar de 26 anos, e ainda não acabou. Nessa data, sua companheira, também com 26 anos, deixou de viver. Desde então, ele luta na Justiça pelo direito de cremá-la, mas o processo está suspenso até que o inquérito policial seja concluído.
RESUMO
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Policial militar luta na Justiça pelo direito de cremar a ex-companheira, que faleceu em 30 de abril de 2025. Ele alega que a jovem manifestou o desejo de ser cremada em uma carta de despedida. O processo está suspenso até a conclusão do inquérito policial, registrado como suicídio. O PM entrou com pedido de tutela antecipada de urgência, argumentando união estável e o desejo expresso da ex-companheira. O pedido foi indeferido por falta de provas da união estável e pela necessidade de esclarecimento dos fatos. A jovem foi sepultada e o processo judicial foi suspenso por 60 dias, a pedido do PM, aguardando a conclusão do inquérito.
Em resposta à reportagem, a Polícia Civil informou que o inquérito ainda está em andamento e foi registrado como suicídio.
A morte aconteceu às 6h15, em casa. Na tarde daquele mesmo dia, às 17h48, por meio de advogado, o militar entrou com pedido de tutela antecipada de urgência, em caráter liminar. Ele afirma que mantinha união estável pública, contínua e duradoura, nos termos do artigo 1.723 do Código Civil e da Constituição Federal, que confere aos conviventes os mesmos direitos atribuídos ao cônjuge, inclusive sobre decisões “post mortem”.
Com base nesses argumentos jurídicos, tenta fazer valer o que seria o desejo da jovem. “Importante ressaltar que a falecida manifestou em vida, de forma inequívoca, o desejo de ser cremada após a morte, sendo tal vontade de conhecimento dos familiares mais próximos, os quais a corroboram e anseiam pelo seu cumprimento”, consta na petição.
O pedido está registrado em uma carta de despedida, anexada ao processo e atribuída a ela, em que escreve: “se possível, quero ser cremada”. Escrita à mão, em letra de forma, a carta não tem assinatura.
No pedido de tutela, a justificativa é que respeitar a vontade dela seria um “ato de respeito à dignidade da pessoa humana (...). A cremação, nesse contexto, não se revela apenas como uma formalidade legal, mas como direito personalíssimo derivado da autodeterminação do indivíduo”.
Também é citado o que determina a legislação. O artigo 77 da Lei nº 6.015/1973 estabelece que a cremação somente poderá ser feita com atestado de óbito firmado por dois médicos ou por um médico legista, no caso de morte violenta.
Às 21h29, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) se manifestou pelo indeferimento do pedido liminar. O promotor Rodrigo Yshida Brandão apontou que o único documento apresentado foi a declaração de óbito, formulário emitido com base no atestado médico, utilizado para o registro oficial em cartório.
Naquele momento, o promotor avaliou que ainda seria necessário esclarecer a dinâmica dos fatos, pois não haviam sido anexados outros documentos, como laudo pericial ou boletim de ocorrência. “(...) Não se desconhece o sofrimento que passa a família da pessoa falecida; no entanto, como mencionado, é preciso que haja a conclusão de todos os procedimentos legais e o esclarecimento da dinâmica da ocorrência”.
Ainda naquela noite, às 22h41, o advogado do rapaz alegou que não foi possível juntar o boletim de ocorrência e a manifestação da autoridade policial quanto à eventual necessidade de diligências. Explicou que o registro foi feito na Depac/Cepol (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) e ainda seria encaminhado à 6ª DP (Delegacia de Polícia).
Na petição, consta ainda que foi difícil obter informações do policial militar, devido ao momento de extremo abalo emocional, e que ele estaria sob uso de medicamentos.
Já na madrugada de 1º de maio, às 0h32, o juiz plantonista da 1ª Região, Walter Arthur Alge Neto, indeferiu o pedido do PM.
O magistrado alegou que a parte requerente não demonstrou legitimidade para fazer o pedido, pois não apresentou provas da existência de união estável. Ressaltou que a carta anexada não continha assinatura e, sendo verdadeira, havia um trecho que indicava que “as partes não mais se relacionavam”. Na parte citada por ele, consta a frase que o ocorrido "não tem nada a ver com nosso término".
Alge Neto também não considerou como prova o fato de a jovem ser dependente do policial no plano funerário da Pax Universo, já que o documento anexado continha data de 17 de maio, ou seja, posterior ao falecimento.
O juiz consultou o sistema policial e verificou que o delegado havia requisitado exame necroscópico, o que inviabilizava a cremação naquele momento. “O juízo se compadece com a situação, mas há de se ponderar, também, a necessidade do esclarecimento seguro dos fatos e a conclusão dos procedimentos legais.”
Sem decisão liminar, o rito funerário seguiu. A jovem foi velada na manhã de 1º de maio e sepultada na tarde daquele dia.
Na esfera judicial, a morte dela ainda não teve desfecho. Em um dos trâmites, a Justiça solicitou que a parte requerente se manifestasse, caso ainda tivesse interesse na cremação.
No dia 22 de maio, o policial militar encaminhou pedido de suspensão do processo por 60 dias, até a conclusão do inquérito, com a intenção de “fazer cumprir a vontade da falecida”. O prazo foi considerado razoável para a finalização da investigação.
No dia 27 de junho de 2025 a juíza Gabriela Müller Junqueira deferiu o pedido de suspensão. O último andamento é a publicação desta decisão no Diário da Justiça, no dia 10 de julho.
A reportagem conversou com o advogado do policial e com a mãe da jovem, mas ambos não quiseram se manifestar. A petição não traz detalhes sobre o período do relacionamento ou quando teria ocorrido o término, apenas a informação sobre eles de que os dois ainda moravam na mesma casa.
Procure ajuda - Em Campo Grande, o GAV (Grupo Amor Vida) presta apoio emocional gratuito a pessoas em crise por meio de atendimento telefônico pelo número 0800 750 5554. Vítimas de depressão e demais transtornos psicológicos podem buscar ajuda no Núcleo de Saúde Mental, CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) ou pelos telefones 141 e 188 CVV (Centro de Valorização da Vida), 190 da PM e 193 dos Bombeiros, que ajudam pacientes a romper o silêncio.
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