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Capital

Mães que largaram escola têm que ensinar o que não sabem aos filhos

Viúvas, desempregadas, dentro de 1 só cômodo e preocupadas com alimentação, ainda se desdobram para garantir o aprendizado

Izabela Sanchez e Bruna Marques | 08/06/2020 12:05
Maria, mãe e avó, estudou até o sétimo ano do fundamental (Foto: Henrique Kawaminami)
Maria, mãe e avó, estudou até o sétimo ano do fundamental (Foto: Henrique Kawaminami)

“Gente é pra brilhar. Não pra morrer de fome” diz Caetano Veloso na canção “Gente”. É a dificuldade de 30 mil famílias de Campo Grande cadastradas no Bolsa Família para receber as merendas da Semed (Secretaria Municipal de Campo Grande). A dificuldade, enquanto tentam não passar fome, é um futuro “brilhante” aos filhos que agora aprendem em casa com as aulas suspensas depois da pandemia. Muitas não terminaram nem o ensino fundamental e se desdobram a ensinar o que não sabem enquanto as aulas são à distância.

Com apenas 23 anos a “dona de casa” Renata de Paula já tem três filhos: o mais velho tem 7 anos e outros caçulas 5 e 3. Ela foi nesta segunda-feira (8) até a Escola Municipal Pe.Tomaz Ghirardelli, no Parque Lageado, a maior escola municipal da Capital, antes cheia de gente de manhã até à noite com seus 2,5 mil alunos.

Renata, 23, mãe de três filhos, o mais velho tem 7 anos (Foto: Henrique Kawaminami)
Renata, 23, mãe de três filhos, o mais velho tem 7 anos (Foto: Henrique Kawaminami)

Renata vive com o marido e os filhos há 10 anos no bairro mais carentes da cidade, o Dom Antônio Barbosa. Desempregado, o esposo dela, de 26 anos, faz todo tipo de bico, que agora tenta desesperado encontrar para não voltar de mãos abanando para casa quando a comida acaba.

A casa tem 4 peças: quarto, cozinha, sala e banheiro. Os pais dormem no chão em colchão de casal enquanto as crianças dividem uma cama de casal. A renda se resume, agora, aos R$ 723 entre Bolsa Família e auxílio emergencial. As contas: aluguel de R$ 350, luz de R$ 100, água em média R$ 70 e “o que sobra” é para o leite das crianças. O kit de alimentos da merenda em casa para dura entre 15 e 20 dias, segundo explicou.

Ela também, às vezes, conta com a ajuda do pai. Renata estudou até o segundo ano do fundamental, incompleto, e o marido, até o nono. “Na parte da manhã fazem a tarefinha. Coloco na mesa e a tarde eu procuro brincar com eles, procuro coisa pra fazer”, diz.

“Quando tem alguma coisa que eu não entendo, mando mensagem no grupo de Whatsapp com professores, conforme dá, explicam pra gente orientar as crianças”, explica a mãe.

Os gastos com alimentação, relata, aumentaram pela ansiedade das crianças de estarem em casa. “As crianças comem demais quando estão em casa, ficam ansiosas, o maior desafio é conseguir entreter eles”, diz.

“A nossa maior dificuldade no momento está sendo arrumar um serviço pro meu marido. Eu não posso trabalhar porque eles [crianças] não têm com quem ficar, minha avó fica com eles de vez em quando, mas não é sempre que dá”, explica. “Meu marido está fazendo um bico de servente essa semana e quando ele vai pagam R$ 80 a diária, mas não é sempre que ligam pra ele ir”, relata.

Esperando a família que foi na escola buscar o kit merenda (Foto: Henrique Kawaminami)
Esperando a família que foi na escola buscar o kit merenda (Foto: Henrique Kawaminami)


Na TV - Assim como a SED (Secretaria Estadual de Educação), a Semed (Secretaria Municipal de Educação) estreia nesta segunda-feira (8) com as aulas à distância também pela TV aberta. A transmissão da TV Reme, parceria com a TV Educativa do Estado, estreia às 12h com aulas de Geografia (4º ano), Matemática (6º ano e EJA) e Artes (1º ano).  A Semed afirma que a ferramenta chega a 110 mil alunos matriculados na Reme (Rede Municipal de Ensino) com acesso ao conteúdo durante o dia inteiro e também à noite.

“Gente pobre arrancando a vida com a mão. No coração da mata gente quer prosseguir, quer durar, quer crescer”, continua Caetano na música que fala exatamente da vida da auxiliar de serviços gerais - sem trabalho depois da pandemia -, Walkíria Rivarola, 43. Viúva, cria sozinha 4 dos 5 filhos que teve com o marido. Moradora do Parque do Sol, também foi buscar o kit merenda e a ajuda para que os filhos aprendam as tarefas vêm da filha, de 19.

O ensino para que os filhos “prossigam, durem e cresçam”, e assim ultrapassem as fronteiras do bairro, é para crianças de 7 e 11 e adolescente de 15. Ela busca as tarefas na escola e tenta garantir a disciplina necessária para que aprendam. “É muito difícil, as crianças não param”, contou.

Marisa, ao lado do filho, de 26. Eles foram buscar o kit merenda na escola da neta, de 8 anos (Foto: Henrique Kawaminami)
Marisa, ao lado do filho, de 26. Eles foram buscar o kit merenda na escola da neta, de 8 anos (Foto: Henrique Kawaminami)

As avós - A dona de casa Marisa Gonçalves, 52, vive 19 anos no Bairro Dom Antônio Barbosa, em uma casa própria que divide com o filho de 26 e a neta de 8. A criança cresce longe da mãe, que não a quis quando a crianças tinha seis meses.

O filho trabalha como auxiliar na construção civil, mas está desempregado. Ele estudou até o sétimo ano do fundamental e ela, até o quinto. Viúva há 5 anos, conta que a situação ficou pior depois que o marido se foi “porque era ele quem trabalhava”. Ela luta na Justiça para conseguir acesso ao benefício.

“Sempre damos um jeito de colocar ela pra fazer as atividades”, relatou, sobre a aprendizagem em casa. “Comprei aqueles livrinhos de pintar para tentar distrair”, revelou.

“O pai dela tenta ajudar e o que a gente não sabe a gente recorre à ajuda da minha filha mais velha que estudou até o terceiro do ensino médio”, disse.

A renda se resume ao auxílio emergencial que ela recebe, mais R$ 96 do Bolsa Família. O auxílio para o filho foi negado. “Depois que as aulas pararam, o gasto aqui em casa com a minha neta aumentou, criança dentro de casa quer comer toda hora, ainda bem que é só uma”, avalia.

 “Hoje em dia ninguém sobrevive com R$ 600, nossa maior dificuldade é colocar mistura dentro de casa sem precisar contar com a ajuda dos outros”, declarou a avó.

É o desafio, também, da aposentada Mirtes Ambrósia Simplício, 73, que recebe o valor de 1 salário mínimo.  Vivem, no total, seis pessoas na casa dela, incluindo o filho que tem tuberculose e a neta com asma. Ambos necessitam de remédios caros.

No auge dos 73, Mirtes vendia “geladão” no terminal. Agora não vende mais. No momento, o desafio não é ensinar, é deixar de ter fome. “A gente ainda consegue esperar, mas e as crianças? As crianças não esperam”, afirma.

“Está sendo muito difícil com essas crianças aqui dentro. Eles querem comer alguma coisa e tem dia que não tem”, dispara.

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