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Capital

Medida protetiva é como tratar câncer: quanto antes, mais vidas salvas

No ano passado, em 90% dos casos de feminicídios, vítimas não tinham medida protetiva contra agressor

Paula Maciulevicius Brasil | 05/06/2021 08:33
Na delegacia, foto de vítima de feminicídio estampa inquérito que apura o crime. (Foto: Henrique Kawaminami)
Na delegacia, foto de vítima de feminicídio estampa inquérito que apura o crime. (Foto: Henrique Kawaminami)

Antes que seja tarde e a foto da vítima estampe de feminicídio, a medida protetiva contra um agressor precisa ser pedida pela mulher como grito de socorro assim que houver o primeiro ato de violência.  Usando outra metáfora: é como o tratamento rápido para o câncer, que pode ser a linha divisória entre vida e morte.

Das mulheres que morreram em 2020, 90% delas não tinham pedido de medida protetiva ou não estavam em vigor", lamenta a juíza Jacqueline Machado.

"É mito dizer que medida não serve para nada, serve sim, temos aproximadamente 8 mil medidas protetivas em vigor, acrescenta a magistrada.

A fala da juíza da 3ª Vara da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Capital, diretora da Amamsul (Associação dos Magistrados de Mato Grosso Sul), defende o raciocínio de que pedir ajuda oficial, impondo distância ao agressor por decisão da justiça, não só dá o aviso de que aquela mulher não vai mais tolerar o comportamento do homem como precisa ser pedida no primeiro ato de violência.

São várias as frases marcantes que Jacqueline tem na ponta da língua para dizer, ou melhor, apelar às mulheres em defesa da agilidade na solicitação da medida protetiva. Hoje é possível entrar com a solicitação pela internet, direto no site do Tribunal de Justiça, por enquanto somente para mulheres de Campo Grande.

Juíza Jacqueline Machado alerta para que medida protetiva seja pedida logo depois do primeiro ato de violência do agressor. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
Juíza Jacqueline Machado alerta para que medida protetiva seja pedida logo depois do primeiro ato de violência do agressor. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)

"O agressor só muda de endereço. São históricos que se repetem democraticamente em qualquer classe social, com qualquer tipo de mulher. Não existe um perfil específico, qualquer mulher pode ser vítima de uma violência doméstica e, infelizmente, qualquer homem pode ser o autor".

No dia a dia de trabalho na 3ª Vara, a magistrada reforça o quanto é necessário e importante as mulheres pedirem socorro e não deixem que o relacionamento chegue a uma escala  de violência que possa ser difícil de conter. "Por isso precisa ser feito o pedido o mais rápido possível, no primeiro momento de violência, quando ela se dá conta de que precisa pedir e manter essa medida protetiva, por que senão acaba chegando a um ponto que infelizmente é tarde demais.

Violência não é só agressão - O primeiro ato de violência não tem que ser necessariamente uma agressão. A juíza explica que a violência psicológica também dá direito à medida protetiva. "Houve discussão, briga, xingamentos, ameaça? Tem que denunciar, tem que dar um basta. Ainda que a mulher não queira ou não consiga romper esse relacionamento ainda, precisa dar pelo menos esse aviso ao homem, de que ela não vai aceitar violência", frisa Jacqueline.

Achar que foi só uma briga ou que os ânimos se exaltaram só daquela vez é ilusão. "Aí ela acha que ele não vai fazer mais nada até o dia em que ele chega agressivo, ela chama a polícia e aí pode ser tarde demais. É importante a mulher entender que é preciso denunciar, que a medida é eficaz e que pode sim poupar a vida dela".

Não chegou a ser um tapa nem um empurrão, mas as recorrentes brigas que uma empresária de 32 anos vivenciada fizeram com que ela, ao narrar para uma amiga, reconhecesse que era vítima de violência psicológica.

Sem que mulher tenha de ir até delegacia, já é possível fazer o pedido de medida on-line. (Foto: Arquivo/Henrique Kawaminami)
Sem que mulher tenha de ir até delegacia, já é possível fazer o pedido de medida on-line. (Foto: Arquivo/Henrique Kawaminami)

A mulher que pede para não ser identificada conta que não percebeu que vivia um relacionamento abusivo e que acreditava ser vítima de uma raiva do ex porque ela desistiu da relação.

"Quando eu contei para uma amiga como foi o término que ela disse: 'isso é violência doméstica. Você acha que não é, mas é. Isso é abuso'. Eu me assustei, porque nunca tinha passado por isso. Eu estava sofrendo ameaças e não enxerguei dessa maneira", descreve.

A empresária ouviu da amiga a sugestão de ir até a Casa da Mulher Brasileira fazer o registro da denúncia e pedir a medida protetiva. "Eu queria fazer, mas não queria ser vista, sabe? Para mim seria constrangedor ir até lá e encontrar algum conhecido e falar do que aconteceu. Enfim, não queria dessa forma, até que me disseram que eu poderia fazer on-line", relembra.

Pesquisando, a empresária viu que aqui isso existia, mas ainda desconfiou se de fato funcionava. Diante da tela, a vítima ficou nervosa, chateada e ao mesmo tempo aliviada. Enquanto revivia toda a violência para escrever no relato, também se perguntava "como eu não percebi que foi assim desde o começo?"

No site, a mulher basta clicar no link "Medidas Protetivas" que é direcionada para fazer o cadastro e posteriormente a solicitação.

"Foi muito difícil, mas eu não desisti porque outras mulheres poderiam passar pelo que eu passei. Então eu escrevi tudo, o mais detalhado que eu poderia escrever, para que a pessoa que recebesse meu relato percebesse o meu sofrimento. Eu sofri ameaças verbais e minha família também estava sendo ameaçada", fala.

O formulário foi preenchido e enviado às 21h de uma segunda-feira e dois dias depois a medida foi deferida. "Praticamente instantânea, não sabia que seria tão rápido", pontua. Ao saber que o ex seria intimado, ela ainda sentiu medo, principalmente dele vir tirar satisfação.

Tive medo de sair de casa, vergonha de alguém ficar sabendo que eu estava num processo de violência doméstica, mas ao mesmo tempo feliz de ter feito isso por mim e por mulheres que não tiveram a mesma oportunidade que eu".

Já faz 11 meses desde o primeiro pedido de ordem de restrição ao ex.

Medida pode ser pedida pelo celular, através do site www.tjms.jus.br (Foto: Marcos Maluf)
Medida pode ser pedida pelo celular, através do site www.tjms.jus.br (Foto: Marcos Maluf)

On-line - A ideia de fazer a solicitação de forma on-line partiu do próprio Tribunal de Justiça ao ver que os pedidos por medidas protetivas caíram desde o início da pandemia. Sinal de que as vítimas não estavam conseguindo ir pessoalmente até a Casa da Mulher Brasileira.

Mesmo que a internet não esteja acessível a todas as pessoas, a maioria consegue acessar pelo celular. "Ela consegue acessar do celular o site do TJ, preencher o formulário, contar o fato, e fazer o pedido pedindo afastamento do agressor, assim ele fica proibido de se aproximar e manter contato com ela", explica a juíza. São 48h de prazo até a medida ser deferida ou não. No entanto, a magistrada alerta que se for uma urgência, a mulher deve chamar a polícia pelo 190.

Diferentemente de ter um escrivão digitando o fato, quando a própria vítima descreve, o judiciário consegue sentir o nível de risco e a necessidade daquela mulher. "Ali ela conta exatamente o que está sentindo, ela coloca todo o histórico dela, não só aquele fato. É muito diferente de você pegar um boletim de ocorrência onde você tem um intermediário entre o que a pessoa fala e o que é colocado no papel", observa Jacqueline.

A ferramenta permite ainda o anexo de fotos e imagens. Uma das situações que mais chamou a atenção da juíza foi o pedido vindo de uma mulher indígena que não tinha condições de ir até a Casa da Mulher Brasileira, mas conseguiu acessar o site e pedir ajuda. "Você vê que realmente isso amplifica o acesso à justiça", avalia a magistrada.

Depois de feito o pedido, dentro do prazo de 48h úteis, excluindo feriados e finais de semana, a juíza explica que uma servidora vai entrar em contato com a vítima e um oficial da justiça vai intimar o homem com o mandado que proíbe a aproximação da vítima.

"E em caso de descumprimento, ela também precisa informar à justiça para que se possa agravar a medida e colocar uma tornozeleira eletrônica".

Desde julho de 2020, quando a medida protetiva pode ser pedida pela internet, a justiça registrou 1.156 pedidos, no entanto, apenas 156 diziam respeito a Campo Grande.

"Tivemos pedidos de outros estados e também do interior e a gente não pode receber, porque não temos competência. Infelizmente não conseguimos expandir para o resto do Estado por questões estruturais, de precisar de servidor e mais uma série de coisas, mas em Campo Grande está funcionando muito bem", assegura a juíza.

Ajuda - Você pode acessar ao site https://www.tjms.jus.br/ ou ir direto em Medidas Protetivas, no link: https://sistemas.tjms.jus.br/medidaProtetiva/ A Casa da Mulher Brasileira funciona 24h, sem fechar aos finais de semana ou feriado, na Rua Brasília, lote A, quadra 2, sem número, no Bairro Jardim Imá, em Campo Grande. O telefone é:2020-1300.

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