MP questiona demora em cirurgias que drena verba do SUS para rede privada
Inquérito civil começou após família de idosa denunciar morosidade; cirurgia acabou custando R$ 665 mil ao SUS

O promotor de Justiça Marcos Roberto Dietz, que conduz inquéritos civis sobre saúde em Campo Grande, quer explicações da Prefeitura e do Estado sobre a demora na realização de cirurgias pelo SUS (Sistema Único de Saúde), que acaba gerando uma enxurrada de ações na Justiça e bloqueios de valores elevados nos cofres públicos. A investigação começou no primeiro semestre, com o caso de uma idosa que precisava de cirurgia ortopédica e implante ósseo e, diante da falta de agendamento na rede pública, acabou levando ao bloqueio de R$ 667 mil para custear o procedimento em hospital particular.
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O Ministério Público de Mato Grosso do Sul investiga a demora na realização de cirurgias pelo SUS, o que leva pacientes a buscarem a Justiça para garantir procedimentos na rede privada, gerando bloqueios elevados nos cofres públicos. Em Campo Grande, apenas este ano, R$ 21,3 milhões foram retidos para custear cirurgias, principalmente nas áreas de ortopedia e neurologia. O promotor Marcos Roberto Dietz busca entender por que esses procedimentos não são incluídos na regulação do SUS, visando soluções que evitem a judicialização. Casos analisados mostram que pacientes aguardam anos por cirurgias, culminando em bloqueios milionários. A Santa Casa, referência no atendimento, enfrenta dificuldades financeiras devido aos atrasos nos repasses, ameaçando a continuidade dos serviços.
Não se trata de uma situação incomum ou inédita. Tanto na Capital como no interior, pacientes acabam recorrendo à Justiça diante da falta de realização de cirurgias mais complexas na rede conveniada do SUS. São frequentes, em Campo Grande, bloqueios realizados pelas Varas de Fazenda Pública após meses e até anos de tentativa de solução, por meio de cobranças do juiz, e, ainda assim, o procedimento não é concretizado.
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O promotor explicou que a demanda inicial, sobre a paciente idosa, foi solucionada, mas ele ampliou a apuração porque quer entender por que as cirurgias não são incluídas na regulação do SUS para buscar uma solução com o poder público que agilize os trâmites e evite a judicialização.
Da denúncia formalizada pela família da paciente, resta uma discussão sobre a criação de um banco para doação de ossos vinculado ao SUS, que tornaria os procedimentos com essa necessidade mais baratos, uma vez que hoje é preciso pagar para a rede privada.
Dietz disse que pediu ao TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) informações sobre a judicialização de cirurgias. No mês passado, ao prestar contas sobre as despesas na saúde, na Câmara de Vereadores, a Prefeitura informou que, este ano, já teve R$ 27 milhões sequestrados dos cofres municipais neste ano para o cumprimento de ordens judiciais na área da saúde, sendo R$ 21,3 milhões para cirurgias. Ele também quer informações do Denasus (Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde ).
No caso de Campo Grande, são frequentes os bloqueios para procedimentos de ortopedia e neurologia, especialidades em que a Santa Casa de Campo Grande é credenciada. A reportagem do Campo Grande News analisou as publicações de bloqueios no Diário da Justiça, em agosto, quando houve várias ocorrências. O maior valor foi destinado a atender uma paciente com artrodese na coluna lombar, procedimento que ela tentou conseguir pelo SUS e que só foi realizado depois que houve o bloqueio de R$ 470,7 mil para pagamento do hospital, materiais e honorários médicos, após mais de um ano de tramitação do processo e cobranças do juiz para o agendamento.
A mesma situação ocorreu com um homem que, no ano passado, recorreu à Justiça em busca de ordem para reconstruir o plexo braquial e nervos periféricos na região da coluna cervical. A Justiça deferiu a liminar; ele foi colocado na fila de espera. O tempo passou, sobreveio nova cobrança do juiz e fixação de prazo e, sem resposta, acabou sendo determinado o bloqueio de R$ 402,2 mil.
O tempo do processo não consegue acompanhar o da vida real. No andamento dos casos, é possível ver que sempre há pedido de liminar; depois, decisão judicial exigindo data para o serviço público. Por vezes, o paciente consegue agendar e vai à consulta, mas não é incluído na regulação. Então vem nova ordem judicial e, como o caso não se soluciona, o processo desemboca em sentença que retém a verba pública.
Houve até um caso em que o mesmo hospital havia sido agendado para consulta pelo SUS e, depois, acabou recebendo pouco mais de R$ 20 mil pela realização da cirurgia por meio de bloqueio judicial. Antes de determinar o bloqueio, juízes chegam a cobrar atualização de orçamentos com valores mais próximos aos pagos na rede pública, sem sucesso. No caso do paciente que precisava operar os nervos, o juiz chegou a mencionar a desproporção e a necessidade de adequação dos valores antes de determinar o bloqueio.
Esse desencontro no tempo também levou ao bloqueio de R$ 199,7 mil para atender outro paciente, que precisava reconstruir ligamentos, retirar o menisco e passar por condroplastia, para se livrar de dores e recuperar funções do joelho.
A reportagem tentou obter informações com a Prefeitura sobre a dificuldade de concretizar as cirurgias para evitar bloqueios de altos valores pela Justiça, mas foi informada de que a pasta da Saúde passa por reestruturação, diante da criação de um comitê gestor após a exoneração da secretária Rosana Leite, e que o grupo está reorganizando os serviços. O Município é responsável pela gestão plena do SUS na Capital e não renovou contrato com a Santa Casa, havendo apenas prorrogações, sem correção dos valores pactuados por procedimentos.
Esta manhã, a instituição divulgou nota informando que pediu reuniões urgentes com a prefeita Adriane Lopes e com o governador Eduardo Riedel para discutir como vai continuar atendendo pelo SUS. O hospital pontuou que a situação resultou no acúmulo de dívidas e dificuldades para manter os pagamentos em dia, condição que pode ameaçar a continuidade de serviços essenciais.