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Capital

Pagando até R$ 400 por local invadido, há 20 anos famílias resistem ao despejo

Muitos adultos cresceram no condomínio inacabado e, inclusive, pagam aluguel pelo apartamento no Carandiru

Idaicy Solano e Mariely Barros | 06/06/2023 16:46
Prédio foi invadido por famílias carentes, que não tem condições de pagar o valor de um aluguel convencional. (Foto: Henrique Kawaminami)
Prédio foi invadido por famílias carentes, que não tem condições de pagar o valor de um aluguel convencional. (Foto: Henrique Kawaminami)

“Vou sair pra onde moça? A maioria das pessoas aqui trabalha, não é só bandido. Não é porque a gente mora aqui que é bandido”. O relato expõe a realidade de dezenas de famílias que foram surpreendidas por helicóptero e sirenes, na manhã desta terça-feira (6), no condomínio conhecido como "Carandiru".

Alvo de invasões, a Polícia Militar garante que o local se tornou berço da criminalidade, com registro de venda de drogas, armas e até homicídios. Durante operação no local na manhã de hoje, a reportagem ouviu relatos de famílias, em sua grande maioria formada por mães solo que sustentam filhos com salários de fome em subempregos e tentam criar as crianças em meio à criminalidade.

No local, não há sindico ou qualquer figura de autoridade, mas o aluguel é cobrado todo mês e variam de R$ 150 a R$ 400. No local, os moradores tem acesso à água, luz e internet, mas por ligações clandestinas. Ninguém conhece o "dono" ou o "comandante" do negócio, no entanto, com um salário mínimo na conta e várias bocas para comer, o baixo custo da moradia acaba compensando.

Há muitas crianças e adolescentes que moram nos prédios. (Foto: Henrique Kawaminami)
Há muitas crianças e adolescentes que moram nos prédios. (Foto: Henrique Kawaminami)

A auxiliar de serviços gerais Tais Iasmim Fonseca, 30 anos, mora no prédio com os três filhos, de 3, 7 e 14 anos. Com olhar indignado, a mulher relatou à reportagem que presenciou o filho de 14 anos ser colocado de joelhos no chão por um dos oficiais e levar um tapa na cara. O adolescente não chegou a ser levado para a delegacia.

A auxiliar mora no prédio há cinco anos, sustenta os três filhos com um salário mínimo. Sem condições de pagar por uma moradia em melhores condições, Tais acabou ficando com o apartamento, pelo qual paga aluguel de R$ 350 a uma mulher que diz ser a "proprietária".

A auxiliar se inscreveu na Amhasf (Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários) há 14 anos, quando o primeiro filho nasceu, mas até hoje não conseguiu uma residência.

Não tem lugar mais barato que aqui, sou mãe de três crianças. Sou pai e mãe e sustento os três sozinha com um salário mínimo. Assim como eu, a maioria veio para cá porque não tem para onde ir”, relatou Tais.

Tais Iasmin mora no prédio pois não tem condições de bancar aluguel em outra localização. (Foto: Henrique Kawaminami)
Tais Iasmin mora no prédio pois não tem condições de bancar aluguel em outra localização. (Foto: Henrique Kawaminami)

Auxiliar de serviços gerais de 38 anos, que pediu para não ser identificada, paga R$ 250 de aluguel no apartamento onde mora com a nora, de 18 anos, e os filhos, de 13, 16 e 21 anos. Assim com a maioria das mães que residem no local, também não tinha condições de pagar moradia em outro lugar.

Enquanto falava com a reportagem, a mulher esperava por uma carona para ir buscar o filho, o adolescente de 16 anos, na delegacia. Ele foi levado durante a operação, mas a mulher não deu muitas informações sobre, apenas que o garoto frequenta a escola e faz curso na Fadesp (Fundação Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa).

Apenas uma das torres foi entregue pela construtora, antes de empresa declarar falência. (Foto: Henrique Kawaminami)
Apenas uma das torres foi entregue pela construtora, antes de empresa declarar falência. (Foto: Henrique Kawaminami)

Caso o prédio seja interditado, ela, assim como várias outras famílias, não tem para onde ir. O entregador Gabriel Arruda, 22 anos, tinha apenas dois anos quando passou a morar na outra torre inacabada, junto com a mãe. Ele não se lembra se ela chegou a pagar algo pelo apartamento, a única coisa fresca na memória foi o imagem do teto sobre a cabeça, que agora divide com o filho de 2 anos.

A renda mensal do entregador varia entra R$ 700 e R$ 800 reais, utilizados para pagar água, alimentação e as despesas com o bebê. Pai solo e sem a presença da mãe, Arruda não tem para onde ir com a criança, caso seja obrigado a desocupar o prédio.

Desde que me entendo por gente ja recebi três ordens de despejo aqui com a minha mãe, e nunca saímos daqui. Aqui no Carandiru temos várias crianças que vão na escola, aqui tem posto de saúde perto. Eu não tenho condições de sair daqui sem rumo com uma criança", disse Gabriel.

Gabriel Arruda sustenta o filho de dois anos com menos de um salário mínimo. (Foto: Henrique Kawaminami)
Gabriel Arruda sustenta o filho de dois anos com menos de um salário mínimo. (Foto: Henrique Kawaminami)

Operação - A PCMS (Polícia Civil de Mato Grosso do Sul) deflagrou a Operação "Abre-te Sésamo", contra criminalidade dentro do "Carandiru" - um condomínio residencial invadido - localizado no Bairro Mata do Jacinto, região norte de Campo Grande.

Segundo a investigação, o local virou um verdadeiro "centro de criminalidade", com registro de venda de drogas, armas e até homicídios.

As ruas ao entorno do condomínio foram fechadas na manhã desta terça e só pode acessar quem é morador ou trabalha na região. Estão envolvidos na ação 321 agentes da polícia, perícia, assistência social, bombeiros e até um helicóptero.

Operação "Abra-te Sésamo" ocorreu na manhã desta terça-feira. (Foto: Henrique Kawaminami)
Operação "Abra-te Sésamo" ocorreu na manhã desta terça-feira. (Foto: Henrique Kawaminami)


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