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Capital

Passados nove meses, transferidos da Cidade de Deus dizem que vida piorou

Na favela, segundo eles, os barracos eram mais firmes; agora, dias de chuva são de medo e tormento

Christiane Reis | 29/12/2016 07:51
No Pedro Teruel, crianças brincam em poça d'água em frente à casa inacabada. (Foto: Simão Nogueira)
No Pedro Teruel, crianças brincam em poça d'água em frente à casa inacabada. (Foto: Simão Nogueira)

O ano de 2016 iniciou sinalizando que poderia ser positivo para 314 famílias da favela Cidade de Deus, nas proximidades do aterro sanitário de Campo Grande. A ideia é que eles deixassem seus barracos para ocuparem loteamentos onde seriam construídas casas de alvenaria, com telha e acabamento.

Em março, parte das famílias foi para área no Vespasiano Martins, Pedro Teruel (região do Dom Antônio), outra para o Jardim Canguru e a terceira para o Bom Retiro (região Vila Nasser). Nove meses se passaram e o que se vê no Canguru, Teruel e Bom Retiro são construções pela metade, barracos no fundo do quintal e a afirmação que “a vida piorou muito”.

“A situação aqui está bem pior que na Cidade de Deus. Lá os barracos já estavam mais estruturados, tinha contrapiso. Agora é tudo improvisado, quando chove é um tormento, uma correria. As pessoas perdem o pouco que têm. E não há previsão disso aqui ir para frente. Todo mundo sumiu”, disse o pedreiro Alexander da Rosa Gonçalves, 35 anos. Ele mora no barraco no Teruel com a esposa e mais seis filhos.

Esta também é a queixa da varredora Dayane dos Santos, 27 anos, que divide o barraco com o marido e quatro crianças. “O que tem feito aqui foi meu marido que levantou, não conseguimos avançar mais porque faltou material e como todo mundo sumiu não temos previsão de quando daremos sequencia. Enquanto isso, ficamos no barraco lá no fundo, correndo em dias de chuva”.

No Teruel, algumas casas avançaram, outras estão com metade das paredes levantadas. Estrutura, nenhuma. Poças grandes de água se formam em dias de chuva, na lama as crianças tentam se divertir e dentro dos barracos, segundo os adultos, a convivência com animais peçonhentos torna tudo mais difícil. Há relatos de captura de lacraias e escorpiões.

No Dom Antônio, boa parte das casas está pela metade. (Foto: Simão Nogueira)
No Dom Antônio, boa parte das casas está pela metade. (Foto: Simão Nogueira)
Dayane dos Santos reclama a falta de previsão para concluir a casa. (Foto: Simão Nogueira)
Dayane dos Santos reclama a falta de previsão para concluir a casa. (Foto: Simão Nogueira)

No Jardim Canguru, os moradores também reclamam da situação das moradias. “O bairro é muito bom, mas morar nesses barracos aqui ficou bem pior, quando chove a situação fica bem difícil. Eu já perdi muita coisa em dia de chuva”, disse a serviços gerais Ambrósia Espíndola, 58 anos.

Esta também é a opinião da dona de casa, Edileuza Luiz, 39 anos. Ela terminou a casa dela com ajuda de parentes, mas concorda que foi muito difícil chegar até aqui. “Agora eu estou dentro da casa, mas quando não estava posso dizer que na Cidade de Deus estava bem melhor, ali não tinha essa correria em dia de chuva e bem ou mal as minhas filhas dormiam na cama. Aqui estão dormindo no chão, porque as camas acabaram estragando durante os temporais”, disse. Ela mora com o marido e mais três filhas.

Escolinha – Aos fundos da casa da dona Edileuza funciona a escolinha Filhos da Misericórdia, que oferece reforço para 65 crianças da comunidade, com idades entre 3 e 15 anos. A escolinha também sofreu este ano nos dias de chuva.

“Mas conseguimos muita doação de material e estamos já fazendo o muro nas laterais, por onde entra a água nos dias de chuva. Conseguimos as doações por conta das reportagens do Campo Grande News”, disse. Agora, ela precisa apenas de cimento. “Ganhamos tijolos e os outros materiais necessários”.

No Jardim Canguru, Dona Ambrósia diz que o bairro é bom, mas as moradias deixam a desejar. (Foto: Simão Nogueira)
No Jardim Canguru, Dona Ambrósia diz que o bairro é bom, mas as moradias deixam a desejar. (Foto: Simão Nogueira)
A Escolinha perdeu muita coisa nos dias de chuva, mas recebeu materiais como donativos. (Foto: Simão Nogueira)
A Escolinha perdeu muita coisa nos dias de chuva, mas recebeu materiais como donativos. (Foto: Simão Nogueira)

Do outro lado da cidade, próximo à Vila Nasser, no Bom Retiro, a construção das casas ainda está incipiente. Nas duas primeiras ruas, segundo o jardineiro Rogério Carvalho, 29 anos, as moradias estão mais avançadas, fruto da mão de obra dos próprios moradores. Já no final do loteamento, a situação está mais complicada e frustra quem esperava virar o ano na casa nova.

“As coisas não são fáceis. Fiz um esforço para conseguir entrar na casa, porque realmente ficar no barraco era muito ruim. Agora temos de pensar que daqui para frente a tendência é melhorar, no futuro vai ficar bom”, disse.

Panorama - As casas seriam construídas por meio de mutirão assistido, tendo à frente a ONG (Organização Não-Governamental) Morhar Organização Social, contratada pela Prefeitura de Campo Grande para fornecer o material e orientar a construção das casas, que seriam levantadas pelos próprios moradores com orientação de profissionais.

O trabalho no Vespasiano Martins avançou, porém forte chuva em outubro deixou muitas casas destelhadas. “Tivemos de ajudar os vizinhos a tirarem os móveis dos cômodos que estavam molhando. Agora, vamos procura lona para tapar os buracos”, disse à época um dos moradores.

Em outubro, a BR-262 ficou com sinais do protesto de quem reivindicou pagamento (Foto: Adriano Fernandes)
Em outubro, a BR-262 ficou com sinais do protesto de quem reivindicou pagamento (Foto: Adriano Fernandes)
No Canguru, moradores fecharam a Rua Catigá. (Foto: Fernando Antunes)
No Canguru, moradores fecharam a Rua Catigá. (Foto: Fernando Antunes)

Ainda em outubro ocorreram protestos de profissionais contratados pela ONG para construir as casas e que não haviam recebido o pagamento. Um grupo fechou a BR-262, na altura do lixão, enquanto outro interditou a Rua Catiguá. A primeira ação foi feita por quem participa do mutirão no Dom Antônio Barbosa, enquanto a segunda contou com pessoas do Jardim Canguru. Eles receberam o pagamento no dia 20 de outubro, após dois meses.

A ONG tem contrato de R$ 3,6 milhões com a prefeitura. Cada casa custa R$ 12 mil e o terreno onde as famílias foram instaladas R$ 24 mil. A Emha (Agência Municipal de Habitação) deve fazer a regularização das áreas e o valor poderá ser pago pelas famílias em 300 parcelas de R$ 120.

A reportagem tentou por diversas vezes localizar os representantes nos números, até então disponíveis, e não obteve sucesso. Na prefeitura, várias ligações foram feitas e e-mails enviados, questionando sobre o acompanhamento dos trabalhos e previsão de conclusão, mas também não houve retorno.

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