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Capital

Prédios fechados se deterioram, guardando memórias em meio a disputas judiciais

Invasões de sem-terra, hospital pediátrico e embate familiar fazem parte da história dos imóveis

Por Silvia Frias | 19/09/2025 08:34
Prédios fechados se deterioram, guardando memórias em meio a disputas judiciais
Imóveis abrigaram Fórum Trabalhista, sede do Incra e hospital e, hoje, estão desocupados (Foto: Henrique Kawaminami)

Na Avenida Afonso Pena, um imóvel deteriorado já foi palco de protestos de centenas de sem-terra, com ocupações que duraram dias e se espalharam até o canteiro central da via. Ao lado, outra edificação abrigou um hospital pediátrico, que funcionou por pouco mais de um ano e fechou acumulando dívidas e polêmicas. Em outro ponto da cidade, o prédio que já sediou o Fórum Trabalhista foi alvo de disputa familiar que se arrastou por dez anos e, agora resolvida, retorna ao mercado para locação.

RESUMO

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Em Campo Grande, imóveis de importância histórica encontram-se em estado de abandono e deterioração, refletindo os desafios do crescimento urbano acelerado. Um exemplo é o antigo Hospital Sírio Libanês, que após breve funcionamento como centro pediátrico municipal, fechou em meio a dívidas e polêmicas, permanecendo fechado e depredado. A situação se repete no prédio vizinho, antiga sede do Incra, cedido à Polícia Militar e devolvido devido aos altos custos de reforma, permanecendo sem destinação definida. Outro caso emblemático é o Edifício Tenuta, que abrigou o Fórum Trabalhista por 12 anos. Após longa disputa familiar pela herança do imóvel, a família decidiu colocá-lo para locação. Apesar da degradação externa, o prédio está em boas condições estruturais e representa um potencial para o mercado imobiliário local. Esses exemplos ilustram a complexa relação entre crescimento urbano, disputas judiciais e patrimônio histórico em Campo Grande.

Estes são alguns dos imóveis que se perdem no vertiginoso crescimento de Campo Grande, listada entre as cidades com os maiores índices de expansão horizontal nas últimas duas décadas, de acordo com estudo da organização WRI Brasil.

As edificações citadas fazem parte da história recente da cidade. São imóveis marcados por longas disputas judiciais, dívidas acumuladas com o poder público ou que ainda enfrentam pendências que tornam inviável qualquer uso imediato.

“Triste. Naquele prédio comecei minha vida; agora está acabado, totalmente sucateado, roubaram tudo”, lamenta o médico Mafuci Kadri, referindo-se ao imóvel de 3.959 m² localizado na Avenida Afonso Pena, na região central de Campo Grande.

O prédio está gradeado, mas tudo o que havia lá dentro foi retirado ou furtado. Na entrada da garagem, há restos de marmitas e roupas, indicando que o local serve de pouso para quem não tem abrigo regular. Também é moradia de gatos, que entram e saem pelos vãos abertos após anos de depredação.

O prédio pertence ao Grupo El Kadri e foi construído para sediar o Hospital Sírio Libanês, com atendimento particular e por plano de saúde. Em 2014, foi arrendado pela prefeitura, na gestão de Gilmar Olarte, sendo denominado Cempe (Centro Municipal Pediátrico). Começou a funcionar a partir de 13 de outubro daquele ano.

Prédios fechados se deterioram, guardando memórias em meio a disputas judiciais
Pouco antes do encerramento das atividades do Cempe, fachada foi retirada (Foto/Arquivo)

A unidade de saúde, arrendada com equipamentos e mobiliário, tinha capacidade de atendimento de 300 crianças por dia. Na época, a prefeitura informou que a estrutura contava com 150 profissionais, sendo 25 pediatras, 24 enfermeiros, 68 técnicos de enfermagem e seis assistentes sociais, além de profissionais administrativos e de atendimento ao público.

O projeto sempre enfrentou polêmicas. O centro pediátrico não tinha autorização do Conselho Municipal de Saúde para funcionar. Por isso, recursos do SUS (Sistema Único de Saúde) não poderiam ser usados no pagamento dos aluguéis e no custeio dos atendimentos, conta que sobrou para os cofres do Executivo. Na dança das cadeiras da política, Olarte saiu, Alcides Bernal voltou e a nova gestão fechou a unidade, alegando rombo de R$ 9,6 milhões. O atendimento foi encerrado em dezembro de 2015.

Sobrou para o Grupo El Kadri a dívida com os aluguéis de novembro de 2015 a junho de 2016, parcelas pendentes de meses posteriores ao fechamento da unidade. Naquela época, a dívida ultrapassava os R$ 3 milhões.

O advogado Mateus Tedesco, do escritório de Omar Kadri, diz que a ação judicial ainda está em andamento e cobra o pagamento dos aluguéis, além de indenização pelos equipamentos e mobiliários que foram devolvidos estragados. Mafuci também alega que muitos itens foram roubados.

O médico informou que será feito orçamento do custo para recuperação do imóvel e do valor de mercado, “sem nenhum compromisso e vagarosamente”. Mafuci Kadri diz que, apesar do embaraço judicial, há interessados pelo prédio, mas nada conclusivo. Hoje, segundo ele, o antigo hospital deve valer cerca de R$ 20 milhões. “Mas depende de avaliação mais precisa”, afirmou.

Prédios fechados se deterioram, guardando memórias em meio a disputas judiciais
Protesto dos sem-terra em frente ao Incra; prédio era usado para acampamento durante manifestação (Foto/Arquivo/Pedro Peralta)

No prédio contíguo, quase na esquina com a Rua Rui Barbosa, está outro imóvel igualmente depredado e abandonado. Com os portões de ferro trancados com correntes, é possível observar da calçada o estado de degradação. As cercas de serpentina não foram suficientes para impedir as invasões. A porta de vidro foi estilhaçada, sendo possível ver o interior vazio e com buraco no teto. As paredes internas e externas estão pichadas.

O imóvel pertence à União e foi sede do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) por cerca de 15 anos. Em 2013, foi fechado pelo Corpo de Bombeiros, após relatório do MPT (Ministério Público do Trabalho) constatar problemas estruturais e falta de acessibilidade. Depois disso, o instituto foi realocado para imóveis alugados e, atualmente, funciona em prédio na Rua Jornalista Belizário Lima.

Prédios fechados se deterioram, guardando memórias em meio a disputas judiciais
Porta da antiga sede do Incra foi estilhaçada por vândalos (Foto: Henrique Kawaminami)

Em novembro de 2020, um destino foi definido. O prédio foi cedido à PM (Polícia Militar), em contrato de 20 anos, para abrigar o 1º BPM (Batalhão da Polícia Militar). Mas, em fevereiro de 2023, o Governo do Estado desistiu da empreitada, à época alegando alto custo para reforma do imóvel.

Até agora, porém, a desistência e a devolução do prédio não foram oficializadas, e a situação permanece em limbo. A informação repassada pelo Incra é que esse trâmite se arrasta por conta de “algumas pendências do pagamento de impostos municipais”, mas que está em fase final de resolução. O valor da dívida não foi informado. Até o acerto de contas, não é possível dar destinação ao prédio.

No início da semana, a reportagem entrou em contato com o governo estadual, questionando o motivo da morosidade, mas até agora não obteve retorno.

Prédios fechados se deterioram, guardando memórias em meio a disputas judiciais
Inagururação do Fórum Trabalhista na Rua João Pedro de Souza (Foto/Divulgação/Arquivo)

Em entrevista ao Campo Grande News, em outubro de 2023, o superintendente do Incra em MS, Paulo Roberto da Silva, chegou a dizer que havia estudos de viabilidade para que a sede do Incra voltasse ao antigo endereço. A ideia era demolir e erguer outro imóvel. A gestão não confirmou se o projeto ainda faz parte dos planos, nem o valor da empreitada.

Recomeço – No Jardim Monte Líbano, na esquina triangular da Rua João Pedro de Souza, o imponente prédio de 7 andares se sobressai em trecho com predomínio de construções horizontais. Embora esteja pichado e com pintura antiga e descascada, chama atenção o vidro temperado recém-instalado no saguão. Dentro, até onde se pode ver, tanto na entrada quanto na garagem, no subsolo, está vazio e limpo.

O Edifício Tenuta foi erguido na década de 1990, segundo informação do arquiteto Ângelo Arruda. Com garagem particular no subsolo e dois mezaninos no primeiro andar, o prédio totaliza 12 pavimentos, com área de 3.104,57 m².

Mesmo para os mais antigos, dificilmente seria reconhecido pelo nome original. Inicialmente, foi alugado para a Receita Federal, mas ficou mais popular por ter abrigado por 12 anos a sede do Fórum Trabalhista de Campo Grande.

O fórum foi inaugurado no prédio no dia 1º de maio de 2004, reunindo as cinco varas existentes à época. A cidade cresceu, a demanda também, e foi necessário alugar um anexo para mais duas varas trabalhistas. Em novembro de 2016, a sede foi realocada para outro prédio na Rua Jornalista Belizário Lima.

Prédios fechados se deterioram, guardando memórias em meio a disputas judiciais
Com crescimento da demanda, anexo foi alugado para abrigar novas varas (Foto/Divulgação/TRT)

A disputa familiar começou durante a vigência do contrato firmado com o TRT (Tribunal Regional do Trabalho). Em janeiro de 2010, o patriarca da família, Sylvio Ferreira Tenuta, faleceu e o inventário foi aberto em maio daquele ano, envolvendo questionamentos sobre os bens. Entre eles, a divisão das cotas do pagamento do aluguel, no valor de R$ 35,4 mil.

A advogada Luciana Montano, neta de Sylvio Ferreira Tenuta, prefere não lembrar os detalhes das desavenças e diz que tudo já foi superado. “Prefiro não tratar disso, já passou, foi tudo resolvido.”

Depois de anos de contestações, impugnações e audiências, o juiz homologou, em novembro de 2020, a partilha consensual entre as partes. A decisão encerrou a disputa, reconhecendo a divisão dos imóveis e das receitas com base no artigo 654 do Código de Processo Civil, que autoriza a partilha amigável quando há concordância entre os herdeiros.

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Prédio passou por faxina recente e teve vidros trocados (Foto: Henrique Kawaminami)

Apesar do acordo, o prédio ainda não tinha uma destinação. Segundo Luciana, foi somente após a morte da matriarca, Maria Corbelino Tenuta, em 23 de abril de 2024, aos 92 anos, que a mãe de Luciana resolveu pensar no edifício.

“Mandamos fazer faxina no prédio”, contou a advogada. Por fora, ainda há pichações. “Sinto ver isso. É prédio que meu avô construiu para investir, fez pensando no crescimento da cidade”, conta.

A família entrou em consenso para alugar o prédio, ofertado por R$ 55 mil no site de uma imobiliária. “É um edifício antigo, mas super bem construído, não tem rachadura, nada”, diz a advogada. “O interesse maior é locação, mas não descartamos a venda.” Porém, segundo ela, ainda não há avaliação do valor de mercado.

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