Fora de propósito e página virada, dizem políticos sobre PEC da Blindagem
Riedel chamou debate de inoportuno; apoiadores falam em defesa da liberdade para atuar

A apelidada PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Blindagem, ou PEC das Prerrogativas, como chamam os apoiadores, aprovada noite adentro na quarta-feira (17) por maioria dos deputados federais, foi considerada inoportuna, um retrocesso e até prejudicial para a imagem de quem busca o voto, na opinião de políticos ouvidos pelo Campo Grande News. O governador Eduardo Riedel (PP) considerou o debate “extemporâneo” e disse que “nem deveria ter havido a discussão da forma como foi feita”.
RESUMO
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A Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, que amplia a proteção de congressistas contra processos penais. A medida gerou críticas de políticos, que a consideram inoportuna e prejudicial à imagem pública. O governador Eduardo Riedel e outros parlamentares destacaram a falta de debate e a necessidade de amadurecimento do tema. A PEC, que ainda precisa passar pelo Senado, altera a forma como o Supremo Tribunal Federal (STF) processa parlamentares, permitindo que pedidos de autorização para processos fiquem parados por até 90 dias. A proposta resgata um texto de 2021 e ocorre em um contexto de polarização política, levantando preocupações sobre a transparência e a accountability dos políticos.
Ele citou a expressão “blindagem” e classificou como “fora de propósito” o que ocorreu. O tema foi colocado em pauta de última hora, com votação à noite e retomada no dia seguinte de parte da discussão rejeitada horas antes, já na madrugada, no trecho que previa votação secreta para avaliar prisões de parlamentares e autorização para o STF (Supremo Tribunal Federal) processar congressistas. O texto ainda não é definitivo, pois precisa de aprovação no Senado Federal e já é alvo de questionamentos no Supremo. Dos senadores do Estado, Soraya Thronicke (Podemos) e Nelson Trad Filho (PSD) publicaram em suas redes sociais que votarão contra a iniciativa.

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Prejudica a imagem – Político experiente, ex-prefeito de Coxim e deputado estadual em quarto mandato, Junior Mochi (MDB) considera que as mudanças aprovadas produzem efeito negativo na imagem dos políticos, porque criam um tratamento diferenciado em relação às demais pessoas investigadas por crimes. Para ele, faltou debate, já que o texto foi colocado em votação “do dia para a noite”, gerando surpresa. “Toda matéria tem que ser amadurecida”, analisou, citando que “não houve discussão no seio da sociedade”.
Mochi avalia, inclusive, que a existência de foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, como é popularmente conhecido, pode ser prejudicial para quem responde a uma ação penal, porque a pessoa já começa sendo julgada por uma corte superior, o que suprime instâncias e gera menos possibilidades de recurso.
Ele classificou a aprovação como um retrocesso, porque era um tema que já se tratava de "página virada". Mesma opinião tem o colega de Assembleia Legislativa Renato Câmara (MDB), que afirma ver avanços na política, com reestruturação de instituições, enquanto a iniciativa segue no sentido oposto. Para ele, políticos, como pessoas públicas, não podem ter nada a esconder. “Para que blindar alguém que não precisa esconder sua vida pública?”, questiona.
O deputado federal Rodolfo Nogueira (PL), um dos integrantes da bancada de Mato Grosso do Sul que votaram a favor da PEC, diz que não defendeu interesse pessoal. Ele fala em defesa das prerrogativas parlamentares, citando que políticos de direita têm sofrido perseguição. Segundo ele, essa foi a alternativa encontrada após não conseguirem pautar a PEC do Foro Privilegiado. “É uma defesa do Parlamento. A grande maioria dos líderes entendeu que as prerrogativas seriam uma construção mais fácil para blindar o Parlamento contra o Judiciário”, disse à reportagem.
PEC de 2021 – O texto aprovado é de uma proposta apresentada em 2021, resgatada em meio a um clima polarizado na Câmara, em meio a debates sobre anistia. Ele mantém o STF como foro competente, mas altera vários pontos da Constituição. Pelo texto atual, em prisões em flagrante por crime inafiançável — única hipótese permitida —, a Casa à qual o parlamentar é vinculado deve deliberar em 24 horas, com maioria simples. Pelo texto reformado, os parlamentares decidirão em até 90 dias, por voto secreto, com maioria absoluta.
Além disso, passa a existir a necessidade de o STF pedir autorização para processar parlamentares, seguindo o mesmo rito de votação. Na prática, o pedido pode ficar parado por até 90 dias, o que pode impactar medidas cautelares, como prisões processuais. O STF deverá remeter os autos no prazo de 24 horas em casos de prisão em flagrante por crimes inafiançáveis, como racismo, tráfico de drogas, crimes hediondos, crimes contra a ordem constitucional e o Estado Democrático e crimes de grupos armados.
Para situações sem flagrante, como buscas e prisões temporárias ou preventivas, o STF dependerá de autorização da Casa legislativa. O texto atual da Constituição prevê prazo de 45 dias para análise de pedidos de processamento de deputados ou senadores, mas apenas para casos ocorridos durante o mandato, sem alcançar fatos anteriores.
O novo texto não faz distinção entre antes e depois da diplomação dos eleitos. Se os parlamentares decidirem não permitir que o STF processe um colega, durante o mandato não correrá o prazo de prescrição da punição.
Os deputados federais também aprovaram mudança na competência do STF para julgar autoridades, incluindo os presidentes nacionais de partidos políticos com representação no Congresso Nacional.
Foro privilegiado – As discussões sobre a competência para julgar parlamentares não são novas, com tentativas anteriores de retirar ou manter o STF como instância responsável. A própria Corte foi alterando seu entendimento ao longo do tempo.
Quando a Constituição Federal foi aprovada, em 1988, a previsão de foro era ampla, abrangendo delitos anteriores ou durante o mandato. Isso provocou acúmulo de processos e dificuldades para tramitação, já que ministros precisavam delegar atos a outros magistrados, como no chamado Caso Mensalão, que resultou na condenação de parlamentares e ex-parlamentares. A demora no desfecho de casos gerava críticas de morosidade e preocupação com prescrição.
Em 2018, o STF firmou nova jurisprudência, restringindo o foro a crimes cometidos durante o mandato e relacionados às funções do cargo. Casos sem relação com a atuação política passaram a ser julgados em primeira instância, o que deu mais poder a juízes de base para medidas cautelares e andamento dos processos. O entendimento foi estendido a outras autoridades com foro, como governadores (no STJ), deputados estaduais (nos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, conforme o delito).
E, neste ano, veio nova guinada. Em março, o STF decidiu, por 7 votos a 4, que a prerrogativa de foro para julgamentos de crimes cometidos no exercício do cargo e em razão dele subsiste mesmo após o fim do mandato, provocando nova mudança de competência e deslocamento de processos.