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Interior

Morte de homem com esquizofrenia leva PF a investigar Testemunhas de Jeová

MPF vê indícios de exploração, maus-tratos e instigação ao suicídio em relato entregue por familiares

Por Lucas Mamédio | 02/06/2025 17:41
Morte de homem com esquizofrenia leva PF a investigar Testemunhas de Jeová
Membros da organização religiosa Testemunhas de Jeová em Campo Grande em 2022 (Foto: Henrique Kawaminami)

O Ministério Público Federal (MPF) reabriu uma investigação contra a organização religiosa Testemunhas de Jeová após o surgimento de novos indícios de crimes como trabalho análogo ao de escravo, violência psicológica, tráfico de pessoas e instigação ao suicídio, em diferentes regiões do país.

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O Ministério Público Federal reabriu investigação contra as Testemunhas de Jeová após o suicídio de Paulo Amaro Freire, de 53 anos, em Bataguassu. O homem, que sofria de esquizofrenia e era tutelado judicialmente, teria sido explorado por anos por membros da congregação local. Segundo familiares, Paulo era forçado a realizar trabalhos braçais em propriedades rurais e oficinas mecânicas ligadas à igreja, mesmo sem autorização da tutora legal. O caso levou a Polícia Federal a investigar denúncias de trabalho análogo à escravidão, violência psicológica, tráfico de pessoas e instigação ao suicídio em diferentes regiões do país.

O caso que motivou a reabertura envolve Paulo Amaro Freire, de 53 anos, morador de Bataguassu, que sofria de esquizofrenia, era tutelado judicialmente e cometeu suicídio em dezembro de 2023 após, segundo a denúncia, anos de exploração por integrantes da congregação local.

Em despacho assinado no dia 23 de maio, o MPF afirma que “a narrativa apresenta detalhes que exigem investigação mais aprofundada”, e reconhece que os documentos enviados pela família de Paulo — entre eles, uma declaração pública, exames médicos, registros de denúncias anteriores e a própria certidão de óbito — apontam para uma possível violação generalizada de direitos fundamentais.

“Há relatos sérios sobre o aproveitamento de indivíduos em condição de vulnerabilidade, sob a justificativa de serviço religioso, o que pode mascarar práticas criminosas”, escreveu o procurador da República ao determinar a remessa dos autos à Polícia Federal, que passa agora a conduzir as apurações.

“Transformaram meu irmão em um trapo humano” - Segundo os familiares em documento registrado em cartório, Paulo Amaro Freire era constantemente retirado de casa por membros da igreja, mesmo sem autorização da tutora legal, para realizar tarefas braçais em propriedades rurais e oficinas mecânicas ligadas à congregação local.

“Transformaram meu irmão em um trapo humano. Quando voltou da fazenda, ele havia perdido 13 quilos e mal conseguia falar. Só comia pão, mesmo trabalhando o dia inteiro no sol”, afirmou e irmã e declarante do óbito.

Morte de homem com esquizofrenia leva PF a investigar Testemunhas de Jeová
Paulo Amaro Freire, de 53 anos, morador de Bataguassu

A família relata que, apesar de ser considerado inimputável judicialmente devido à esquizofrenia, Paulo era submetido a jornadas físicas e emocionais intensas, com pressão doutrinária e isolamento da vida social. “Ele deixou de participar de tudo. Jogou fora imagens da família, não queria mais saber de aniversários, parou de votar. Obedecia cegamente os anciãos, que exploravam sua fé e a fragilidade da sua mente”, declarou a tutora.

No relato entregue ao MPF, os parentes relatam que tentaram diversas vezes impedir que Paulo fosse levado pelos líderes religiosos, mas que os apelos foram ignorados. “Dissemos pessoalmente ao ancião Jonatan que ele não podia trabalhar. Mesmo assim, o convocavam de madrugada, sob sol ou frio, para cavar buraco, mexer com solda, subir em andaime. Isso agravou o quadro mental dele até o ponto do suicídio.”

“Indícios de crimes graves” - O despacho do MPF afirma que “a documentação apresentada contém narrativa circunstanciada, que indica possível prática de ilícitos penais e civis por membros da organização religiosa, inclusive em face de pessoa com deficiência psiquiátrica diagnosticada.” Diante da gravidade, o procurador da República determinou a remessa do caso à Polícia Federal, que será responsável pela investigação criminal.

Ainda segundo o MPF, os fatos atribuídos aos membros da instituição em Bataguassu não são isolados. A promotoria reconhece que há outras denúncias similares em curso no Brasil, envolvendo suposta coação, indução à automutilação, e utilização da fé para obrigar membros a se submeterem a práticas abusivas, muitas vezes sob o argumento de livre arbítrio.

“A suposta estrutura de dominação descrita transcende o âmbito interno de crença religiosa e entra na esfera do Direito Penal e dos direitos fundamentais da pessoa humana”, diz o texto.

Investigação formal - Com o despacho de reconsideração, o MPF solicitou que a Polícia Federal colha depoimentos, reúna provas documentais, convoque os envolvidos e verifique a eventual prática dos crimes de trabalho escravo, maus-tratos, cárcere privado, instigação ao suicídio e violação do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

A certidão de óbito de Paulo Freire, anexada à documentação entregue ao Ministério Público, registra como causa da morte o “traumatismo do coração por suicídio com faca”. O documento também confirma a condição de solteiro, aposentado por invalidez e sob cuidados da família. Ele faleceu em casa, em Bataguassu, no dia 19 de dezembro de 2023.

O Campo Grande News solicitou uma posição de um dos representantes das Testemunhas de Jeová em Mato Grosso do Sul, mas até o momento não obteve resposta.

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