"Tem que deixar marca": agredidos por jagunços em Iguatemi relatam tensão em MS
Grupo relatou agressões sofridas em área de conflito e temor por indígenas que ainda estariam desaparecidos
Dois dias depois da denúncia de agressão sofrida em Iguatemi, a 412 quilômetros de Campo Grande, o engenheiro florestal de MS e o casal de documentaristas - ele canadense e ela brasileira - ainda se recuperam do trauma e acompanham a investigação, agora, sob tutela da PF (Polícia Federal). A preocupação é que ainda há informação de indígenas Guarani-Kaiowá desaparecidos na área ocupada.
Ao Campo Grande News, relataram o receio pela situação vivida na área de Pyielito Kuê, alvo de disputa entre indígenas e produtores rurais e os momentos vividos na última quarta-feira. "Tem que deixar marca", relatou um dos que denunciaram a agressão ocorrida na última quarta-feira (20).
“Ainda estamos muito preocupados, pois ninguém tem notícias dos guaranis desaparecidos”, disse o fotojornalista canadense Renaud Philippe, 39 anos, em entrevista hoje, acrescentando que o ocorrido serviu para mostrar a situação vivida pelos indígenas. “A história não é sobre nós. Obrigado a essas pessoas, que com sua violência, nos ajudaram a divulgar a causa dos Guarani-Kaiowá e nos deram força e espaço na mídia para compartilhar sua voz”.
Renaud e a esposa, antropóloga Ana Carolina Mira Porto, 38 anos, estavam em Mato Grosso do Sul para produzir documentário sobre conflito fundiário na região. O engenheiro florestal Renato Farac, integrante do PCO (Partido da Causa Operária), de MS, acompanhava o casal, auxiliando o trabalho em Iguatemi.
Na tarde de quarta-feira (22), o grupo foi cercado ao tentar averiguar a denúncia de indígenas, de que familiares estavam sendo mantidos reféns por jagunços ou estavam desaparecidos, sem dar notícias, depois da ocupação realizada próxima da Fazenda Maringá. Os três foram agredidos, Renaud teve o cabelo cortado e os homens, alguns com máscara, roubaram equipamentos, celulares e documentos deles.
Renaud diz que, agora, estão em local seguro e recebendo proteção do MPI (Ministério dos Povos Indígenas), Ministério da Justiça e MPF (Ministério Público Federal), além de outras organizações. “No momento, estamos vivendo um dia de cada vez”.
O fotojornalista diz que o roubo dos equipamentos não vai impedir a continuidade do trabalho. “Equipamento roubado é apenas isso: equipamento. Felizmente, ainda temos o trabalho realizado nos dias anteriores”, explicou, acrescentando que há dois anos o casal trabalha no projeto independente sobre a realidade dos indígenas. “Nossa intenção é continuar”.
Eles preferem não dizer se ainda estão em Mato Grosso do Sul. “A única coisa que podemos dizer é que estamos em um lugar longe de qualquer perigo”. Ana Carolina Porto enfatizou a preocupação com os indígenas, que ainda estariam desaparecido. “Não temos notícias dos três guarani-kaiowá”.
Marca – Renato Farac lembrou da tensão vivida naquele dia, que começou quando o grupo foi interpelado pelos indígenas ainda em Caarapó, quando participavam da Assembleia Aty Guassu Guarani-Kaiowá. “Eles estavam desesperados com os acontecimentos, com as informações que os fazendeiros atacaram a retomada”, disse, referindo-se à área ocupada desde a sexta-feira passada.
Farac contou que eles passaram por equipe do DOF (Departamento de Operações de Fronteira) e contaram o que estaria acontecendo. “Eles agiram de maneira esnobe, com desdém, ficavam dizendo ‘aqui não tem conflito nenhum, a gente tá aqui desde de manhã, não tem conflito, podem ir embora’”.
O casal e Renato continuaram o caminho, mas pararam em área distante 20 km da ocupação, surpreendidos por pelo menos 30 caminhonetes na estrada. “Gente encapuzada, gente armada. Aí a gente virou o carro para voltar”, disse o engenheiro florestal. Um dos veículos parou em frente deles, ocupado por quatro homens. Um deles disse: “eu aconselho vocês a irem embora imediatamente”.
Quando descobriram que Renaud era canadense, a ameaça virou agressão. Segundo Renato, cerca de 15 pessoas cercaram o fotojornalista e passaram a chutá-lo. “A gente foi para cima para tentar defender, mas me deram soco nas constas, jogaram a Carol longe, me botaram faca no pescoço e diziam ‘se afasta, se afasta’”.
Neste momento, segundo ele, uma viatura da PM (Polícia Militar) se aproximou e ficou cerca de 10 metros de onde tudo acontecia. “Eles não fizeram absolutamente nada, ouviram Carol pedindo ajuda e não fizeram nada”.
Neste momento, um homem, que segundo Renato seria fazendeiro, se aproximou com uma faca e corto o cabelo de Renaud. “Ele falava ‘tem que deixar marca, tem que deixar marca’”.
Segundo Renato, os agressores desviaram atenção para os equipamentos e documentos do casal. A chave do carro estava no bolso de Renaud e foi o momento que eles entraram no veículo e escaparam. Ainda foram seguidos até Tacuru. Pararam na aldeia indígena e Amambai, onde registraram boletim de ocorrência, orientados pela DPU e MPU. “A gente não ia fazer B.O na região, depois de tudo que aconteceu, mas pediram”.
Renato guarda uma máscara balaclava que seria de um dos agressores, que deixou na carroceria do veículo deles, quando roubava os equipamentos. O material, segundo ele, será entregue para investigação.
A informação é que a PF assumiu a investigação e foi ao local, acompanhada de equipe da Força Nacional. A assessoria da PF informou que diligências foram realizadas e o caso está sob investigação, mas não detalhou se algum produtor rural da região foi ouvido, se os agressores foram identificados e se há indígenas desaparecidos.
A reportagem ainda não obteve retorno do Ministério da Justiça sobre a ação da Força Nacional no local.
De passagem por Campo Grande, a caminho para Caarapó, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, disse que pediu providências sobre o caso.
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