No mês de prevenção, tentativas de suicídio têm alta de 40% em MS
Lesões autoprovocadas, sofrimentos psiquíquicos e suicídio preocupam OMS; Voluntária do CVV comenta que os números mostram urgência em falar do assunto
O tempo acelera, o trabalho está precarizado, o contato é virtual e a ansiedade e depressão deixam cada vez mais de serem exceções para tornarem-se padrões sociais. Esse cenário é, hoje, um dos grandes panoramas por trás do aumento vertiginoso do suicídio, segundo psicólogos e especialistas que convivem de perto com a questão. Em Mato Grosso do Sul, o setembro amarelo - mês que simboliza a visibilidade do tema - segundo dados do Corpo de Bombeiros, mostrou um aumento de 40% nas tentativas de suicídio em todo o Estado.
A comparação é com o ano de 2016, quando os militares registraram 242 tentativas, 110 no interior e 128 na Capital. Este ano, no entanto, setembro foi marcado por 337 tentativas de tirar a própria vida. O aumento no interior de Mato Grosso do Sul foi de 31% em comparação com o último ano. Já na Capital, o aumento foi de 51%: 193 tentativas.
Sociabilidade deteriorada
Apesar da multiplicidade de fatores que envolvem o suicídio, quem tem a rotina marcada pelo tentativa de oferecer auxílio e prevenção, enxerga uma deterioração da sociabilidade, ou seja, na forma como a pessoas estão se relacionando com si, com os outros e com o mundo. É o que explica a voluntária do CVV (Centro de Valorização à Vida) Comunidade em Cuiabá, Ana Rosa Nunes.
"O que a gente tem de concreto é que 90% dos casos podem ser evitados, porque tem, por trás, uma doença de fundo emocional, depressão, ansiedade, a questão dos vícios, o uso abusivo de álcool e drogas. A gente tem percebido que aumentou [casos de suicídio] em todos os lugares, não sei se é porque se está mais transparente, que aparece mais", comentou.
Solidão - Ana comenta que a crise econômica e a precarização das condições sociais também pode ter influenciado o aumento dos casos. Além disso, conta ela, as pessoas tem sentido mais solidão. A voluntária percebe, ao trabalhar dia-a-dia com a prevenção, que as pessoas sentem uma necessidade cada vez maior de serem ouvidas, de compartilharem as próprias angústias, e de sentirem empatia na escuta.
"A própria evolução do país, a insegurança, as redes sociais, as pessoas se setem mais sozinhas. É uma fotinha de cada coisa [nas redes], acredito que as pessoas estão muito solitárias", comenta.
As redes sociais e a exposição são questões que permeiam a discussão atual sobre suicídio, presente em séries de televisão e até em violências virtuais, a exemplo do perigoso 'jogo' baleia azul. Além disso, o meio virtual não aborda a questão com seriedade. É o que mostra o dossiê 'Suicídio: precisamos falar sobre'. Dados específicos sobre Mato Grosso do Sul afirmam que 48,4% das menções ao suicídio nas redes sociais tratou o assunto como 'piada'.
Problema mundial
Todos os boletins e dados divulgados por instituições de socorro e saúde mostram o aumento dos casos em todo o Brasil. Em muitos países, não é diferente, e essa forma de violência, tentada contra si mesmo, é uma das que mais preocupam a OMS (Organização Mundial de Saúde).
Boletim do Ministério da Saúde, com dados inéditos, afirma que a taxa de mortalidade por suicídio entre os homens e mulheres de Mato Grosso do Sul é maior do que a média nacional. No país, para os homens, é de 8,7 a cada 100 mil habitantes, e no Estado, é de 13,3. Já para as mulheres, enquanto o país registra uma taxa de 2,4, Mato Grosso do Sul tem taxa de 3,6. Outro levantamento, realizado pela Sesau (Secretaria municipal de saúde), identificou uma tentativa de suicídio a cada 10h em Campo Grande, em 2016, incluindo crianças.
Outros recortes, além disso, trouxeram nova luz à questão, como o aumento muito mais acentuado entre indígenas, e a letalidade das autolesões em idosos. O levantamento do Ministério da Saúde afirma que são 11 mil pessoas, a cada ano, que cometem suicídio no Brasil. A taxa de mortalidade a cada 100 mil habitantes subiu em 2015, alcançando 5,7. Em 2014, após registrar queda, a taxa em todo o país foi de 5,5. Entre os indígenas, a taxa de mortalidade é de 15,2: crianças e jovens representam 44,8% dessas mortes. Trata-se de uma faixa etária que contempla desde crianças de 10 anos até jovens de 19.
É preciso falar sobre
Ana opina que a divulgação do assunto com seriedade e empatia, além do aumento da discussão, pode fazer com que a ajuda de organizações como o CVV ganhem força. "Cada vez que sai uma divulgação à respeito do CVV a gente percebe que aumenta o número buscando o trabalho. Apesar do CVV ter 55 anos são poucas pessoas que conhecem".
Ana acredita que a falta de diálogo e compartilhamento das próprias angústias pode até ser percebido no dia-a-dia. "O que a gente tem percebido, escutado, é que você senta no ônibus, numa fila, num banco, sempre aparece alguém, começa a falar, falar, está uma angústia muito grande", relata.
"Está todo mundo correndo muito pra buscar a sobrevivência, acaba havendo um distanciamento das pessoas, acaba gerando essa frieza emocional. Falar é a melhor solução. O que temos percebido, quando vamos nas palestras a gente percebe, é que elas sentem necessidade de compartilhar o que estão sentido" explica a voluntária.
Você não está só - O CVV realiza apoio emocional. O contato com o Centro é voluntário e gratuito em todo o Brasil, para qualquer pessoa que precise conversar, sob total sigilo, por telefone, email, chat e voip 24 horas todos os dias. Ligue 141 e peça ajuda. Em Mato Groso do Sul, à partir de hoje (30) o CVV (Centro de Valorização da Vida) passará a atender gratuitamente pelo 188. A novidade no atendimento contempla mais 7 estados brasileiros.