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Cidades

Tratamento difícil de câncer em MS faz doentes migrarem para Barretos

Marta Ferreira e Viviane Oliveira | 07/12/2010 10:30

De 2006 a 2009, hospital de SP recebeu mais de 11 mil pacientes de MS

O hospital, a 709 km de Campo Grande, registrou mais de 11 mil pacientes com origem em Mato Grosso do Sul em 4 anos.
O hospital, a 709 km de Campo Grande, registrou mais de 11 mil pacientes com origem em Mato Grosso do Sul em 4 anos.

Sábado, 4 de dezembro, 20h. A costureira Elza Batista de Souza, de 55 anos, moradora em Terenos, embarca na Estação Rodoviária de Campo Grande, com destino a Barretos (SP). Ela vai enfrentar pelo menos 11 horas de estrada em busca de tratamento para um câncer na garganta, descoberto em setembro.

Nem os exames que se seguiram ao diagnóstico inicial da doença Elza fez em

Campo Grande. Foi orientada pela médica que a operou e identificou um tumor a seguir direto para a cidade paulista onde fica um hospital referência em tratamento oncológico.

A costureira não reclama da falta de atendimento local. Ela conta que decidiu encarar a viagem, pelo menos uma vez ao mês, porque tentou marcar os exames, mas o tempo de espera era muito para quem já havia sofrido um ano com dores e um caroço no pescoço, sem identificar do que se tratava. “Aqui depois de dois meses me ligaram pra fazer um dos exames, mas já tinha feito. Em uma semana fiz todos os exames necessários em Barretos”, compara.

A história da costureira é a de muitos doentes de câncer em Campo Grande e no restante do estado, que enfrentam uma demorada fila para conseguir tentar se livrar de uma doença com alto índice de mortalidade.

A solução, para muitos, tem sido enfrentar a viagem até Barretos e procurar na cidade paulista o atendimento não encontrado com facilidade em Mato Grosso do Sul.

Terceiro lugar-Essa migração de pacientes, apenas parte deles de cidades vizinhas ao Estado de São Paulo, faz com que Mato Grosso do Sul seja o terceiro estado com maior número de pacientes atendidos pelo hospital de Barretos, atrás de São Paulo e de Minas Gerais.

De 2006 a 2009, o hospital registrou mais de 11 mil pacientes com origem em Mato Grosso do Sul, cerca de 500 de Campo Grande. O raciocínio lógico é que, por ser capital, a cidade deveria oferecer uma rede de tratamento mais eficaz.

Não é o que vem ocorrendo. A rede pública campo-grandense hoje só tem tratamento de radioterapia no Hospital do Câncer Doutor Alfredo Abrão. No Hospital Universitário, durante anos uma referência no setor, o aparelho está desativado há mais de 2 anos, sem expectativa de volta breve à atividade.

O MPF (Ministério Público Federal) identificou, no mês de outubro, uma fila de pacientes aguardando radioterapia em Campo Grande que chegava a 170 pessoas. Indagada, a direção do Hospital do Câncer disse que não havia como ampliar o seu atendimento pelo SUS (Sistema Única de Saúde). As autoridades da saúde foram chamadas pelo MPF e a solução encontrada foi aumentar o repasse para uma clínica particular, a Neorad. Conforme definido em reunião no dia 17 de novembro, a clínica passaria a receber R$ 1 milhão, por quatro meses, para que a fila da radioterapia diminuísse

Alguns, como a dona-de-casa Francisca Henrique Teles, 72 anos, acabam voltando a buscar atendimento em Campo Grande para evitar a viagem cansativa. Ela se em Barretos durante 3 anos. “Só agora transferi para o Hospital do Câncer, mas lá o tratamento é muito bom”, comenta em relação à cidade paulista.

A costureira Elza embarca na Rodoviária de Campo Grande para buscar tratamento em Barretos (SP). (Foto: Viviane Oliveira)
A costureira Elza embarca na Rodoviária de Campo Grande para buscar tratamento em Barretos (SP). (Foto: Viviane Oliveira)

Paliativo -A solução não é a que o MPF considera a mais acertada. Para o procurador Felipe Fritz, que atua na defesa dos Direitos do Cidadão, repassar mais dinheiro a um estabelecimento particular apenas remedia o problema, mas, a longo prazo, tira do Poder Público recursos que poderiam ser investidos em uma solução definitiva.

“O MPF aceita como solução temporária e imediata, mas não concorda absolutamente com essa situação”, afirma o procurador. O recurso a instituições privadas, em saúde, só pode se dar complementarmente”, argumenta.

“Estado e município pagarão para clínica particular um montante que, ao longo de poucos anos, lhe permitiriam montar toda a estrutura necessária para o funcionamento de uma radioterapia em hospital público”, observa. Em apenas 4 meses, vão ser R$ 4 milhões.

Fritz prossegue dizendo que a situação só chegou a esse ponto por erros na gestão dos recursos da saúde. “Por que essa situação? Porque não houve investimento na área pública. Derramam-se recursos vultosos na rede privada de saúde – e aí incluo as instituições filantrópicas, como Hospital do Câncer e também Santa Casa – mas pouco se aplica, em termos proporcionais, nos hospitais públicos. É necessário investir na oncologia de hospitais públicos. Temos aqui o Hospital Regional e o Hospital Universitário – o que é que tem sido feito para criar ali uma radioterapia de ponta? Nada.”, resume o procurador.

Custeio - Além de convocar as autoridades para buscar uma solução na oferta de tratamento de radioterapia, o MPF também convocou pacientes para fazer uma espécie de mapeamento da situação.

Há um temor de que vítimas da doença estejam morrendo sem ter a chance de se tratar. “Temos ouvido muitos médicos oncologistas de Mato Grosso do Sul que atendem no SUS, e a informação é que o tempo de espera no estado até a realização de radioterapia em muitos casos acaba afastando as possibilidades de cura”, diz o procurador.

Para quem busca e não consegue tratamento local, as viagens para fora do Estado devem ser custeadas pelo SUS.

“O SUS deve custear essa viagem, por meio do TFD (Transporte Fora de Domicílio), instituído pelo Ministério da Saúde e operacionalizado pelos estados e municípios. Outra opção é o paciente procurar diretamente unidades de saúde em outros estados. É um recurso em caso de extrema necessidade: ou o paciente fica sem socorro ou se submete a se tratar fora de sua cidade, de seu município, muitas vezes enfrentando situações difíceis de moradia e sustento”, explica Felipe Fritz.

Em Barretos, já existe uma casa de repouso dedicada aos pacientes de Mato Grosso do Sul, como relata a costureira Elza.

Em Campo Grande, uma entidade presta atendimento e orientação aos doentes, a Abrapec (Associação Brasileira de Assistências a Pessoas com Câncer), Fátima Costa Marques.

“Quando o tratamento é encaminhado pelo médico é tudo subsidiado pelo governo”, esclarece, sobre a ida de pacientes campo-grandenses para Barretos.

Segundo ela, “a Abrapec dá assistência e apoio às pessoas com câncer, orienta sobre os direitos que os pacientes têm, supre necessidades básicas e dá assistência psicológica”.

Serviço:

A Abrapec fica na avenida General Nepumuceno Costa 605 Vila Alba fone: 2106-9797/ 2106-9729.

O MPF em Campo Grande fica na avenida Afonso Pena 4444 Vila Cidade fone: 3312-7200. 10:43

Hospital do Câncer de Campo Grande não suporta a demanda.
Hospital do Câncer de Campo Grande não suporta a demanda.
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