A Rússia explica cientificamente sua vacina. Restam dúvidas
Após algumas semanas afirmando que conseguiram produzir a primeira vacina contra a covid-19, os russos publicaram como a construíram. A teoria dessa vacina é consistente, está em linha com a maioria dos cientistas brasileiros e dos demais países que estudam virologia e produzem vacinas. Todavia, é difícil acreditar que a comunidade científica a aprove antes do final do ano. Faltam duas etapas decisivas: a publicação dos métodos utilizados para a construção da vacina e os resultados de testagem em milhares de pessoas. Testar em dezenas ou centenas de humanos não é aceitável.
Desvendando o segredo da vacina russa.
O segredo por trás da rapidez é a experiência da Rússia em pesquisa vacinal. Desde a década de 1980, o Centro Gamaleya tem liderado o esforço para desenvolver uma plataforma tecnológica usando adenovírus, encontrados em adenóides humanas e normalmente transmitindo o resfriado comum, como vetores ou veículos que podem induzir material genético de outro vírus dentro de uma célula.
Removem um gene que causa infecção.
O gene do adenovírus que causa a infecção é removido, enquanto um gene com o código da proteína de outro vírus é inserido. Tal elemento inserido é pequeno e é uma parte não perigosa de um vírus, sendo seguro para o corpo humano, mas ajuda o sistema imunológico a reagir e produzir anticorpos.
Dois vetores.
Os estudos mais recentes indicam que haverá necessidade de duas doses da vacina russa para que os humanos tenham imunidade prolongada. Desde 2015, pesquisadores russos têm trabalhado no modelo de dois vetores adenovirais. Assim, eles conseguem enganar o corpo que desenvolveu imunidade contra o primeiro tipo de vetor, e impulsionam o efeito da vacina com a segunda dose usando um vetor diferente.
A técnica dos dois trens.
De modo comparativo, seria como dois trens que tentam levar uma carga importante a uma fortaleza do corpo humano que necessita dessa carga para produzir anticorpos. Precisa do segundo trem para ter certeza de que a carga chegará ao destino. Tal trem deverá ser diferente do primeiro, o qual já foi submetido ao ataque do sistema imunológico do corpo humano e já é conhecido deste. Somente a vacina russa utiliza a técnica dos "dois trens". Essa técnica já garantiu uma vacina contra o ebola que já foi administrada em milhares de pessoas. Também usaram vetores adenovirais para desenvolver vacinas contra influenza e contra a Síndrome Respiratória do Oriente Médio.
Outras vacinas adenovirais.
A Universidade Oxford está usando um adenovírus de um macaco. A companhia norte-americana Johnson & Johnson também está usando adenovírus. A chinesa CanSino usa o mesmo adenovírus da Rússia. Mas essas três vacinas não utilizam a técnica dos "dois trens".
Na teoria, uma beleza. Na prática, restam dúvidas.
A explanação científica da vacina russa leva os cientistas a acreditar que é muito provável que ela seja segura. As vacinas adenovirais são antigas, não amedrontam os cientistas, ao contrário das vacinas que estão sendo feitas com RNA (temem que essas vacinas produzam impactos na fertilidade humana), mas que, se derem certo, representarão um avanço na ciência. A vacina russa precisa ser administrada em pelo menos 2 a 3 mil pessoas, com a metade recendo a vacina e a outra metade recebendo água com açúcar (placebo). Também necessita ser acompanhada por uma rigorosa fiscalização internacional. O prazo razoável para entrar em circulação seria ente dezembro e janeiro. Mas a política vem dando goleada na ciência. Está escravizando os cientistas.