Sem justiça, era linchamento. A morte do feiticeiro de Nioaque
Uma terra sem lei. Isolada. O Mato Grosso do Sul viveu, durante dezenas de anos, no esquecimento e no justiçamento. Não foram poucos os linchamentos. Um dos mais famosos ocorreu em Nioaque. Quem chegava na vila tinha de saber sobre aquela figura estranha que a muitos enchia de pavor. André Soares era seu nome, mais conhecido como André Bode. Um mulato atarracado, valente, autoritário, mandão. Mulheres e crianças fugiam espavoridas do feiticeiro.
Seu feitiço tinha a força de sete cavalos selvagens.
Suas poções eram à base de pele de sapo. Desgraçava a vitima, diziam. Não falhava nunca. Eram favas contadas. Dependia só de paciência. Iniciava com uma dor de tortura que não passava até o dia da morte. Raízes, ossos queimados, penas de galo preto, cabelo de sovaco, pimenta-do-reino, flor murcha e prego enferrujado, completavam a mandinga. Era a especialidade do Bode.
Ubaldo sumiu!
Ubaldo Pereira Barbosa, moço de vinte e quatro anos, bom de trato, prestativo, sério nos compromissos, muito leal… não tinha defeito. Comprava gado. Uma tarde, Ubaldo pegou seu cavalo e disse que iria a uma fazenda vizinha da sua comprar uns garrotes. Foi e não voltou. Mistério. A esposa e a mãe enlouquecidas.
A multidão procura Ubaldo.
O povo da redondeza soube do caso. Um imenso formigueiro humano se formou. Mais de cento e cinquenta cavaleiros, algo como cinquenta homens e cem mulheres, pegaram seus cavalos e foram procurar o Ubaldo. Era o fatídico 20 de junho de 1.938. Os dias passaram. A procura recrudescia. Revezavam-se. Mas nada…. nem um indicio do Ubaldo. Nem uma pista.
O cavalo com o casco partido.
Três tios do Ubaldo chegaram. Homens práticos. Conheciam as coisas do sertão. Vasculharam de forma diferente. Primeiro, descobriram que o cavalo do Ubaldo tinha um casco partido. Foi a senha. Sondaram o chão em todos os sentidos. Descobriram um cavalo com esse defeito em uma festa onde o André Bode era o sanfoneiro e chefão. Prenderam o feiticeiro.
Pai e filhos na cadeia.
Levaram o feiticeiro para a cadeia junto com seus dois filhos. Dizem que não foram torturados, prática comum na época, mas ineficiente. Armaram armadilhas por longo tempo. Tentaram jogar uns contra os outros. Afinal, veio a verdade: tinham assassinado o Ubaldo. Tinham raiva do rapaz porque ele comprava todo o gado da redondeza. Um dia, brigaram. O Ubaldo mandou os três calarem a boca, sacudindo um rabo-de-tatu. Caso resolvido, mas nem tanto.
A fuga do Bode.
Era o mês de agosto. O frio cortava. O Bode tinha sessenta anos e estava preso há quarenta e oito dias. Certa madrugada, começou a pedir, com voz súplice, que lhe dessem um copo de mate. Estava com frio. Tanto pediu que o soldado abriu o cubículo e passou-lhe a cuia de mate. Mas o bruxo, o matador cruel, havia aberto o cadeado e tirado dos pés a grossa e pesada corrente. Em um relance, arremessou a corrente e o cadeado na cabeça do soldado. Fugiu. Rápido como um tigre. Os soldados não o alcançavam. Até que apareceu Constatino Barbosa, primo do Ubado assassinado. Vence a todos na corrida e deu um pé-de-ouvido no feiticeiro. Uma multidão se aglomera em frente do quartel. Fúria e ódio nos olhos. A avalanche humana invade o pequeno prédio. Prenderam os praças. E mataram André Bode e seus filhos.
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