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Em Pauta

Nhá Bina do Canta Galo de Sidrolândia, virou fantasma

Por Mário Sérgio Lorenzetto | 19/09/2025 07:30
Nhá Bina do Canta Galo de Sidrolândia, virou fantasma

Nhá Bina morreu. Morreu, precisamente, no momento que os últimos raios de sol iluminavam sua miserável choça. Estava com um cachimbo, pés descalços, quando caiu de borco, sobre o pilão. Não soltou um ai sequer. Ficou na terra amiga que tanto amara. Terra que cobrira o corpo do filho caçula e do esposo, companheiro de martírios e desenganos.


Nhá Bina do Canta Galo de Sidrolândia, virou fantasma

Febre braba e coice de boi.

O filho morreu de uma febre braba. Enfermou ao voltar da roça. Foi sacudido por acessos de vômito, gemeu e delirou a noite toda e, ao primeiros clarões da madrugada, exalou o último suspiro. O marido ia para a festa da Semana Santa, do outro lado do Canta Galo, vender os produtos de seu pequeno engenho, quando o boi da carreta deu-lhe um coice no joelho. Voltou dali mesmo gritando de dor, misturado com os balaios de rapadura e garrafões de melado. O boticário e o curador, homens entendidos em raizes e folhas milagrosas, não lhe deram volta. A perna inchou, veio a gangrena e ele fechou os olhos para sempre.


Nhá Bina do Canta Galo de Sidrolândia, virou fantasma

Enferrujou de velha.

Antes de falecer, o marido disse a Nhá Bina que cuidasse daquela pequena terra. Ali era a boca do sertão. Surgiria uma bela cidade no futuro. Nhá Bina ouviu o marido e enferrujou no Canta Galo. Ficou por lá meio século. Perdeu tudo que havia na casinha. Somente as relíquias da família, metidas em um velho baú de couro, e os trens da cozinha, resistiram à ação do tempo.


Nhá Bina do Canta Galo de Sidrolândia, virou fantasma

A pioneira virou fantasma.

Nhá Bina, pioneira do Canta Galo, octogenária, encarquilhada, morreu como sempre quis e desejou: na boca do sertão. Ali ficou seu corpo. Nas noites escuras, sem lua, aparecia para rondar as paragens. E aparecia fumando o cachimbo inseparável para ver se todos do Canta Galo estavam bem. Com Nhá Bina, desapareceu o último baluarte de uma raça de bravos. Veio mocinha, dilacerando os pés descalços nos espinhos das estradas brutas, para tombar em uma terra que, desde o início, prometia riquezas sem fim. Um passado de nobreza espia o Canta Galo de Sidrolândia.

 

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