ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
SETEMBRO, SEXTA  19    CAMPO GRANDE 34º

Artigos

Sem Cerrado, não há Amazônia

Por Rozana Reigota Naves, Angelita Pereira de Lima e Carlos Henrique de Carvalho (*) | 19/09/2025 08:30

Em novembro, quando Belém receber a COP30, o mundo estará voltado para a amazônia. É justo que seja assim. Contudo, se restringirmos o debate apenas ao bioma amazônico, perderemos a oportunidade estratégica de pensarmos o Brasil em sua totalidade ecológica.

Não haverá amazônia sem cerrado — e sem uma visão integrada, não haverá liderança climática brasileira. Por isso, as universidades localizadas no cerrado defendem a criação do Instituto Nacional do Cerrado (INC), como unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

O cerrado é o berço das águas da América do Sul —de suas nascentes dependem as bacias Amazônica, do São Francisco, do Prata e do Tocantins-Araguaia. É a savana mais biodiversa do planeta elar de povos indígenas, comunidades quilombolas, geraizeiras e ribeirinhas que há séculos manejam o bioma de forma sustentável. Ao mesmo tempo, é também o bioma mais pressionado do país: metade de sua área já foi convertida, apenas 8% estão protegidos e, em 2024, o desmatamento na região voltou a ser o maior entre os biomas brasileiros.

O cerrado e a amazônia são um contínuo ecológico, social e climático. A evapotranspiração amazônica alimenta os chamados “rios voadores”, que garantem chuva no Centro-Oeste. O desmatamento, por sua vez, enfraquece esse mecanismo, afetando diretamente a agricultura e a disponibilidade hídrica. O balanço de carbono segue a mesma lógica: as emissões do cerrado já neutralizam parte da absorção da floresta amazônica. Ignorar essa interdependência é perder metade da história —e metade da solução.

As ameaças são evidentes; também o são as oportunidades. Estudos recentes mostram que os milhões de hectares de pastagens degradadas no cerrado são capazes de acomodar a expansão agrícola sem novos desmatamentos. A recuperação dessas áreas pode aumentar a produtividade e restaurar a vegetação.

Além disso, programas de pagamento por serviços ambientais e o mercado regulado de carbono já em implantação criam um ambiente econômico favorável para remunerar quem conserva. O agronegócio pode e deve ser par te dessa virada.

A criação do INC, tendo por referência a articulação entre ciência e sociedade, irá orientar agendas de pesquisa sobre biodiversidade, água e clima; fomentar o desenvolvimento de tecnologias adequadas ao bioma; reduzir assimetrias sociais e regionais por meio da bioeconomia e da agroecologia; e apoiar a formulação de políticas públicas com base em evidências. Mais que uma defesa ambiental, trata-se de estratégia nacional: alinhar conservação, segurança alimentar, inovação e bem-estar coletivo.

A COP30 deve ser mais que uma conferência “sobre a amazônia”. O Brasil pode, nessa oportunidade, mostrar ao mundo que é possível produzir mais e melhor, estabilizar o clima e proteger a sociobiodiversidade. Para isso, é fundamental reconhecer o óbvio: o futuro da amazônia depende do cerrado. E o futuro do cerrado depende de termos a ousadia política de criar o Instituto Nacional do Cerrado!

(*) Rozana Reigota Naves, reitora da Universidade de Brasília, Angelita Pereira de Lima, reitora da Universidade Federal de Goiás e Carlos Henrique de Carvalho, reitor da Universidade Federal de Uberlândia, através da Folha de S.Paulo

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.