Consequência da crise, até materiais recicláveis se tornaram alvo de disputa
Coleta seletiva realizada pela Solurb vem diminuindo devido aos novos catadores nas ruas
Reflexo da crise econômica que foi intensificada durante os últimos dois anos com a pandemia do novo coronavírus, os números da coleta seletiva realizada pela Solurb têm recuado desde 2020. De acordo com estatísticas da empresa, o material reciclável recolhido voltou aos patamares de 2018.
Sem acreditar que a população tenha abandonado o hábito de separar o lixo, o gerente operacional da Solurb, Bruno Velloso, pontua que a principal hipótese para a redução é que o número de catadores “independentes” nas ruas aumentou no País de 13,5 milhões de desempregados.
Conforme levantamento da empresa, 73% da população campo-grandense recebe os caminhões que recolhem o lixo reciclável desde 2017. Antes desse período, a partir de 2011, a abrangência do serviço “porta a porta” era menor.
Durante 2017, a Solurb recolheu 5.814,820 toneladas de materiais; em 2018, foram 6.387,880 e em 2019, 7.120,960. Seguindo a projeção dos anos anteriores, as toneladas deveriam seguir aumentando, de acordo com Bruno. Entretanto, em 2020, o número caiu para 6.641,530 e em 2021, chegou a 5.418,920 até novembro.
O material reciclado aumentou muito no valor e, com isso, aumentou a quantidade de pessoas nas ruas coletando”, diz Bruno.
O gerente confirma que o recorde no número de desempregados está diretamente ligado à redução nas toneladas de “lixo” reaproveitável levado nos caminhões da Solurb. “Nos dias de coleta seletiva, essas pessoas passam antes do caminhão e quando a Solurb chega, já há menor quantidade de material. Essa é possivelmente a justificativa, porque não é possível pensar que a população simplesmente parou de reciclar”, completa.
Ainda conforme explicado por Bruno, essa redução não afeta a Solurb, mas as cooperativas de catadores de recicláveis que trabalham na UTR (Usina de Triagem de Resíduos) e comercializam todo o material coletado pela empresa. Eles dependem da quantidade para gerar os valores. “A Solurb é contratada para fazer a coleta, não a comercialização. Quem faz essa comercialização são as cooperativas, que separam e vendem”.
Disputa e crise – Em junho deste, o Campo Grande News publicou uma reportagem sobre Carlos dos Santos, de 28 anos, que voltou a recolher materiais recicláveis de modo independente, após ser demitido na pandemia. De acordo com o catador, ele já havia “vivido do lixo” anos atrás, mas após conseguir um emprego com carteira assinada, havia conseguido abandonar o contato com os recicláveis.
O relato de Carlos se une à explicação fornecida pela Solurb sobre o aumento de pessoas nas ruas. Para ele, no início da pandemia, havia menor “concorrência” e o número de catadores seguiu aumentando em 2021.
"A quantidade de lixo que eu consigo pegar diminuiu. Eu pego minha moto e preciso ir longe, de casa em casa, para tentar juntar um tanto bom", disse.
Integrante da Atmaras (Associação de Trabalhadores de Materiais Recicláveis dos Aterros Sanitários de Mato Grosso do Sul) há 10 anos, Luiz Carlos Arguelho Odelar explica que o discurso referente ao aumento de catadores nas ruas segue frequente. A Atmaras é uma das organizações que recebem os materiais recolhidos pela Solurb para venda.
Isso tem um impacto muito grande para nós, os catadores passam antes da coleta, antecipam e pegam as melhores partes. O que resta vem para a gente e a coleta já não é 100% aproveitável", explica Luiz.
Para Luiz, o cenário é complexo, porque os catadores cooperados dependem da quantidade coletada para construir suas rendas por meio das cooperativas, mas quem trabalha de modo independente segue caminho parecido. “É difícil, porque todo mundo está precisando. A pandemia afetou de modo geral”.