Trump deve recuar de taxa e MS pode lucrar com compra antecipada, diz economista
Especialista acredita que impacto inicial seria mais negativo para a indústria dos EUA do que para o Brasil
A taxação de 50% anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre produtos brasileiros não deve se concretizar, avalia o economista Daniel Massen Frainer, professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Para ele, Mato Grosso do Sul, grande exportador de comodities, é destaque na pauta exportadora e pode se beneficiar de antecipação de compras pelos EUA, sobretudo de carne.
RESUMO
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Economista acredita que a ameaça de Trump de taxar produtos brasileiros em 50% não deve se concretizar. A medida, vista como um possível "tiro no pé", causaria inflação nos EUA, dependentes de importações brasileiras, especialmente da carne de Mato Grosso do Sul. A antecipação de compras por importadores americanos, buscando estocar antes da possível taxação, é o cenário mais provável. A motivação de Trump seria política, relacionada ao processo contra o ex-presidente Bolsonaro, e não econômica. O histórico de Trump sugere que ele recuará da taxação em 90 dias, como já fez em situações semelhantes. Mato Grosso do Sul, grande exportador para os EUA, teria impacto inicial, mas acordos comerciais devem amenizar os efeitos a médio e longo prazo.
A avaliação dele é de que Trump tende a “amarelar” diante das consequências internas da medida, que pode se tornar um “tiro no pé” ao provocar inflação nos Estados Unidos, país que depende da carne brasileira, especialmente de Mato Grosso do Sul, importante exportador do setor.
“No primeiro cenário, que, provavelmente, não vai acontecer, porque o Trump ‘vai amarelar’, ou seja, vai desistir da ideia, o impacto inicial seria um aumento da inflação de custos na economia norte-americana. Isso porque os consumidores, que em muitos casos são também produtores nos Estados Unidos, teriam um aumento nos seus custos de produção, já que os insumos importados ficariam mais caros”, analisa o economista.
Esse encarecimento, segundo Frainer, resultaria em perda de competitividade da indústria norte-americana. Para compensar os custos elevados, os preços no mercado interno tenderiam a subir. “Ou seja, num primeiro momento, haveria uma inflação de custos. Em seguida, esse aumento generalizado nos custos poderia gerar uma inflação de preços. Tudo ficaria mais caro para se produzir nos Estados Unidos.”
Já no segundo cenário, considerado o mais provável pelo especialista, os importadores norte-americanos antecipariam as compras do Brasil, especialmente de estados como Mato Grosso do Sul. “Com essa antecipação, ao invés de comprarem o previsto para 30 dias, passariam a comprar o suficiente para 90 dias”, explica.
Antecipação de estoques
Essa corrida por estoques poderia provocar um aumento expressivo nas exportações brasileiras, inclusive com a possibilidade de triplicar a demanda por certos produtos. “Os importadores estariam formando estoques, apostando que Trump voltaria atrás em até 90 dias. Esse prazo de 90 dias seria, exatamente, o período esperado para que ele recue e reverta a aplicação das tarifas.”
Frainer lembra que situação semelhante já havia ocorrido anteriormente, quando Trump anunciou uma tarifa de 10% sobre a carne.
“Houve uma antecipação imediata das compras, resultando em um crescimento significativo das exportações. Depois, com o recuo da medida, o mercado se acomodou e tudo voltou à normalidade. Portanto, o que se vê é muito mais um clima de instabilidade”, lembra o economista.
Ele ressalta ainda que a decisão de Trump tem mais motivação política do que econômica. “O primeiro ponto a destacar é que essa questão está ligada ao contexto político, especialmente ao processo contra o ex-presidente Bolsonaro, que deu início a toda essa movimentação, esse ‘zum-zum-zum’ em torno da carta de tarifação dos 50%”, disse e acrescenta. “É importante lembrar ainda que os Estados Unidos têm, nos últimos 10 anos, um saldo comercial positivo com o Brasil, ou seja, exportam mais para o Brasil do que importam. Isso, por si só, já desmonta a narrativa de desequilíbrio comercial que justificaria a imposição de tarifas. Os dados confirmam que não há, de fato, um déficit relevante. Portanto, não se trata de uma decisão com base em fundamentos econômicos.”
Outro ponto, segundo Frainer, é o histórico do presidente americano. “Há até um meme circulando nas redes sociais que diz: ‘Trump always chickens out’, ou seja, ‘Trump sempre amarela’. É o padrão dele: anuncia tarifas, cria um clima de tensão, mas estabelece um prazo — geralmente de 90 dias — e, depois, recua”, diz. “Esse comportamento errático e imprevisível torna difícil acreditar que tais medidas se sustentem, nem no curto, nem no médio prazo. É um vai e vem constante que mina a credibilidade de suas ações e gera apenas instabilidade no mercado.”
Exportações de Mato Grosso do Sul para os EUA em 2025
No primeiro semestre, Mato Grosso do Sul exportou US$ 5,280 bilhões, conforme dados da Carta de Conjuntura do Comércio Exterior da Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc). O montante representa um crescimento de 1,76% em relação ao primeiro semestre de 2024.
A China se destaca com o principal destino, com quase metade dos embarques do estado, com US$ 2,484 bilhões, o equivalente a 47,05% do total. A receita da exportação, entretanto, caiu 2,8% sobre o montante registrado no mesmo período do ano anterior. Enquanto a quantidade vendida à China somou 5,213 milhões de toneladas, ante 5,748 milhões de toneladas. Já as exportações para os Estados Unidos representaram 5,97% do total dos embarques de Mato Grosso do Sul no período, com receita de US$ 315,4 milhões, 11,45% a mais se comparar com o mesmo período do ano passado. O volume embarcado diminuiu de 387,6 mil toneladas, no primeiro semestre de 2024, para 318,2 mil no primeiro semestre de 2025.
A assessora de Economia e Estatística da Semadesc, Bruna Mendes Dias, analisou o cenário com cautela e lembrou que a taxação de Trump retoma uma postura semelhante à adotada em seu primeiro mandato, em 2018, quando impôs tarifas sobre o aço e o alumínio. “No caso atual, é preciso aguardar os desdobramentos, mas o impacto imediato pode recair sobre setores estratégicos que compõem a pauta de exportações de Mato Grosso do Sul para os EUA.”
Em 2024, o estado exportou cerca de US$ 669,5 milhões para os Estados Unidos, o que representou cerca de 7% do total. Os principais produtos foram carne bovina fresca (34%), celulose (32%) e ferro-gusa (18%) — juntos, responsáveis por mais de 80% da pauta exportadora para o país.
Bruna também acredita que, num primeiro momento, os efeitos da medida se concentrariam na indústria norte-americana, que teria de acessar matérias-primas brasileiras com preços mais altos, o que poderia reduzir sua competitividade. “Historicamente, situações como essa acabam sendo ajustadas por meio de negociações diplomáticas e comerciais, como também ocorreu no passado. Portanto, no médio e longo prazo haverá espaço para acordos e reequilíbrios, de forma a evitar penalizações severas para ambos os lados.”